Rúben Lameiras: «No Tottenham limpei as chuteiras ao Modric» - TVI

Rúben Lameiras: «No Tottenham limpei as chuteiras ao Modric»

Rúben Lameiras (Foto: FC Famalicão)

Entrevista exclusiva ao extremo do Famalicão, uma das grandes figuras da Liga

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O Futebol Clube de Famalicão é o comandante supremo da Liga, a equipa-sensação. João Pedro Sousa tem lançado nomes novos para o dicionário do nosso futebol e Rúben Lameiras é, provavelmente, o mais entusiasmante. 

Aos 24 anos, o esquerdino natural de Lisboa está a jogar pela primeira vez num clube português. Não há engano. Aos seis anos, Rúben seguiu os pais para Londres, atrás de uma vida melhor, e foi no Reino Unido que fez todo o percurso desportivo, até ser identificado pelo departamento de scouting famalicense. 

A aposta não podia ser mais certeira. Para as duas partes. Depois de Millwall, Arsenal, Chelsea, Birmingham e, principalmente, Tottenham, Rúben Lameiras ainda teve uma pequena passagem pela Suécia (Atvidabergs FF) e pelos escalões secundários britânicos (Coventry e Plymouth).

Um jovem com um percurso forte e cheio de boas histórias. Oito jogos oficiais e um golo em Alvalade com a camisola do Famalicão, uma das grandes figuras da Liga 2019/20 em entrevista ao Maisfutebol.
  

Rúben fez em Alvalade o primeiro golo pelo Famalicão

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Maisfutebol - Nasceu em Lisboa e apareceu, por volta dos 16 anos, no Tottenham. Com que idade foi para Inglaterra?
Rúben Lameiras - Fui para lá com seis anos. Comecei a jogar muito pequenino, passei por vários clubes e depois assinei contrato profissional com o Tottenham. Os meus pais tentaram trabalhar lá em Londres, foi muito difícil essa fase, não tínhamos muitas coisas, mas é a vida. Foram tentar procurar uma vida melhor, fora de Portugal. Agora, graças a Deus, estou numa posição que me permite ajudá-los. Os meus pais sempre me apoiaram, gostam muito de futebol e acho que valeu a pena.

MF - Algum familiar seu foi futebolista?
RL -
Os meus tios e o meu pai jogaram no Sporting, mas não chegaram à primeira equipa. Só camadas jovens.

MF - Apesar de ter ido muito novo para Inglaterra sempre manteve contacto com Portugal?
RL -
Sim, todos os anos venho cá, também tenho família portuguesa em Inglaterra, costumamos estar juntos. Vivi muito tempo em Inglaterra, mas serei sempre português.

MF - Como começou a sua ligação mais a sério ao futebol?
RL -
Comecei a jogar no Millwall e fiquei lá até aos 12 anos. Depois tive de deixar porque era muito pequeno para eles, estava rodeado de colegas grandes. Passei um ano no Chelsea, no Arsenal também um ano, depois voltei para o Millwall. Do Millwall voltei a sair porque continuava a ser muito pequeno e parei de jogar. Com 14/15 anos comecei a jogar só na escola. Mais tarde ainda fui treinar ao Birmingham e depois ao Tottenham. Gostaram de mim e decidi ficar lá. Era um miúdo de 16 anos.

MF – Conseguiu conciliar os estudos com o futebol até tarde?
RL –
Quando assinei pelo Tottenham passei a ir à escola duas vezes por semana. Nos outros três dias o clube colocava uma professora ao nosso dispor, lá nas instalações.

Rúben rodeado por quatro adversários em Guimarães

MF – Em 2014 assinou um contrato profissional com o Tottenham. Acreditava que tinha valor para chegar à equipa principal?
RL –
Tinha 17 anos, se não me engano. Sonhava com isso, claro, mas faltava-me muita maturidade. Não estava preparado para jogar na Premier League.

MF – Ainda se cruzou com o André Villas-Boas?
RL –
Sim, treinei várias vezes com o plantel principal nessa fase. O André é muito inteligente, com boas ideias, mas teve pouco tempo para estabelecer o que pretendia. Senti que ele tinha uma ótima visão sobre o futebol, mas se o plantel todo não está no mesmo comboio… é difícil para o treinador. Ele falou muito comigo, aconselhou-me, fiquei triste quando ele saiu.

MF – Que memórias guarda dos treinos com o André?
RL –
Excelentes. Na equipa principal estive com ele e depois com o Tim Sherwood e o Mauricio Pochettino. O André acreditava muito em mim, mas dizia que eu tinha de evoluir. Via alguma coisa em mim, mas eu ainda era novo. Era difícil ter oportunidades.

MF – Ainda se cruzou com nomes importantes nas reservas do Tottenham. O Harry Kane, por exemplo.
RL –
Muito bom jogador. O mais forte dele era a mentalidade. Depois dos treinos lá estava ele a treinar mais um bocado. O Ryan Fredericks [agora no West Ham] era a mesma coisa. O Harry foi emprestado, voltou, foi emprestado, voltou e teve uma oportunidade com o Sherwood. Teve essa confiança, é ótimo jogador. Mantenho contacto com essa malta toda.

MF – E têm-lhe falado sobre o primeiro lugar do Famalicão?
RL –
Claro, claro. Perguntam-me, têm curiosidade, são amigos para a vida.

