Lucas Evangelista: das aulas de Ceni ao «desespero» por Sala - TVI

Lucas Evangelista: das aulas de Ceni ao «desespero» por Sala

Vitória Guimarães-Arsenal

Entrevista exclusiva ao médio do V. Guimarães, que está de regresso a Portugal após ter brilhado no Estoril

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Perdeu a boleia que desde cedo o levava a fazer 160km para jogar no São Paulo, mas não perdeu o sonho de se tornar profissional. Internacional sub-20 brasileiro, Lucas Evangelista voltou aos relvados portugueses após ter dado nas vistas há duas temporadas no Estoril, a ponto de ser associado ao Benfica.

Atravessou o Atlântico com apenas 19 anos, mudando-se para o apelativo futebol europeu. Na Udinese dividiu o balneário com Bruno Fernandes e em França foi orientado por Miguel Cardoso, vivendo de perto o «desespero» da fatalidade em torno de Emiliano Sala, colega de equipa do Nantes.

São seis anos no futebol europeu, sendo o Vitória o seu quinto emblema em quatro países nos quais já jogou. Em entrevista ao Maisfutebol o centrocampista brasileiro de 24 anos fala do seu percurso, que começou ao lado de nomes como o de Alexandre Pato no São Paulo, onde recebeu ensinamentos de Rogério Ceni para rematar à baliza.

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Maisfutebol – O primeiro registo seu no futebol é no Desportivo Brasil. Como começou a jogar futebol?
Lucas Evangelista – Eu comecei no São Paulo com onze anos de idade, era central nessa altura. Dos onze aos catorze anos ia treinar a São Paulo com um amigo meu, da minha cidade, que tinha boas condições financeiras e dava-nos boleia. Com catorze anos esse menino foi mandado embora e eu não podia fazer o percurso, cerca de 160km, para ir aos treinos. Íamos na segunda e na sexta-feira, perdia até algumas aulas na escola. Ele indo embora não foi possível fazer a viagem, falei com o São Paulo que para ficar lá teria de me alojarr no Centro de Treinos. Eles demoraram muito tempo para definir se eu ficava ou não e acabei por ir, então, para o Desportivo Brasil, uma equipa da Traffic. Fiquei lá dos catorze aos dezassete, voltando aí para o São Paulo.

MF – Sempre foi um sonho chegar a profissional?
LE –
Sempre. Não só meu, mas como na maioria dos garotos. Conheço muitos amigos que hoje em dia são bem-sucedidos, têm boas condições, mas no fundo a maioria queria ser jogador de futebol.

MF – Como foi regressar ao São Paulo?
LE –
Foi antes de fazer o meu primeiro contrato profissional. Fiquei lá um mês, só que no Desportivo Brasil sentia-me em casa, dava-me bem com todo o pessoal. Nesse tempo fiquei no São Paulo mais senti muito falta do ambiente do Desportivo e acabei por voltar. Quando voltei finalmente ao São Paulo tinha muitos amigos que já conhecia e a adaptação acabou por ser muito rápida. Fiquei seis meses na base, nos juniores, e depois subi a profissional.

Lucas Evangelista, no Dragão, a tentar driblar Tiquinho Soares.

MF – Enquanto estava no São Paulo acabou por jogar com grandes nomes do futebol, como Rogério Ceni, Kaká, Alexandre Pato…   
LE –
Com o Kaká acabei por não jogar, mas sim, joguei com vários jogadores de nome. Desses o que mais me marcou, com quem treinei e joguei, foi o Alexandre Pato. Sempre foi muito completo, um jogador rápido, forte, finaliza com a esquerda, com a direita. O Rogério Ceni tem uma carreira indiscutível, até o apelidaram de «mito» e tem mérito por isso.

MF – Chegou a marcar-lhe golos nos treinos?
LE –
Sim, cheguei [risos]. Tinha até alguns treinos em que ele nos ensinava a marcar faltas, a chutar à baliza.

MF – Acabou por vir cedo para a Europa, em 2014 com dezanove anos. Como se processou?
LE –
Fiquei muito feliz porque era um sonho vir para a Europa, para um clube com tradição como é o caso da Udinese. Mas no começo é muito difícil, dos dezanove anos para cá morei sempre sozinho. Para um miúdo de dezanove anos que não falava a língua do país, uma equipa nova, adaptação, no começo foi complicado. Com tempo fui-me adaptado.

