Os princípios de scouting de Luís Campos para encontrar jovens craques - TVI

Os princípios de scouting de Luís Campos para encontrar jovens craques

Entrevista do Maisfutebol a Luís Campos, diretor desportivo do Lille, que fala de como trabalha, de como se organiza e do que sente que é preciso para se trabalhar nesta área

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Luís Campos deu nas vistas no Mónaco com vendas de quase mil milhões de euros e agora tenta fazer o mesmo no Lille. Na última época vendeu Pélé por 80 milhões de euros, depois de o contratar por 8 milhões. Em entrevista ao Maisfutebol explica como faz para eleger o reforço que acredita ser o tal: como ele trabalha, como se organiza, qual é o seu modelo de scouting e do que sente que é preciso para se poder trabalhar nesta área. Por fim, e apesar de ter sete scouts a trabalhar para ele, garante que nenhuma decisão é tomada sem ele próprio ver o jogador várias vezes em ação.

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Um processo de contratação de um jogador tem muitos passos até de facto se fazer a contratação?

Sim, é um processo complexo. Afinei esta minha veia para a área do scouting quando comecei a trabalhar no Real Madrid, com José Mourinho. Fui desenvolvendo a minha própria base de dados e o Mónaco foi a minha caixa de pandora, onde pude colocar em prática todo o manancial de informações que eu tinha e onde me fui desenvolvendo cada vez mais.

Geralmente por onde começa?

Há passos extremamente importantes. Não é difícil ser scout. Se eu for ao futebol com um dos meus irmãos, porque gostam de futebol, eles vão conseguir dizer-me se um jogador é bom ou não. Ainda para mais hoje existem aplicações que nos dão todos os dados estatísticos dos jogadores, existem aplicações que nos dão imagens vídeo dos jogadores, por isso não é difícil. Mas é preciso gostar de futebol. Viajar, ver, observar, ler, estudar as estatísticas e utilizar os algoritmos ajuda imenso na primeira fase. Depois, o que faz a diferença para mim, tem a ver com avaliar e projetar um jogador dentro do nosso próprio clube. Às vezes vejo um jogo e não é aquele jogador que está a fazer vibrar toda a gente que me interessa. Construir uma equipa é conseguir fazer que os jogadores combinem entre eles, fazer com que se liguem. Por isso é preciso avaliar e projetar os jogadores no nosso puzzle. A peça tem de chegar lá e fazer clique. E isso já não é para todos.

É preciso um talento especial?

É preciso conhecer muito bem o país, o a região, o clube, o modelo do nosso treinador, o estilo de jogo da equipa. Por exemplo é impossível contratar um lateral direito sem perceber o ala direito, o central pela direita e o médio pela direita que jogam na nossa equipa. Depois há um último passo que tem tanta importância como este: podem escolher a peça certa, mas se não criarmos um clima ou condições para estes jogadores jogarem e se exprimirem, não valeu a pena todo o trabalho. Muitas vezes há bons jogadores mal projetados no contexto da equipa para onde vai. E muitas vezes o clube não cria condições para que o jogador possa se exprimir. Existem três velocidades: a velocidade de adaptação – chegar e ter capacidade de se adaptar -, a velocidade de maturação – há jogadores que amadurecem muito mais depressa e por vezes é preciso esperar pela maturação -, e por fim a velocidade da oportunidade: muitas vezes contratamos um jogador para ser número dois naquela posição e ele afirma-se rapidamente, ou o contrário, que também acontece.

Depois o seu modelo de scouting tem vários planteis de possíveis contratações, não é?

Fui criando o meu próprio modelo de scouting. Não gosto de scouting locais, gosto de scouting universais, porque o mundo tem-se tornado cada vez maior e o futebol não fugiu à globalização. Se vamos discutir um lateral direito, e vamos imaginar que é espanhol, todos os meus sete scouts têm de não só de conhecer as estatísticas dele e vê-lo inúmeros vezes em vídeo, como de ir vê-lo várias vezes ao vivo e dar um veredicto se é ou não o jogador que procuramos. Eu utilizo o método comparativo: o scout tem de comparar esse jogador com outro que viu em Portugal, em França, no Mali, no Brasil ou na Noruega. Os meus scouts são obrigados a viajar imenso e têm que mudar de zona quase mensalmente para que possam conhecer outro tipo de jogadores.

E os planteis de reforços como funcionam?

Como diretor desportivo tenho de ter várias soluções. Porquê? Porque mais uma vez entra o fator económico. Todos gostávamos de contratar só jogadores de quinze, vinte e trinta milhões. Mas se o meu presidente me diz que só tenho trinta milhões para investir no mercado todo, só tenho trinta milhões. Se um ponta de lança me custa dez milhões, sobram-me vinte milhões para os outros jogadores todos. E já não posso comprar o guarda-redes que custa dez milhões. Por isso crio com os meus scouts lista de nove jogadores por posição: três jogadores de zero a três milhões, três jogadores de três a seis milhões e três jogadores de seis a dez milhões. Isto porque o nosso gap de contratações geralmente vai do zero a dez milhões. Portanto fazemos uma lista de nove jogadores por posição, que no final da época discutimos com o treinador e com o presidente, para que possamos tomar a melhor decisão desportiva, mas também económica, para que possamos manter o Lille um clube estável e financeiramente equilibrado.

E nenhuma contratação é feita sem que o Luís Campos observe esse jogador ao vivo, não é?

Sim. Eu uso muito o fast scouting: tenho gente que trabalha comigo que só faz análises rápidas, para que o funil vá começando a selecionar. Depois os meus scouts afunilam ainda mais e, portanto, sou um privilegiado: vou ao trabalho destes, sem eles saberem quais foram os outros jogadores indicados pelos outros scouts, porque nunca sabem, acabo por, através do método comparativo, porque todos observaram os mesmos jogadores, chegar ao jogador correto. Depois vou ver ao vivo e analisar se é a peça correta, se é a peça que faz o clique no nosso puzzle. Não colocando nunca em causa o futuro do clube do ponto de vista económico.

É muito difícil aturar, entre parêntesis, os empresários sempre a tentar vender os jogadores deles?

Não, faz parte. Os empresários tentam vender sempre os jogadores deles como sendo os melhores. Às vezes têm razão, outras vezes não têm.

E é importante dar-se bem com os empresários?

Claro que sim, claro que sim. Os empresários acabaram por se tornar peças importantes e que nos ajudam muitas vezes a tomar as melhores decisões. Eu não olho para os empresários como inimigos. Os empresários defendem os direitos dos jogadores, o que é normal. Os jogadores têm direitos e quando assinam com um empresário é para este defender os direitos deles. É normal que eu me relacione bem, os trate bem, os considere e os ouça, até para eles me darem boas informações. E bons preços.

Acredita que pode fazer no Lille o que fez no Mónaco, sendo campeão?

Quando o Mónaco foi campeão o PSG já era forte. Mas acho que a equipa atual do PSG é a que tem o plantel mais forte de sempre. Por isso existe uma grande diferença no budget que o PSG e o Lille têm. O ano passado ser segundo na liga francesa foi quase como ser primeiro, e ainda conseguimos ganhar por 5-1 ao PSG. Porque eles são de facto uma equipa extraordinária, um clube enorme e para o Lille ser campeão teriam de estar reunidas condições extraordinárias, como aconteceu no ano em que o Mónaco foi campeão.

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