«Sinto-me injustiçado. Mesmo agora, podia ter sido chamado à Seleção» - TVI

«Sinto-me injustiçado. Mesmo agora, podia ter sido chamado à Seleção»

Ricardo Vaz Tê

Entrevista do Maisfutebol a Ricardo Vaz Tê

Nasceu em Lisboa, passou a infância na Guiné Bissau, até regressar a Portugal com 11 anos, mas tornou-se um dos primeiros portugueses a despontar na Premier League, quando aos 16 foi descoberto por um «camone» no Algarve.

Agora, aos 30, Ricardo Vaz Tê acaba de cumprir a melhor época da sua carreira (25 golos em 40 jogos) ao serviço do Akhisar, mas garante que na próxima época não vai continuar no clube turco. O avançado português, que vive em Londres com a sua mulher dinamarquesa e as duas filhas – uma com dois anos e dois meses outra com 15 dias de vida – quer regressar ao futebol inglês.

Esse é um dos sonhos, que revela nesta entrevista ao Maisfutebol. O outro seria ser internacional A por Portugal: «aAté me provarem que não sou capaz de lá chegar, acredito sempre que posso vir a representar a nossa seleção.»

25 golos em 40 jogos na terceira época ao serviço do Akhisar? Aos 30 anos, está no melhor momento da sua carreira?

Esta foi a minha melhor época de sempre. Marquei muitos golos, mas até joguei mais a extremo do que a ponta-de-lança. O futebol e a vida na Turquia são bem diferentes do que em Inglaterra, mas com o tempo fui-me adaptando. Vivia a 80 quilómetros de Izmir (Esmirna), que é uma grande cidade. Ter por perto a minha mulher e as minhas duas filhas pequenas ajuda, tal como ajudou ter o Custódio como colega de equipa. Na primeira época (2014/15) não foi fácil, estive sozinho durante um tempo. Além disso, vinha da Premier League, habituado a uma realidade de alto nível, de grande profissionalismo, com condições de trabalho do melhor e aqui na Turquia não era bem assim.

Vaz Tê com Custódio, em representação do Akhisar

Vai ficar na Turquia, e em particular no Akhisar, na próxima época?

Na Turquia, não sei. No Akhisar, não. Recusei a proposta deles por estes dias. Deixei o meu agente a tratar disso.

Quer regressar ao futebol inglês?

Tenho atributos para jogar aqui em Inglaterra. Estou bem fisicamente, tenho capacidade e experiência da Premier League: a minha intensidade está lá. Quando isso começar a falhar é que vai ser um problema.

Ao longo destes anos, nunca teve propostas para voltar a Portugal?

Tive propostas, mas não era coisa certa. Os valores eram baixos. Ou seja, as propostas que surgiram nunca fora de clubes grandes.

Fez a maioria da sua carreira em Inglaterra. Como deu o salto do Farense para o Bolton em 2003/04?

Foi um observador, um «camone» daqueles ingleses que vivem no Algarve, que trabalhava com um empresário escocês. Viu-me a jogar pelo Farense, deu boas referências minhas e fui às captações no Bolton. Fiz um jogo de onze para onze e mal acabou levaram-me para um hotel que fica junto ao estádio para assinar contrato logo ali.

Foi rapidamente promovido à equipa principal não tardou em estrear-se na Premier League, em março de 2004, ainda com 17 anos. O que aconteceu para nas épocas seguintes não se assumir em definitivo como titular do Bolton?

Era jovem e estrangeiro, talvez tenha tido dificuldades em perceber algumas opções do treinador.

O Sam Allardyce?

Sim, devo-lhe muito, mas, não escondo, tive alguns problemas com ele por não entender a sua filosofia e maneira de pensar. Por exemplo, entrava em jogo, fazia uma boa exibição, era até o melhor em campo e no jogo seguinte não saía do banco ou nem sequer era convocado. Ou seja, eu era o melhor e não jogava. E ele dizia qualquer coisa como «é para não te dar demasiado moral». Sentia-me frustrado…

Avançado português defronta o Sporting ao serviço do Bolton

Apanhou alguns craques naquela equipa do Bolton…

Sem dúvida… Giannakopoulos, que tinha sido campeão da Europa pela Grécia, (El Hadji) Diouf, Nakata… Eu era ponta-de-lança, mas para jogar nessa posição no esquema do Sam Allardyce era preciso ser uma torre. Fui adaptado a extremo.

Voltando ao treinador, tentava questioná-lo sobre os motivos de não ser uma aposta regular?

Sou uma pessoa aberta e gosto de perceber as decisões, de trocar ideias. Pedia-lhe alguma justificação e não tinha qualquer abertura da parte dele. Era do género «eu sou o chefe; tu fazes o que eu mando».

Até que chegou a um ponto em que foi emprestado ao Hull City (2006/07) por decisão do treinador...

Sim, foi um castigo. E na altura o Hull era um clube bem pior do que é hoje. Tive um beef (discussão) com ele num treino. No dia seguinte cheguei ao estádio e ele disse-me que já não treinava com a equipa. Ia para o Hull, que na altura estava no Championship e era treinado pelo Phil Brown, ex-adjunto do Sam Allardyce.

Como correu essa experiência?

