António Folha: «Qualquer um pode ser treinador de copy-paste» - TVI

António Folha: «Qualquer um pode ser treinador de copy-paste»

Entrevista ao treinador português - Parte III

António Folha está longe do banco de suplentes há um ano. Saiu do Portimonense a 18 de janeiro de 2020 e sente «saudade da adrenalina». O treinador completa 50 anos em maio e espera estar de volta ao ativo muito antes disso.

Na primeira grande entrevista após a saída de Portimão, Folha conta como começou a ser treinador ao lado de Luís Castro e diz que a sua mais referência será sempre Bobby Robson. «A paixão dele fez com que me apaixonasse pelo jogo.»

Pouco inclinado a processos fáceis e à opção pela ditadura do resultado, Folha também garante ao Maisfutebol que jamais será «um treinador do copy-paste». Por outras palavras, rejeita tudo o que seja colagem e imitação de outros trabalhos. Oportunidade também para recordar o Folha, antigo extremo, um jogador que teria «muitas dificuldades» em entrar nas equipas do treinador António Folha.

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Maisfutebol – Começou o percurso de treinador em 2005, como adjunto de Luís Castro no Penafiel. A transição de futebolista para técnico foi dolorosa?
António Folha – Eu fui para Penafiel em 2003, depois de sair do FC Porto. Tinha pensado acabar a carreira, mas o António Oliveira assumiu a presidência do Penafiel e pediu-me para dar uma ajuda na II Liga. Queria subir de divisão. Conhecíamo-nos há muitos anos, porque o António foi meu treinador nas seleções jovens, na seleção A e no FC Porto. Fui para lá porque adorava jogar futebol e pelo projeto do António Oliveira. Subimos à I Liga logo no primeiro ano e eu aceitei jogar mais um ano para me despedir no escalão maior. Curiosamente, eu já tinha subido uma vez de divisão com o Gil Vicente [1989/90, com Rodolfo Reis], é engraçado.

MF – E ficou mais um ano.
AF – Sim. Na II Liga joguei quase sempre, mas na I Liga joguei menos. E nessa idade, quando se joga menos vezes, começamos a perder o prazer. Defini acabar a carreira no fim de 2005. Dentro do campo era muito exigente, comigo e com os meus colegas, e achei que teria algum jeito para treinador. Pelo menos tinha de tentar. E foi assim que entrei para a equipa técnica do Luís Castro.

MF – Ele que também era muito novo na altura, tinha 44 anos.
AF – Sim, ele vinha da Sanjoanense. Entrei na equipa dele e comecei a perceber que era isto que queria fazer. Interessei-me muito pelo treino, passei a ver como o Luís montava as coisas, o que fazia nos treinos. Nós como futebolistas pensamos que percebemos muito de futebol. Sim, sabemos de futebol, mas daí até montar uma equipa e colocá-la a jogar bem… qualquer um pode ser treinador de copy-paste, mas quem quer ter uma identidade precisa saber muito. Há jogos que vemos e não vemos nada. Dá muito trabalho jogar bem. Quis ir por esse lado mais difícil. O treinador do copy-paste também pode ganhar, mas acho que ganha menos vezes. E esta brincadeira começou em Penafiel (risos). O Luís era jovem, com talento, já tinha uma ideia forte e foi muito interessante. Depois saiu para coordenar a formação do FC Porto, eu também fui convidado e oito anos depois ele foi treinar a equipa B e fui novamente adjunto dele. O futebol é engraçado.

MF – Há algum treinador com quem mais se tenha identificado?
AF – Bobby Robson. Marcou-me muito, identifiquei-me muito com ele, com a forma apaixonada como ele fazia que nós nos apaixonássemos pelo jogo. Pelo trato, era um senhor, um Sir. Inexplicável. O treino era às quatro e às duas já estávamos todos juntos, com ele a brincar connosco. Impunha a união sem dizer que o queria fazer. A paixão dele fez-me apaixonar pelo jogo. 

MF – Como era o processo de treino dele?
AF – Completamente virado para o processo de ataque. Com o senhor Robson praticamente não treinávamos nada em termos defensivos. A verdade é que o Vítor Baía esteve mais de 1000 minutos sem sofrer golos. Para o senhor Robson, o jogo era estar permanentemente ao ataque para defender bem. E concordo com ele: essa é a melhor forma de defender. Atacar, ter bola, massacrar. Foram épocas de grande satisfação para todos nós, ele teve uma passagem muito linda pelas nossas vidas. Identifico-me totalmente com ele.

