Fábio Martins: «Se falhasse o golo contra o FC Porto seria bombardeado» - TVI

Fábio Martins: «Se falhasse o golo contra o FC Porto seria bombardeado»

Entrevista ao futebolista português do Al Shabab - Parte I

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Inteligente, atento, homem de opiniões fortes. Fábio Martins é uma das vozes mais interessantes no mundo do futebol português. Abraça causas sociais, envolve-se em questões que considera justas e mostra uma abertura rara para trocar ideias com adeptos. E jornalistas, já agora. É o que faz com o Maisfutebol nesta grande entrevista, dada a partir da cidade de Riade, na Arábia Saudita, onde representa o Al Shabab. 

Fábio, 27 anos, aceita falar sobre o clima de suspeição e desconfiança que paira constantemente sobre o campeonato português. Garante nunca ter assistido a nada ilegal, mas assume que a pressão está sempre presente na cabeça dos futebolistas. Principalmente nos jogos contra o FC Porto e o Benfica. Fábio Martins assume, de resto, ter-lhe passado quase tudo pela cabeça depois de ter feito um golo aos dragões, o clube do seu coração e onde passou 13 anos, pelo Famalicão. 


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Maisfutebol - «Acreditem que o ódio existe no futebol português.» O Fábio escreveu isto há uns meses. Quer desenvolver a ideia?
Fábio Martins – Não vou dizer que saí de Portugal por causa disso, estaria a mentir. Algumas situações cansam, sim, mas não foi por isso que saí. Temos de melhorar a mentalidade que temos no nosso futebol. Vou dar um exemplo que é fácil de compreender. Um jogador de um clube pequeno quando vai jogar contra um grande, Porto ou Benfica, tem sempre a mesma sensação. Falo por mim, mas acho que quase todos se sentem assim. ‘Se eu fizer um bom jogo contra o Porto, vão dizer que eu estou comprado pelo Benfica e que o Benfica me pagou isto’. ‘Se eu fizer um mau jogo contra o Porto, os adeptos do Benfica vão dizer que o Porto me pagou’. Temos esta mentalidade e é feio. Há alguns casos que mancham o nosso futebol, não vou negar que há situações provavelmente estranhas, mas nunca vivi isso e ainda bem. Quero acreditar que nenhum jogador vai para o campo para dar a vitória a alguém que não o próprio clube, para facilitar. Não acredito. Eu não conseguiria, não conseguiria olhar para os meus colegas sabendo que me vendi para ajudar X ou Y. Pensamos muito em teorias de conspiração e isso tem de ser mudado para bem do nosso futebol.

A desconfiança anda sempre a pairar sobre o futebol português.
Exatamente, era isso que pretendia dizer. Não nego que há situações estranhas, sobre as quais felizmente não me posso pronunciar. Felizmente nunca passei por nada disso, nunca tive nenhuma abordagem estranha, rigorosamente nada. É por isso que tenho esta mentalidade de não acreditar que alguém faça alguma coisa de propósito. Os erros acontecem, fazem parte do jogo.

Nunca assistiu a nada ilegal no futebol?
Não, nada. Mas isto mexe com todos, essas notícias. Vou contar um episódio meu na época passada. Eu marquei um golo ao FC Porto, num jogo que até ganhámos [2-1 para o Famalicão], depois de um erro do Marchesín. As pessoas sabem que tenho simpatia pelo Porto, joguei lá 12 anos, não o escondo. Depois de marcar o golo, a primeira coisa que me veio à cabeça foi: ‘ainda bem que eu faço este golo, porque se eu errasse – e podia errar, era futebol, a bola podia saltar e eu bater mal na bola e ela ir para fora – ia ser bombardeado de acusações’. ‘Ah facilitaste, ah estavas comprado’. Os jogadores das equipas mais pequenas sentem isto: se errares num jogo destes, vais sofrer as consequências, vais ouvir as pessoas, as redes sociais. Se não houvesse erro, os jogos ficavam todos 0-0.

No balneário têm esse tipo de desabafo?
O ano passado tivemos um caso desses. Acho que foi com o Toni Martinez. Falhou um golo fácil e foi bombardeado nas redes sociais. Tentámos acalmá-lo, dizer-lhe que as pessoas se escondem atrás de um teclado ou de um telemóvel. Temos de saber lidar com isso. Ouvimos de tudo. Há que desvalorizar e seguir em frente.

Em Paris houve mais um caso de racismo. Sabemos que o Fábio é um homem de causas sociais. Situações destas ainda mexem consigo?
Sim, mexem muito. Eu não sou completamente negro, tenho a mistura do meu pai que é negro e da minha mãe que é branca. Mas já passei por coisas parecidas em estádios, já ouvi coisas desse género e é muito difícil gerir. Ficamos magoados. ‘Por que é que me estão a chamar aquilo?’ Tu sentes quando alguém diz ‘negro’ e ‘preto’ de uma forma ofensiva e sentes quando o dizem de uma forma inofensiva. É diferente. Isso tem de desaparecer do futebol e da sociedade, somos todos humanos e iguais.

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