Gelson Dala: «Saía para treinar e via gente morta à porta de casa» - TVI

Gelson Dala: «Saía para treinar e via gente morta à porta de casa»

Rio Ave-Marítimo

Entrevista exclusiva ao internacional angolano, cedido pelo Sporting ao Antalyaspor

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Um homem de bem com a vida. Gelson Dala, 23 anos, transporta para o relvado a felicidade que lhe é inata. Sorri, fala sem travões calculistas, diz de de forma genuína o que lhe vai na mente. E assim nasce uma entrevista descomplexada ao Maisfutebol, entre o último jogo pela seleção de Angola e a viagem de regresso para Antalya, na Turquia.

Gelson tem contrato com o Sporting até junho de 2022, mas o Antalyaspor contraiu um empréstimo com opção de compra. Por onde passa o seu futuro? Gelson Dala, que é Jacinto no cartão de identificação, fala sobre a situação nos leões, da falta de oportunidades e das muitas histórias vividas com Jorge Jesus

Nesta parte I, especialmente forte, o internacional angolano (27 jogos e 11 golos nos Palancas Negras) aceita voltar à infância em Luanda e aos rigores do truculento Bairro do Golfe. Para ler com o coração pesado. 


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Maisfutebol – O seu nome verdadeiro é Jacinto Muondo Dala. Como aparece o Gelson?

Gelson Dala – Gelson não é nome de casa, é nome de rua, do bairro. Havia um rapaz lá do bairro que era muito bom e fazia muitos golos. Nos torneios municipais. Quando eu comecei a jogar, as pessoas olhavam para mim e achavam-me parecido com esse rapaz. E esse rapaz chamava-se Gelson. O nome ficou até hoje.

MF – Como era a vida familiar do Gelson em Angola?
GD – Bem, era uma vida grande e uma família grande (risos). Tenho seis irmãos e uma irmã, somos oito filhos. O mais velho é o Elísio e jogou 18 anos no 1º de Agosto. Foi capitão do clube e da seleção, era um bom lateral esquerdo. Agora tenho outro irmão, o Melo, a jogar no 1º de Agosto. Tem 17 anos e já joga nos seniores. Está a fazer golos e a seguir as pegadas da família (risos).

MF – Quem é que o levou para o 1º de Agosto? O Elísio ou o seu pai?
GD – Foi o Elísio, o meu irmão. Eu tinha 12 anos, era um dos ídolos do bairro e os vizinhos convenceram os meus pais a deixar-me ir. O Elísio levou-me lá em… 2010, acho. O problema é que a minha família não tinha dinheiro para tratar dos documentos necessários, das burocracias para eu poder ser inscrito.

MF – O que fez o Gelson?
GD – Desisti de jogar lá e voltei ao meu bairro. Somos uma família pobre, humilde e não conseguimos resolver isso. Eu já estava a treinar nos juvenis, o treinador gostava de mim, mas eu não tinha documentos e tive de desistir. Só dois anos mais tarde é que o meu irmão Elísio, que já tinha outras condições económicas, conseguiu ajudar-me a tratar disso. Em Angola é muito difícil também resolver este tipo de questões, é sempre complicado, principalmente para alguém que vivia no Bairro do Golfe, como eu. É um dos bairros mais perigosos de Luanda.

MF – Era difícil sobreviver no seu bairro?
GD – Também tinha coisas boas. Foi de lá que saíram os maiores talentos de Angola (risos). Mas não era fácil, havia muitos bandidos. Para eu conseguir ir treinar em segurança, a minha mãe tinha de chamar um táxi e acordar-me antes das seis da manhã. Era a altura mais calma do dia lá no bairro.

MF – Viveu lá até que idade?
GD – Até passar a jogar nos seniores. Eu passei diretamente dos juvenis para a equipa profissional, teria para aí 17 anos. Nessa altura o 1º de Agosto mudou-me para um apartamento no centro de Luanda. Antes disso eu tinha até de faltar a treinos. Era duro. Às vezes saía de casa e via gente morta à minha porta. E ia para trás, claro. Eles [os bandidos] podiam matar mais alguém e eu não arriscava, já não saía de casa.

MF – Nessas condições conseguiu frequentar a escola em segurança?
GD – Era difícil, mas quase que consegui acabar o médio [secundário]. A partir dos 15/16 anos saía de casa muito cedo para treinar, saía por volta das 11 horas e a seguir ia para a escola. Mas chegava lá cheio de sono, cansado e não ouvia nada. Acabei por desistir porque era mesmo difícil conjugar o futebol com a escola. Nessas alturas mais difíceis valeu-me a minha mãe. A minha mãe e a minha fé.

MF – É um homem de fé?
GD – Muita, muita fé. Somos uma família religiosa da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Transporto essa ligação comigo para sempre.

MF – Se não fosse futebolista teria sido padre?
GD – Na nossa religião só há ministros e pastores. Se calhar tinha sido, sim (risos).  

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