MF – O Folha-jogador tem um currículo de luxo: seis vezes campeão nacional, campeão do mundo de sub20, presença no Euro96. O Folha-treinador ainda está longe disso?
AF – Tive um bom currículo. Podia ser melhor, mas também muito pior. Como treinador só ganhei provas na formação e na equipa B do FC Porto. Espero ganhar os títulos que ganhei como jogador.

MF – Que memórias tem do Mundial de 1989 na Arábia Saudita?
AF – Foi um torneio memorável. Fomos para lá com fatos-de-treino que não eram novos, sapatilhas que não eram novas, sapatilhas dois números acima. Saímos assim para um Mundial e fomos com uma alegria e vontade enormes. Mesmo com pouco é possível fazermos algumas coisas. O grupo era extraordinário, o treinador era fantástico para altura. O professor Queiroz era meticuloso, tínhamos muito tempo para treinar, passávamos muito tempo juntos. Não pensávamos ser campeões do mundo. Na minha mente só estava isto: ‘eh pá, vou jogar um Mundial’. Não era mais nada. Tínhamos bons executantes, mas o Brasil tinha uma seleção fantástica também. O momento a levantar o troféu e receber a medalha de ouro… é incrível. Foi muito bonito.

MF – Os responsáveis passaram a olhar de forma diferente para os futebolistas portugueses.
AF – A geração de 1989 desbravou e a de 1991 consolidou. Houve um grande clic, é verdade. Percebemos que havia muito produto para trabalhar e explorar. Começámos a ter mais oportunidades na I Divisão.

MF – Em 1996 foi ao Europeu de Inglaterra, mas faltou-lhe um Mundial.
AF – Não nos qualificámos em 1994 e 1998. Mas o Europeu foi ótimo, cumpri mais um sonho. A campanha não foi má de todo, foi pena aquele chapéu do Poborsky que até hoje não compreendo. Podíamos ter ido um bocadinho mais além, mas acho que é a partir daí que a Seleção Nacional se projeta em definitivo como uma equipa competitiva.

MF – O extremo-esquerdo António Folha teria lugar na sua ideia de jogo?
AF – (risos) Ia ter dificuldades. Não pelo que trabalhava, não pela forma como cumpria o que lhe diziam, mas agarrava-se demasiado a essas instruções. O futebol teve uma evolução tremenda, o José Mourinho deu um clic a toda a gente. O extremo António Folha era generoso, trabalhava muito, desgastava-se demasiado no processo defensivo e havia jogos em que tinha dificuldades no ofensivo. Eu era atacante, tinha a obrigação de criar desequilíbrios, mas em determinados jogos era muito difícil. Era desgastante ter de acompanhar sempre o lateral contrário, muito doloroso. O jogo está diferente. Eu precisava de ter mais envolvência com a equipa e com o jogo, mas só queria ir para cima do lateral e cruzar ou criar outra coisa. Tinha pouca ligação ao jogo coletivo, estava agarrado ao jogo individual. Também é verdade que cada vez menos vemos estes desequilibradores. Há jogadores de 'recebe e passa', mas são esses atletas que derrubam defesas fechadas. Se soubesse mais sobre o jogo, certamente teria sido melhor jogador.

MF – Há um jogo memorável nas Antas em que o Folha destruiu o Abel Xavier.
AF – Esse jogo correu-me muito bem [3-3, 22 de agosto de 1993]. O desequilibrar, o servir os colegas, a inspiração. Tive uma tarde boa aí.

MF – O Folha tem dois filhos. São futebolistas?
AF – O Miguel jogou, mas já deixou. O mais velho. Jogou na formação do Boavista e do Rio Ave, mas a partir de certo momento vi que estava a jogar para agradar ao pai. Quando percebi isso, disse-lhe de forma clara: ‘tu não tens de ser jogador’. Ele deixou de imediato o futebol. É incrível, os pais têm de estar muito atentos. Não podemos meter os miúdos no futebol, se eles não gostarem. Temos de deixá-los escolher. O Bernardo, por outro lado, gosta muito.

MF – Que tipo de jogador é o Bernardo, que até já foi convocado para a equipa B do FC Porto?
AF – Totalmente diferente do pai. Não falamos muito sobre futebol. É um jogador que percebe o que o jogo pode dar, é um pensador, joga com qualidade no meio-campo. Ele até brinca comigo: ‘tu não jogavas nada, para ti o campo era pequeno, até a linha de fundo passavas’ (risos). Não sou aquele pai que fala muito de futebol. Só lhe digo que ele tem de dar o máximo em todos os treinos, todos os dias, se quiser ter sucesso no futebol. É uma pessoa tranquila, não fala muito também, vamos lá ver o que vai dar.  

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