Recorde a entrevista a Paolo Rossi: «Hat-trick ao Brasil abriu-me o céu» - TVI

Recorde a entrevista a Paolo Rossi: «Hat-trick ao Brasil abriu-me o céu»

Paolo Rossi

Glória italiana, herói do Mundial de 1982, em entrevista ao Maisfutebol: «Essa Itália é a mais bela seleção nacional de sempre»

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[artigo publicado originalmente a 6 de junho de 2014]

Subtil e analítico. Pensativo na receção, letal a responder. Mortífero, pois, e pouco dado a tons decorativos. Nesta entrevista exclusiva ao Maisfutebol, como nas áreas inimigas.

Paolo Rossi, senhoras e senhores.

O herói do Mundial-1982, campeão e melhor marcador da prova, é um homem inteligente e de frases instintivas. Há 22 anos deixou o povo italiano num êxtase imprevisto e o brasileiro de lágrimas a escorrer pela face.

«Ho fatto piangere il Brasile - Fiz o Brasil chorar». O nome da sua autobiografia diz tudo. Naquele dia 5 de julho, em pleno Sarriá, um hat-trick de Rossi ajoelhou quase 200 milhões de brasileiros.

A Itália mudou, o Brasil mudou, mas quem mudou mais foi Paolo Rossi.

«O meu primeiro golo nesse jogo, de cabeça, foi o momento fundamental de toda a minha carreira. O mais importante? Sim, claramente», responde a glória italiana ao nosso jornal, a partir da bela Toscana.

PARTE 2: «A minha pena no Totonero foi absolutamente injusta»

PARTE 3: «Messi ou Ronaldo? Aposto no Neymar»

Paolo Rossi gere um resort rural em Poggio Ceninna. Vive rodeado de ciprestes e vinhas, no paraíso. É justo, porém, puxá-lo dessa perfeição por uns instantes e recordar-lhe que o inferno não lhe é totalmente estranho.

«Eu cheguei ao Mundial de 82 depois de um período difícil, abatido. Não era capaz de me exprimir como queria. Não tinha o meu nível, nem os meus golos», recorda o antigo ponta-de-lança, nome muito grande na enciclopédia dos Campeonatos do Mundo.

E, num ápice, a imortalidade. «Esse jogo abriu-me a porta do céu. Particularmente esse primeiro golo [cruzamento de Cabrini na esquerda e finalização de Rossi na área]. Daí em diante, até ao final do torneio, senti-me imparável, em crescendo».

Paolo Rossi, o «hat-trick» ao Brasil em 1982:



«A Itália de 82 é a mais bela seleção de sempre»

O dia do Sarriá tem alimentado discussões ideológicas nas últimas duas décadas. Em confronto estavam dois blocos dogmáticos, irredutíveis, cada qual agarrado a crenças moldadas no espírito dos treinadores [Telé Santana e Enzo Bearzot] e, porque não, dos próprios povos.

O Brasil desfilava talento, era uma equipa montada num carro alegórico, circense e profundamente lúdica. Reparem bem neste quarteto do meio-campo: Falcão, Cerezo, Zico e Sócrates.

A Itália tinha a zona de conforto no calculismo conservador de Bearzot, uma personagem perfeitamente capaz de ser protagonista numa investigação de Sherlock Holmes. Cachimbo ao lado, olhar perscrutador, semblante indizível.

Quem era melhor, quem era pior… impossível afirmá-lo, pelo menos a partir de um olhar exterior ao jogo. Paolo Rossi tem, no entanto, uma convicção e aqui é ela a prevalecer.

«A Itália do Espanha-82 é a mais bela seleção nacional de sempre», vinca ao Maisfutebol. «O futebol pensado pelo senhor Bearzot era sensacional, superlativo. Não começámos bem [três empates na fase de grupos], mas o que fizemos depois foi extraordinário».

«Vencemos na segunda fase a Argentina [de Maradona] e o Brasil. Depois a Polónia [2-0] e na final a Alemanha [3-1]. Selámos dessa forma um Mundial retumbante. Não só vencendo, assinalo isto, mas dominando e convencendo sobre todos os pontos de vista», sublinha Rossi.

«Creio que o nosso triunfo deixou uma marca indelével na história do futebol», resume.
 


Não caiamos na tentação de colocar Paolo Rossi e Totó Schilacci ao mesmo nível. Seria profundamente injusto para o primeiro, senhor de uma carreira longa e estável.

Schilacci é um fenómeno pontual, um avançado apenas interessante, de capa e músculos de super-herói no verão de 90. Rossi, aliás, jogara já o Mundial de 1978, quando era um dos nomes mais prometedores do futebol mundial.

O envolvimento no Totonero [disso falamos noutra peça associada] roubou-lhe anos de golos e futebol, mas Pablito [chamado assim por ter brilhado no Mundial da Argentina] soube reerguer-se e reinventar-se.

Rossi chega ao Mundial-82, vejam bem, com um saldo de três jogos e um golo na Juventus em dois anos. A confiança cega de Bearzot no atacante não é facilmente explicável. Funcionou, sim, mas tardou.

Nos três desconsolados empates iniciais, Paolo Rossi foi sempre titular e sempre dececionante. A metamorfose, feérica, fez de Rossi o profeta improvável e da Squadra Azurra uma súbita e divina candidata ao título: «Il Brasile siamo noi!», cantou-se no Sarriá.

Nove golos em Mundiais, oito com um toque só

Paolo Rossi, o inútil proscrito, abraçou a ressurreição e foi com ela até ao Santiago Bernabéu, palco da final. Bearzot, nas suas pensativas cachimbadas, fumou o milagre. O resto veio do renascido Bambino d’Oro e de uma equipa que juntou à competência a qualidade.

«A minha recordação mais bela, talvez de toda a vida, é quando me ajoelho e olho o céu, na final», recorda Paolo Rossi, num raro momento de emoção.

«Vi o estádio cheio, pintado de bandeiras italianas, e nesse momento senti-me o representante escolhido e preferido de uma nação inteira. Não é para isso que ambicionamos chegar à seleção?».

Rossi era um verdadeiro rato de área. Subtil e analítico, como se lê no arranque do texto. Prova derradeira e irrebatível: dos nove golos marcados em Mundiais [três em 1978, seis em 1982], oito foram com um toque só.

O assassino das áreas reparte o mérito. «Os meus colegas eram fantásticos. De Zoff a Cabrini, de Scirea a Tardelli, sem esquecer o Bruno Conti. É verdade que o Brasil também tinha um elenco fantástico. Aliás, esse Mundial também teve Platini, Giresse, Boniek e muitos outros».

O melhor, porém, foi Paolo Rossi. «Sim, certo».

A Itália da final do Mundial-82:

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