Gonçalo Paciência: «No Eintracht estou mais vivo e perto do golo» - TVI

Gonçalo Paciência: «No Eintracht estou mais vivo e perto do golo»

Gonçalo Paciência (ARMANDO BABANI/EPA)

Entrevista exclusiva ao avançado do Eintracht Frankfurt - Parte IV

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Frankfurt, quinta maior cidade alemã, quase 800 mil habitantes, casa de Gonçalo Paciência desde o verão de 2018. É aí que o ponta-de-lança português, 24 anos, vive o sonho de ser uma figura relevante na Bundesliga. 

Os últimos meses foram muito positivos e Gonçalo, após uma paragem por lesão, está a jogar regularmente e a fazer golos. 

Em entrevista exclusiva ao Maisfutebol, o ex-jogador do FC Porto fala deste novo ciclo, compara a liga alemã à portuguesa, explica as mentalidades que encontrou e garante que foi obrigado a ser um avançado diferente, um avançado «mais vivo» e que joga sempre «mais perto do golo».


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Maisfutebol – 2018 acabou com uma lesão, mais uma lesão. Mas os primeiros meses de 2019 estão a ser prometedores.
Gonçalo Paciência –
Sim, estou a sentir o que queria sentir já há muito tempo. O meu trabalho está a ser reconhecido e sinto finalmente que estou a ser recompensado. Passei uma fase complicada. Longe da família, longe da minha cidade, num novo projeto desportivo e logo com um problema físico difícil. Tudo isto numa altura em que mudei a minha vida toda para Frankfurt. Assinei um contrato de quatro anos, cheio de sonhos, e tive de suportar mais um contratempo. Agora estou ótimo, adoro treinar e usufruo do processo de jogo. Apesar de algumas barreiras, procuro sempre olhar de forma positiva para o futebol, para a minha carreira. Quero jogar, quero golos. Estou a viver um bom momento.

MF – O que sente um ponta-de-lança ao marcar um golo decisivo, depois dos 90 minutos e depois de uma paragem longa?
GP –
O golo ao Hoffenheim, não é? Bem, veio-me à cabeça tudo aquilo que tive de ultrapassar. Foi doloroso para mim. Festejei com os lábios trincados e com várias imagens na minha cabeça. A passagem pelo hospital, as dores na recuperação, o apoio da minha namorada, da minha família e dos amigos. Eles sofrem muito por mim e eu percebi que não estavam bem durante essa minha recuperação. Quero que eles também desfrutem da minha vida de futebolista. Foram meses complicados. Não me senti útil, não me senti importante e isso é o pior para um atleta. O momento a seguir a esse golo foi fantástico por tudo isso. Estava a voltar de lesão e ajudei a equipa.

MF – Voltou a sentir-se útil, no fundo.
GP –
Precisamente. As pessoas do Eintracht já estão a olhar para mim de forma diferente. Depois da lesão havia muitas dúvidas deles em relação a mim. Mas com a minha resposta nos jogos e nos treinos tudo mudou.

MF – Faltam dois meses para o fim da época. O que poderemos ter ainda do Gonçalo?
GP –
Prefiro não falar de números. As pessoas costumam dizer que só dependem delas, mas isso não é verdade. Todos nós precisamos de um conjunto de fatores à nossa volta para chegarmos onde queremos. Quero usufruir do meu bem estar atual, mas sei que há três avançados à minha frente e estão à minha frente porque estão a jogar desde o início e a fazer uma grande época. Falo do Luka Jovic, do Haller e do Rebic. Às vezes até brinco com eles e digo ‘hoje nenhum de vocês marcou um golo’. Mas depois vemos o resumo e fazem sempre uma assistência ou uma ação decisiva. Vou esperar sempre o meu momento. Sejam cinco minutos, dez minutos ou 90. Já me sinto parte integrante da equipa e sei que o treinador confia em mim. É o mais importante.
 

Gonçalo no treino do Eintracht em que se lesionou

MF – Fale-nos sobre o Eintracht Frankfurt. Que clube encontrou aí na Alemanha?
GP –
É um clube que está a crescer. Ganhou a Taça da Alemanha, tem chegado a várias finais e está esta época nas provas europeias. O Eintracht tem uma cidade que vive muito o clube, um pouco como o FC Porto. A cidade está mesmo à volta do emblema, o símbolo do clube está por toda a parte. As coisas estão a correr bem e temos sempre o estádio cheio. Mesmo fora de casa é normal haver 2500 adeptos nossos, às vezes mais. As pessoas são malucas pelo Eintracht aqui. Não temos uma academia, mas as condições de treino são boas também, ao nível das que tem o FC Porto. Não quero ser injusto com a Liga portuguesa, mas o nosso campeonato está a anos-luz da Bundesliga.