MF – Fez sete jogos em época e meia, essa adaptação difícil é a principal justificação?
LE –
Quando fui para a Udinese tive uma lesão no púbis, na seleção sub-20 brasileira, e isso dificultou a minha adaptação e o entrosamento no clube. Fiquei três ou quatro meses parado devido à lesão.

MF – Seguiu-se uma nova experiência, no Panathinaikos da Grécia…
LE –
Foi. O Stramaccioni levou-me, aliás, já tinha sido ele a levar-me para Itália. Era o treinador, falou comigo e naquele momento para mim foi a melhor opção, até porque estava sem ritmo na Udinese. Já conhecia o meu trabalho, dava-me muita confiança e fui muito feliz nos seis meses que estive no Panathinaikos, gostei do clube e dos adeptos.

Disputa de bola em Liège, frente ao Standard, naquela que foi a estreia de Lucas Evangelista nas competições europeias.

MF – Novamente em Itália a experiência não correu bem. O seu futebol não se enquadra no estilo de jogo italiano?
LE –
Não tive uma sequência de jogos quando acabei por voltar. Na maioria dos casos quando um jogador chega a um clube e nos primeiros anos não consegue um elo de ligação e uma continuidade boa na equipa, vai acabando por perder espaço, chegam jogadores novos e eu acho que a melhor opção acaba por ser respirar novos ares. Foi isso que fiz, optando por vir para o Estoril. Penso que foi a melhor opção. Dei um passo atrás, mas voltei a jogar, fiz uma boa sequência de jogos e isso abriu novas portas, porque o mercado português é muito bom. Não me arrependo.

MF – Ainda na Udinese dividiu o balneário com o Bruno Fernandes…
LE –
Sim, ainda mantenho contacto com ele. Tem um nome muito grande atualmente, fico feliz por tudo o que tem conquistado. Quem o conhece sabe que é um jogador que trabalha muito, desde o primeiro dia que cheguei à Udinese que ele tenta sempre ajudar os jogadores novos, é muito bom.

MF – Regressando ao Estoril, como olha para essa época que a nível pessoal correu muito bem mas a nível coletivo a equipa acabou por descer?
LE – Foi a equipa em que tive a mais regularidade, bastantes jogos nos quais fui regular. Fiquei muito triste com a descida, porque muita gente que trabalhava lá sofreu muito. Querendo ou não, tenho laços muito fortes com o pessoal de lá.

MF – A nível pessoal chegou a falar-se do Benfica. Como encarou isso?  
LE –
Na época em que lá estava e começaram a sair rumores tive a iniciativa de falar com o meu empresário que não queria estar por dentro de nada que não fosse concreto. Estava preocupado com o Estoril, isso podia afetar a minha mente, estava muito focado. Se chegou alguma coisa não fiquei a par. Depois a época acabou, o Miguel Cardoso entrou em contacto connosco, estava no Brasil, e acabei por ir para o Nantes.

MF – Uma nova experiência, desta vez em França…
LE –
Não estava à espera, de ter essa chamada do Miguel [Cardoso]. Lembro-me que após de um jogo que fiz contra ele, no fim ele elogiou-me, deu-me os parabéns e disse para continuar assim. Isso marcou-me, depois quando ele ligou lembrei-me disso. Quando cheguei a França, um novo país com uma língua diferente, ajudou-me bastante o facto de a equipa técnica ser portuguesa. Tinha pessoas muito boas, toda a gente, o que me ajudou a ficar melhor, só que os resultados não apareceram o Miguel saiu e com a chegada do Vahid perdi um pouco de espaço.

MF – Nesse período viveu por dentro o episódio trágico do Emiliano Sala. Como é que se reage a uma coisa destas?
LE –
Não tenho palavras. Foi um sentimento que ninguém estava à espera, pela pessoa que ele era, sempre alegre e brincalhão. Estava no auge da carreira, assinou o contrato e voltou para se despedir de nós. Estávamos todo no pequeno-almoço, o Nico [Nicolas Pallois] era muito amigo dele e tentou mandar-lhe mensagem. A mensagem não chegou e ele ficou muito preocupado, ao ponto até de ligar para o pessoal do aeroporto. Aí chegou a notícia, que o avião perdeu o sinal. Entrámos em desespero, começámos a chorar. Não perdemos a esperança, até que chegou a notícia, uma fatalidade muito grande.

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