«Chegámos à fronteira do Kosovo, tirámos fotos e voltámos para trás» - TVI

«Chegámos à fronteira do Kosovo, tirámos fotos e voltámos para trás»

  • Pedro Diniz
  • 20 fev 2020, 23:50
Tomané (foto: Estrela Vermelha)

Entrevista a Tomané, avançado português do Estrela Vermelha

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Das escolinhas em Fafe à estreia, aos 17 anos, pelo Vitória SC. Da queda ao sucesso. Tomané, avançado que se transferiu este ano do Tondela para o Estrela Vermelha, em exclusivo ao Maisfutebol.

Tomané estreou-se nesta temporada na Liga dos Campeões, depois de quase ter descido de divisão com o seu Tondela na época passada. Da paixão pela Alemanha aos ordenados em atraso na Grécia, da má experiência no Arouca ao agradecimento profundo ao Tondela. O avançado português, a quem já disseram que era mais fácil se fosse Tomanevic, detalha as experiências da sua carreira profissional e não esconde o desejo de representar Portugal.

De pequeno se torce o pepino e Tomané trabalhou arduamente para chegar a profissional de futebol. Nesta Parte I podemos ver a progressão de Tomané, o extremo-direito do Boavista, para Tomané, o rapaz que, aos 21 anos, fez 35 jogos na Primeira Liga e passou por dificuldades antes do Tondela lhe bater à porta.

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Maisfutebol - Como foi a sua infância? Onde surge o futebol?

Tomané - A minha infância foi boa, o futebol apareceu logo no início, sempre com uma bola nos pés, sempre em casa. Eu que sou de uma aldeia andava sempre sozinho, podia andar sozinho, mas sempre com uma bola ao lado. Começou por aí e depois mais a sério numas escolinhas em Fafe e foi o começo do futebol. Desde pequeno que gostava de fazer isto e tive a sorte de me tornar profissional.

MF - Chegou a jogar na rua?

T - Jogava na escola, em todo o lado, onde pudesse jogar jogava, sempre foi assim, mais na escola, mas desde o início sempre joguei e sempre quis jogar.

MF - Sempre teve a aptidão para fazer golos?

T - Na altura toda a gente queria marcar golos, nem sabia a posição em que jogava, mas gostava de fazer golos. Sobressaía em relação aos outros, não era muito grande, mas era rápido em relação a eles. Quanto aos golos, não comecei como ponta de lança no futebol de onze, depois sim, fui evoluindo e colocaram-me a avançado.

MF - Fez a sua formação entre Boavista e Vitória SC, sempre foi ponta de lança?

T - A minha madrinha quis pôr-me numas escolinhas de futebol em Fafe, era futebol de cinco, treinava aí e jogava. Entretanto fui para o Boavista num torneio que ganhámos em Fafe e comecei a extremo direito, onde joguei a maior parte do tempo lá. No Vitória, quando vim, começaram a colocar-me mais a avançado, hoje sou avançado e não tenho tanta dificuldade em jogar nas alas porque joguei aí na formação.

MF - Gostava de jogar sobre a ala? Hoje em dia não é propriamente o jogador mais rápido do mundo, porque acha que o puseram nessa posição?

T - Hoje sou mais pesado, mas na altura era baixinho e rápido e, se calhar por isso, era bom tecnicamente e colocavam-me mais numa ala. Depois, no Vitória, com o corpo evoluído, vamos crescendo e as pessoas vão vendo. Um ponta de lança não tem de ser forte mas ajuda, e colocaram-me a avançado e ainda bem. Mas eu gostava de jogar a extremo e se tivesse que jogar jogava, não com tanta velocidade mas jogava.

MF - Falou do porte físico. Fez muito trabalho de bastidores para ganhar musculatura e aguentar com qualquer defesa?

T - O meu pai já é uma pessoa forte e essa genética passou para mim. Eu desenvolvi no Vitória, fazíamos trabalho de ginásio, que é muito importante, ajuda e potencializa mais o meu físico, foi importante.

MF - Estreou-se pelo Vitória na Liga, qual foi a sensação?