No primeiro jogo, não fui titular, mas entrei na segunda parte. No segundo, voltou a acontecer a mesma coisa. E fui pedir explicações. O Phil Brown tinha indicações para não me pôr a jogar a titular por ordem do Allardyce. Confessou-me isso no gabinete dele.

E assim entrou em meia dúzia de jogos no Championship até o Bolton chamá-lo de novo à Premier League.

Sim, o Sam Allardyce quis dar-me uma lição. Ao fim de um mês voltei para o Bolton e de novo para a minha condição de suplente utilizado: entrei na segunda parte num jogo contra o Arsenal. Ele disse-me: «Vês? Não estavas contente por ser suplente na Premier League, foste para suplente no Championship. É para dares valor ao que tens…»

Quando regressou ao futebol inglês, para jogar no West Ham, que na altura estava no Championship, voltou a encontrar o Sam Allardyce…

Sim, ele foi importante na minha carreira. E nesse primeiro ano no West Ham (2011/12) entendemo-nos muito bem. Até que subimos de divisão e depois ele falhou em algumas promessas que me tinha feito e fiquei zangado com isso.

O quê em concreto?

Prefiro não falar nisso.

Entre as suas aventuras no Bolton (2003 a 2010) e no West Ham (2011 a 2014) teve um interregno no futebol inglês, quando em 2010/11 jogou na Grécia e na Escócia. Como aconteceu essa mudança de ares?

Terminei contrato e não tinha propostas de Inglaterra, talvez por receio de alguns clubes relativamente ao meu historial com lesões. O Panionios abriu-me as portas. Fiz meia época boa, recuperei o ritmo, mas vim-me embora: aquilo não era para mim. O ritmo competitivo na Grécia não tinha nada que ver com Inglaterra. Eu era um jovem ambicioso e queria voltar à Premier League. Saí em janeiro, mas não tinha mercado no futebol inglês e acabei por ir para a Escócia, terminar a época no Hibernian. Correu bem, apesar de só ter feito um golo em 10 jogos. Na época seguinte, voltei a Inglaterra: estive seis meses no Barnsley antes de ser contratado pelo West Ham.

Allardyce foi decisivo na carreira de Vaz Tê no futebol inglês 

O West Ham tem uma dimensão bastante maior dos outros clubes onde jogou, não?

É um grande clube. Só lhe faltam os títulos. De resto, têm adeptos, estrutura… Têm tudo para estar no topo do futebol inglês. Enchem o Olímpico de Londres, mas podiam jogar num estádio com 90 mil lugares que mesmo assim estaria cheio.

Recuemos no tempo. Como começou a jogar futebol?

Quando voltei da Guiné, aos 11 anos, vim viver para Rio de Mouro e jogava por ali. Depois, fiz as captações pelo Sporting, em Alvalade. Eu ia passando cada fase, mas a minha mãe tirou-me de lá a meio porque as notas na escola não eram as melhores. Ela era uma mulher sozinha a criar seis filhos e não tinha disponibilidade para me levar lá. Eu era miúdo, tinha acabado de chegar de África e não sabia orientar-me no metro. «Não podes jogar mais até melhorar a nota», dizia-me ela, mas era uma espécie de desculpa. Na escola, começaram a notar que eu jogava bem e convidaram-me para ir jogar futsal no Núcleo de Sintra. E lá foram convencer a minha mãe, que concordou: «Se é no bairro, ok.»

Depois foi para o Real Massamá, a seguir para o Farense, antes de sair para Inglaterra com 16 anos…

Eu ia jogar para onde ia o meu irmão mais velho. Ele estava no Lourel e eu quis ir para lá, a seguir fui para o Real Massamá, depois para o Farense… E eu sempre atrás dele, até que surgiu o Bolton.

Apareceu com um hat-trick no Torneio de Toulon, em 2005, representou a seleção de sub-21 nos Europeus de 2006 e 2007... Ao longo de todo este tempo acha que devia de ter tido uma oportunidade na Seleção Nacional?

Sinto-me injustiçado. Fazer o quê? Vivo a minha vida. Houve vezes em que merecia ser convocado, porque estava a jogar bem, mas não fui chamado. Mesmo agora, podia ter sido chamado. Podiam ter-me dado uma oportunidade, nem que fosse num jogo amigável. Se não gostassem, não voltavam a convocar-me.

O Nani, que é seu amigo desde os tempos do Real Massamá, nunca lhe falou sobre a Seleção?

Quando eu estava no Bolton, o Nani dava-me moral, sim: «Põe-te bem que precisamos de um ponta (de-lança).» Representei todas as seleções dos sub-17 aos sub-23. Fiz sempre um bom trabalho.

Não o convidam a jogar pela seleção da Guiné-Bissau?

Todas as semanas… Mas não sou dessas pessoas. Era uma injustiça para os que lá têm jogado ao longo dos anos. O meu pai é da Guiné, e ainda vive lá com os meus irmãos, a minha irmã é de Cabo Verde, eu nasci em Lisboa. Sou também um bocadinho guineense e cabo-verdiano também, mas sinto-me português! Se Portugal fosse a pior seleção do mundo queria jogar na mesma pelo meu país. Aliás, até me provarem que não sou capaz de lá chegar, acredito sempre que posso vir a representar a nossa seleção.

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