MF – Só na vertente financeira ou há outros aspetos a influenciar essa diferença?
GP –
A diferença é grande em tudo. A atmosfera, a qualidade dos estádios, o comportamento do público e a mentalidade. Ninguém fala de arbitragens, ou é muito raro pelo menos. No início da época eu não percebia alemão e achava que me escapava sempre alguma coisa. Mas com o passar do tempo vi que é mesmo assim. Os treinadores não falam dos árbitros e quando há um erro é olhado de forma normal. E é esquecido rapidamente. É um contraste tremendo em relação a Portugal, onde toda a gente tem uma opinião e até o homem do talho, a florista ou o advogado vão à televisão fazer comentários. Amo o meu país e o meu futebol, mas isto é outro mundo.

MF – Não há desconfiança em relação a quem decide.
GP –
Sim. E na liga portuguesa a suspeição está sempre presente. Fico triste porque quando se fala de Portugal, aqui na Alemanha, normalmente é por coisas negativas. Conhecem dois ou três jogadores dos maiores clubes e pouco mais. Portugal está recheado de grandes executantes, mas a imagem que deixa transparecer não é a melhor. É uma pena que assim seja, é uma pena que o nosso futebol esteja como está.

MF – Voltando a Frankfurt. A cidade é, afinal, muito mais do que o aeroporto. Um dos mais movimentados da Europa.
GP –
Sim, sim. Adaptei-me bem, já arranho o alemão. Aliás, tenho aulas três vezes por semana e nunca falto, ao contrário do que fazia na escola em Portugal (risos). Já vou percebendo os costumes alemães e de longe a longe lá cometo uns crimes alimentares. Uma salsicha, uma cerveja, um pudim de maçã. Faz parte da cultura deles. Gosto da cidade, tem muita dinâmica, há muito para fazer. Recomendo que venham cá passar alguns dias. Não é só o aeroporto (risos).

MF – E que ideia de jogo tem esse treinador, o Adi Hutter?
GP –
Gosta de jogar, de ter bola, os treinos são bons. Às vezes lá temos de fazer corrida, tão típica aqui no futebol alemão, mas é raro. A ideia dele não passa muito para aí. Prefere trabalhar com bola, até porque o nosso futebol é muito organizado, de posse. Controlar, ter bola e depois fazer a diferença nos contra-ataques. De forma resumida é assim.

MF – Há alguma forma de incomodar a médio prazo o Bayern e o Borussia Dortmund na luta pelo título?
GP –
Agora é muito difícil. O Eintracht já foi campeão [1959], o Wolfsburgo também foi há alguns anos, o Werder Bremen, o Estugarda, o Borussia Monchengladbach… mas na Alemanha só há duas equipas que lutam abertamente pelo título. Em Portugal é Porto e Benfica e nos outros países é um bocado assim. Nós estamos bem, em 2019 ainda não perdemos. O que é especial na Bundesliga é a forma aberta como as equipas jogam. Não há ‘autocarro’. Toda a gente procura o golo e depois a qualidade faz a diferença. Não há jogos pachorrentos e chatos.

MF – Todas essas diferenças fazem do Gonçalo um avançado também diferente do que era?
GP –
Estamos em constante evolução. Nunca somos um jogador feito. Sinto que estou mais próximo do golo, mais vivo, sinto-me melhor do que há um ano. Evoluí, claro, o contexto atual obriga-me a isso. Quando estamos felizes, o trabalho é contagiado. Nesta altura quero mais, mais e mais. Sou um avançado melhor, mais próximo do que quero. A minha carreira é curta, mas já tive várias lesões graves e isso atrasou a minha afirmação. Olho para as minhas características e acho que posso fazer mais.

MF – Aos 24 anos, o Gonçalo pretende passar as próximas épocas na Alemanha?
GP –
Assinei um contrato longo a pensar nesse cenário. Sei que sou uma aposta do clube e não senti isso noutros sítios. No futebol as coisas podem mudar, mas o meu foco está aqui. As pessoas são muito sérias, apoiaram-me muito na altura da lesão e sinto-me muito envolvido com o Eintracht Frankfurt.    


  

 

 

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