T - Estreei-me em Olhão contra a Olhanense, primeira jornada, faço 25 minutos, sou convocado para o Rio Ave a seguir e tenho uma fratura de stress no segundo metatarso e paro quase um ano de jogar futebol. Sou emprestado ao Limianos, regresso para a equipa B e faço 35 jogos na equipa principal do Vitória. Naquele momento não tinha muita ideia do que se estava a passar, foi muito rápido. Estava nos juniores e fui chamado pelo Manuel Machado, que não teve medo de apostar num miúdo de 17 anos, e foi uma coisa incrível, um sonho realizado. Pena o que aconteceu a seguir, mas é o futebol. Ficou na história e estou muito feliz por ter acontecido.

MF - Em 2014/2015 fez 35 jogos em Guimarães, mas apenas quatro golos. Foi difícil a adaptação ao campeonato nacional?

T - Não foi difícil. Claro que, ao início, o mister apostou em mim, foi importante, e não marquei muitos golos, mas fiz 15 assistências. Caía muito nas alas e não olhava muito para isso. Ainda hoje não olho muito para o individual, não olho para os números, sou jogador de assistir além de marcar, foi uma aprendizagem, foi um início importante em que o Rui Vitória apostou em mim apesar dos golos que fiz.

MF - Em 2015/2016 esteve na Alemanha e na Grécia, naquelas que foram as suas primeiras experiências fora de Portugal. Pode falar-nos dessas experiências?

Na Alemanha [Duisburgo] cheguei em janeiro e a equipa que estava mal posicionada, mas gostei muito. Foi difícil, joguei a primeira vez com dois avançados, foi uma experiência muito boa, jogava como segundo avançado e deu para aprender muito. Infelizmente não conseguimos a manutenção, senão continuava. Depois fui para a Grécia, foi difícil, e foi o contrário da Alemanha. Tudo pouco profissional, ordenados em atraso, coisas difíceis a que não estava habituado, não correu bem. Passados cinco meses vim-me embora com salários em atraso.

MF – É o tipo de avançado que gosta de jogar sozinho na frente, como referência ofensiva, ou com outro colega para ajudar a desgastar a defesa?

T- Não tenho problemas em jogar de uma maneira ou de outra. Com dois avançados não tenho dificuldade, mas no Tondela joguei mais sozinho, devido às caraterísticas de jogo da equipa, e também não tive qualquer problema. Gosto das duas, não tenho qualquer problema, o normal é jogar com um avançado, na Alemanha é que é mais comum jogar-se com dois.

MF - Volta a Portugal e vai para o Arouca, de onde sai para o Tondela. Quando volta é o mesmo Tomané que saiu?

T - Não, já era um Tomané diferente. Na altura vinha para um projeto do Lito Vidigal, que me queria e estávamos a cinco pontos da Liga Europa. Passado um mês ele saiu e as coisas descambaram. Acabámos por descer e ficou uma sensação de impotência, de uma coisa que não devia ter acontecido e aconteceu, e por isso no final do ano fui para o Tondela, porque o mister Pepa e o diretor desportivo, Carlos Carneiro, acreditaram em mim e quiseram que eu viesse para o Tondela. O meio ano no Arouca foi muito difícil, mas foi sempre uma aprendizagem.

MF - Falou da falta profissionalismo na Grécia. Considera, também, que há falta de profissionalismo e má gestão de plantel em Portugal?

T - Sim, isso existe em Portugal, mas é mais no estrangeiro até. Mesmo aqui no Estrela Vermelha estamos a passar por isso. Quando muda o treinador, muda muita coisa, há treinadores que contam contigo e há outros que podes fazer o que quiseres e não contam, têm ideias fixas. No Arouca, mais do que mudar de treinador, foi a irregularidade. Mudámos duas vezes de treinador, com coisas que não deviam acontecer, por culpa da direção. Nesses anos, o Arouca passou da primeira divisão para a segunda B, era um clube que estava financeiramente bem, podia ter bons jogadores, mas depois há coisas que têm de existir. Organização, sobretudo. Espero que o Arouca tenha aprendido e possa voltar à primeira divisão o mais rápido possível, mas não é fácil, depois da queda que teve.

MF - Em Tondela tem as duas melhores temporadas da carreira em termos de golos. Nove na primeira e 14 na segunda. Foram as suas duas melhores épocas no todo?