Rúben a conduzir a bola no relvado de Famalicão

MF – Em 2015 saiu do Tottenham e jogou quatro meses na Suécia. Foi opção sua?
RL –
Eu estava a acabar o contrato com o Tottenham, faltavam poucos meses e apareceu-me essa possibilidade. Era um clube de primeira liga, eu fazia lá esses meses e passava a ser um jogador livre.

MF – Valeu a pena?
RL –
Não gostei nada daquilo. Fez-me crescer, claro. Eu estava no Tottenham, num complexo que custou 50 milhões de euros, que até cinema tem… e depois fui obrigado a aprender, a crescer. Era a primeira divisão sueca, mas não falavam inglês, era difícil. Tive dois colegas brasileiros, não havia maneira de me integrar. Foi importante para ganhar maturidade.

MF – Vivia lá sozinho?
RL –
Sim, vivo sozinho desde os 16 anos. Safo-me na cozinha, sem problemas. No Tottenham tive chefs a ensinarem-me a fazer coisas básicas e coisas mais complexas. Tive bons professores, ah ah ah.

MF – A sua família continua em Londres?
RL –
Sim, e tenho um irmão de 12 anos a jogar no Crystal Palace. Dizem que é melhor do que eu, ah ah ah. Joga a médio, joga muito. Chama-se Henrique.

MF – O Rúben voltou a Inglaterra para jogar no Coventry.
RL –
Confesso que saí da Suécia a sentir que tinha perdido o amor pelo futebol. Ligavam-me treinadores, dirigentes e eu falava com os meus pais, cheio de dúvidas. Até que o Tony Mombray, atual treinador do Blackburn, ligou-me e convenceu-me. Gostei muito de jogar no Coventry. O primeiro ano foi muito especial e quase todo o plantel está a jogar num nível alto.

MF – E teve o privilégio de jogar em Wembley.
RL –
No ano seguinte, o ano que destruiu o clube. Mas tive grandes colegas. O Jacob Murphy [agora no Sheffield Wednesday], o James Maddison [Leicester], o Adam Armstrong [Blackburn], o John Fleck [Sheffield United]… essa equipa tinha muita qualidade, mas no segundo ano saíram quase todos, tivemos quatro jogadores, ficámos sem estádio. Enfim, problemas com a proprietária. O estádio agora é usado para corridas de carros, um estádio com 30 mil pessoas. O Coventry está a jogar no estádio do Birmingham, um rival.

MF – E a sensação de jogar em Wembley?
RL –
85 mil pessoas no estádio. É o máximo, uma experiência incrível e vencemos o Oxford.

MF – No Plymouth fez 82 jogos em duas épocas.
RL –
Gostei do Coventry, mas cheguei ao Plymouth e o início foi difícil. Era longe de minha casa, mesmo no sul, e andava com problemas pessoais. A minha cabeça não andava bem. Comecei a jogar em dezembro e depois foi ótimo. Estivemos 18 jogos sem derrotas.

MF – Em 18/19 foi eleito o melhor jogador do clube.
RL –
Sim, o clube desceu, mas a época foi boa para mim. Ultrapassei os problemas pessoais, apesar de não falar com o treinador. As personalidades chocavam. Ele punha-me a jogar e não falava comigo, ah ah ah. Agora manda-me mensagens de vez em quando. Chama-se Derek Adams.

MF – No futuro imagina-se onde?
RL –
A carreira é curta, imagino-me no nível mais alto possível. Quero ter sucesso.

MF – Como se define como futebolista?
RL –
Nesta altura… sou um jogador com experiência, que já passou por muito, apesar de só ter 24 anos. Posso ajudar os meus colegas do Famalicão, gosto de jogar com alegria, marcar golos, driblar e fazer assistências.

MF – No Tottenham ainda foi treinado pelo falecido Ugo Ehiogu.
RL –
Estive com ele um ano, a morte dele marcou-nos muito. Esse foi o primeiro trabalho dele, também andava a aprender. Fez um trabalho fantástico com os nossos defesas, tornou-os uns animais. Era um tipo impecável, tinha sempre tempo para ajudar toda a gente.

MF – Já trabalhou com vários treinadores. Quais foram os mais marcantes?
RL –
O John McDermott e o Alex Inglethorpe, ambos na formação do Tottenham. Foram os melhores que já tive, sem dúvida.

MF – Tinha algum ídolo quando era pequeno?
RL –
Gostava do Figo, porque o meu pai adorava o Figo. Agora tenho poucos ídolos, mas gosto de muitos jogadores. Quando cheguei ao Tottenham, o Van der Vaart e o Modric eram o máximo, jogavam muito. Eu limpei as chuteiras ao Modric, no Tottenham. Ao Modric, ao Aaron Lennon e ao Jake Livermore. No primeiro ano era assim, uma espécie de praxe. É uma forma de nos aproximarmos dos jogadores da equipa principal. Limpava as botas, carregava as bolas, dobrava os equipamentos. Foi uma boa escola. O Livermore, o Lamela, o Giovani dos Santos, ajudaram-me muito. Ainda vi o Pedro Mendes, o antigo médio, mas nunca falei com ele. Ah, estava a esquecer-me do Berbatov, esse era de outro planeta. Se calhar foi o melhor que já vi.

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