«A minha mãe limpava casas, sozinha sustentava a família» - TVI

«A minha mãe limpava casas, sozinha sustentava a família»

  • Sérgio Pires
  • Ciudad Deportiva José Ramón Cisneros Palacios, em Sevilha
  • 12 dez 2019, 23:55

Entrevista de Óliver Torres ao Maisfutebol - Parte IV

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«Fizeram 750 quilómetros de carro para aqui chegar? Então, tem de valer a pena.»

Óliver Torres recebe-nos na cidade desportiva do Sevilha FC depois do treino da manhã. Pede para responder em português naquela que é a sua primeira entrevista para um órgão de comunicação nacional desde que saiu do FC Porto, em julho, a troco de 12 milhões de euros.

Sentado numa das cadeiras da bancada coberta do miniestádio Jesús Navas, o médio espanhol de 25 anos fala dos quatro épocas no FC Porto e na despedida emocionada, na transferência que durou mais de um mês a concretizar-se e que teve a influência de Julen Lopetegui.

Fala também da relação com Sérgio Conceição, dos conselhos do amigo Iker Casillas e até de João Félix, que atualmente assume um papel que bem conhece: o de jovem prodígio do Atlético de Madrid.

Bem-humorado, Óliver responde a tudo de cabeça levantada, tão esclarecido como se estivesse em campo com a bola nos pés.

Da carreira ao lado mais pessoal, recuando até às suas origens numa família humilde em Navalmoral de la Mata.

No final, deixa uma mensagem para os portugueses e em particular para os adeptos portistas, dos quais apenas se havia despedido numa publicação nas redes sociais. E deixa um agradecimento ao Maisfutebol: «Obrigado por se terem lembrado de mim.»

Ora essa, valeu bem a pena.

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*Repórter de imagem: Tiago Tavares

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PARTE I: «Na última noite no Porto fui sozinho para o cimo da Ponte D. Luís e chorei»

PARTE II: «Sérgio Conceição sempre gostou de mim»

PARTE III: «Casillas acordou no hospital e disse-me: ‘Já para casa!’»

PARTE V: «Félix pediu-me a camisola e agora foi vendido por 120 milhões»

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Nasceu em Navalmoral de la Mata, na Estremadura espanhola. Qual a sua primeira memória com uma bola de futebol?

Ir com o meu pai, aos três anos, à escola San Andrés, na minha terra. Eram meninos maiores do que eu, mas é a primeira memória que tive de jogar à bola, com o número 11.

É verdade que era para se chamar Hugo?

Sim, mas por sorte sou Óliver. Gosto muito do nome, pelo significado e por terem sido os meus irmãos que mo puseram.

Por causa dos desenhos animados «Oliver e Benji», certo?

Sim, por causa do Oliver Tsubasa. Tenho toda a série em minha casa, todos os bonecos, chapéus, camisolas... Tento ter tudo o que tem que ver com a série.

Quando via a série em criança revia-se na personagem?

Gostava muito da série porque era sobre futebol, mas nunca imaginei que pudesse ser assim tão parecido.

Vem de uma família humilde. O que faziam os seus pais?

O meu pai desde muito novo tinha uma incapacidade e não podia trabalhar, a minha mãe limpava as casas de outras pessoas. Ela sozinha tinha de sustentar uma casa com três crianças. Não foi fácil. Fez muitos sacrifícios para que eu tivesse a oportunidade de ser futebolista. Agradeço-lhe a cada dia pelo que fez por mim, pelos meus irmãos e pelo meu pai. Graças a ela chegámos até aqui.

Esse esforço foi também importante para que o Óliver ter algum espírito de sacrifício para triunfar no futebol, sobretudo em criança?

Muitas vezes, quando eu não estava a fazer tudo o que podia, os meus pais lembravam-me de que estavam a fazer um grande sacrifício e que eu teria de, no mínimo, corresponder com o trabalho. Ao longo da vida tive sempre essa consciência de corresponder a todo o sacrifício que os meus pais fizeram por mim. E sempre tive o sonho de ajudar a minha mãe para que ela deixasse de trabalhar. Felizmente, cumpri. Ela hoje está feliz na sua moradia, em Navalmoral, com o seu marido e com os seus cães.

O momento mais difícil foi quando ficou um ano em Barcelona, aos 11 anos, num campus de futebol?

Mais difícil e dos mais bonitos. Foi a primeira vez que saí sozinho de casa. Todas as noites chorava muito porque tinha saudades dos meus pais, dos meus irmãos, dos meus amigos… Mas quando começava o dia e ia jogar futebol era o miúdo mais feliz do mundo. Foi uma experiência boa, cresci muito, ganhei maturidade. Passei por momentos duros.

Já não cola as chuteiras, como acontecia nessa altura…

Felizmente, não. Passámos dificuldades. Como muitas famílias, os meus pais tinham de colar as minhas chuteiras para aguentarem toda a época. Agora tenho muitas mais e tento ajudar meninos a aproveitarem as minhas chuteiras.

Meninos de Navalmoral?

Sim. Mas também do Porto, quando estava em Portugal, e agora também miúdos daqui de Sevilha. Onde estou, tento poder ajudar com essas pequenas coisas.

Como foi integrar aos 18 anos a equipa do Atlético de Madrid, uma equipa já com grandes estrelas e liderada por Diego Simeone?

Foi consequência das minhas boas exibições, do que estava a fazer nas camadas jovens da seleção espanhola. Tudo pareceu muito fácil e ao mesmo tempo também muito difícil.

Como assim?

Porque toda a gente falava que eu era uma maravilha, um miúdo de ouro. Mas toda essa gente depois não estava. Depois, ficas sozinho. Apercebes-te de que vives numa bolha. Quem sempre está é a tua família e os teus amigos. São esses que te querem quando estás bem e quando estás mal. A exigência era muito alta, a pressão também. Foi difícil de digerir, porque passei de zero a cem do nada. Eu não estava preparado para isso. Acho que ninguém está.

O mais difícil é conviver com essa pressão de ser menino prodígio?

É difícil, mas também um orgulho e um privilégio. Mas tudo tem o seu momento. Era muito novo para tudo o que me aconteceu. Estou orgulhoso de tudo o que vivi, do que passei e fico com uma boa recordação dessa época, porque acho que melhorei muito, como pessoa e como profissional. Eu era um menino, que estava a tornar realidade não só o meu sonho, mas também o da minha família.

Foi nessa altura que cumpriu também aquele objetivo de tirar a sua mãe do trabalho?

Não. Só mais tarde, já no FC Porto. Ela veio comigo para o Porto, para eu não estar sozinho.

Isso foi da primeira vez que Julen Lopetegui chamou pelo Óliver. Depois de um empréstimo ao Villarreal [2013/14], foi para o FC Porto, em 2014/15. Como aconteceu essa mudança?

Já conhecia Lopetegui das seleções jovens de Espanha. Tinha a possibilidade de ficar um ano mais no Villarreal ou ir para o FC Porto. Acho que tomei a melhor opção.

E agora Lopetegui voltou a chamá-lo, para o Sevilha…

Bom… Sim. Voltamos a encontrar-nos.

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