T - Foram as minhas duas melhores épocas, tanto a nível individual, como também tínhamos um grupo muito bom. No primeiro ano tínhamos o melhor grupo que apanhei no futebol, que me ajudou muito, depois de descer de divisão e de estar desacreditado e desiludido e com moral em baixo. O treinador, o Carlos Carneiro e o presidente foram pessoas muito importantes para mim, que me ajudaram mesmo muito, e foram as melhores pelos números, por tudo. O segundo ano foi mais difícil, a luta foi até ao fim, mas foram dois anos muito bons e gostei muito de estar em Tondela, vai estar sempre no meu coração, foi muito importante para mim e, quem sabe, um dia eu possa voltar a Tondela. São pessoas espetaculares. Agora mudaram a mentalidade, mudaram as pessoas, mudou tudo.

MF - O Tondela acabou por se manter e o Tomané saiu. Era impensável continuar em Tondela no final da época passada?

T - Eu falei logo no final do jogo, disse logo que não ia continuar. No primeiro ano havia algumas abordagens, não saí porque o presidente fez um esforço para que eu continuasse, no segundo ano foi difícil e era um ciclo que terminava, o presidente não era o que me contratou, o treinador, tudo era diferente, eu precisava de algo diferente, e desde o início da época que estava definido. Dependia do meu rendimento, mas tudo correu bem e confirmou-se a minha saída. Houve ainda alguns problemas, mas correu tudo bem e saí de uma casa que me tratou muito bem e sempre que possa vou voltar ao Tondela.

MF - Saiu por 800 mil euros, a segunda maior venda do Tondela dos últimos anos, depois do Osório. O que é que isso significa para si?

T - O valor da transferência nem é muito alto, se calhar por culpa minha também, porque já estava definido sair e o Tondela podia conseguir mais dinheiro. Mas na altura eram os valores falados e foi o que ficou acordado. Ser a segunda transferência ou quarta ou quinta não tem grande importância. Ajudei o Tondela e o Tondela ajudou-me muito. Quando te dão valor e tu dás valor às pessoas que estão no clube, se o clube sai beneficiado é bom. É bom para o clube, o clube merece.

MF - Na altura falou-se do Sp. Braga, mas acabou por ir para o Estrela Vermelha. O que o seduziu?

 T - Havia algumas possibilidades, tanto em Portugal como para fora. O Estrela seduziu-me porque já no ano anterior me tinha tentado contratar, e um dia antes de acabar a época já estava em negociações. Foi uma equipa que me quis, que insistiu para fazer o negócio e isso para mim foi importante. Depois há a Liga dos Campeões, poder ser campeão. Nunca o fui e aqui posso ser, foi importante e era uma coisa que queria muito, poder jogar a Liga dos Campeões. Pude jogar, foi uma decisão que para mim era a mais acertada, depois vamos ver se é mesmo a mais acertada. Foi aquela que eu tomei, eu e as pessoas que trabalham comigo, vamos ver como corre.

MF - Tinha mais alguma equipa que jogasse a Champions à sua procura?

T – Estavam a tentar chegar à Liga dos Campeões, dependia do que fizessem. O Estrela também não estava na Champions, mas tinha passado aquelas eliminatórias e tinha outras equipas, não com a garantia que iam apostar tanto em mim. Mesmo financeiramente, é a verdade, tenho de pensar nisso. Foi por isso que escolhi o Estrela.

MF - O Estrela Vermelha, num jogo da taça, teve problemas com a entrada no Kosovo para o jogo com o Tepca. Pode contar-nos esse episódio?

T - Foi uma coisa que todos já sabiam que não íamos jogar, foi um jogo da Taça da Sérvia contra a equipa do Kosovo, que está só na taça, foi tudo uma questão política, por causa do clube ser a bandeira do país. Fomos lá para mostrar que não nos deixavam entrar, uma questão política, para mostrar que as coisas não estão bem, sente-se entre os sérvios a mágoa pelo Kosovo, eles dizem que o Kosovo é deles. É a mesma situação da Catalunha e da Espanha, não sei qual é o lado do Kosovo, mas que a situação não está resolvida, não está. Foi mais político, para ser visto, do que outra coisa, não tinha perigo nenhum, nem o Estrela ia colocar os jogadores em perigo. Chegámos à fronteira, os diretores falaram com as pessoas, saímos do autocarro para tirar fotografias, senão voltávamos logo para trás, ainda é um país magoado e com aquela coisa dos estrangeiros, porque foi a Europa que os obrigou a deixar o Kosovo. Mesmo nas competições europeias põem sempre tarjas contra a UEFA e a dizer UEFA Mafia e não gostam de falar nisso.

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