Podence: «Precisei de ajuda psicológica depois de sair do Sporting» - TVI

Podence: «Precisei de ajuda psicológica depois de sair do Sporting»

Entrevista ao internacional português, jogador do Wolverhampton - Parte I

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Combinámos uma entrevista de 20 minutos e acabámos por falar quase uma hora. De futebol, mas também de valores mentais e emocionais, e de grandes nomes que marcaram a carreira do jogador do Wolverhampton. De Jorge Jesus, às «comparações com Javier Saviola», à «competição com Cristiano Ronaldo», passando pelo «pai Pedro Martins», o treinador que o fez renascer, por terras gregas, logo após a tão badalada rescisão de contrato com o Sporting.

Depois das «dores, ameaças e desilusões», Podence é, de novo, o tal rapaz de personalidade forte que se sente com capacidade de «chegar ao topo do futebol mundial». O internacional está em exclusivo no Maisfutebol.


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MF - Como é que um jogador tão jovem lida com tanto dinheiro recebido em tão pouco tempo?
DP - Não tenho problemas neste aspeto, nunca tive. No Sporting, comecei a receber com 14, 15 anos, primeiro 400 euros, depois 500, até ter o primeiro ordenado, que foi de mil e pouco euros. De ano para ano, os rendimentos foram subindo, mas eu fui sempre consciente, pela educação que tive, por ter pais humildes, trabalhadores, e dei muito significado ao dinheiro. Sempre o soube gerir porque sei que tenho de poupar para o futuro.

MF - E a verdade é que o Wolverhampton pagou, há pouco, tempo, 20 milhões de euros por si…
DP - Agora, esses valores são naturais. Se me perguntasse quando estava na formação, não imaginava que iriam pagar 20 milhões de euros por mim, mas agora é normal. Daqui a dois anos, até podem dar 50 milhões, não sei…

MF - Jogar em Inglaterra é um sonho tornado realidade?
DP - É o meu campeonato de eleição desde os tempos do José Mourinho, no Chelsea, do Cristiano Ronaldo, no Manchester United. É um sonho jogar num campeonato com tanta intensidade no jogo, com a vivência dos adeptos, a qualidade dos jogadores…

MF - E aí em Wolverhampton estão dezenas de portugueses, entre jogadores e equipa técnica, que o devem ter recebido da melhor forma, calculo…
DP - Sim, isso facilitou muito. É quase um clube português. Poucos clubes, mesmo em Portugal, têm 8, 10 portugueses no plantel. Cada um está com a própria família, mas todos somos uma grande família. Um dia jantamos na casa de um, depois na casa de outro. Passamos muito tempo a jogar, a falar, é muito divertido.

MF - Fez apenas sete jogos, antes desta paragem forçada. O melhor está para vir?
DP - Quero marcar a minha posição no clube, claro. No campeonato, temos um projeto incrível, com ambições, queremos chegar muito longe. Se aqui tiver a visibilidade e as oportunidades que espero, pode ser o início de um grande futuro.

MF - Um futuro com a estreia na Seleção A? Já foi convocado, mas ainda não jogou…
DP - No ano passado, andava mortinho para ir, ligava a televisão na hora do anúncio dos convocados, não perdia uma convocatória para saber se era chamado, e não fui, por isso, este ano, deixei de fazer isso. Deixei essa preocupação e acabei por me deixar levar. Curiosamente, no dia que recebi a notícia de que tinha sido convocado, nem estava à espera. Um funcionário do Olympiacos deu-me os parabéns e eu estranhei, não percebia porquê, depois é que me contou. É um sentimento de orgulho e de uma felicidade que transborda.

MF - Mas a concorrência no ataque da Seleção é forte. Talvez mais forte do em que qualquer dos últimos 10, 15 anos…
DP Sim, se fosse há 20 ou 10 anos, tinha mais chances de ser chamado e jogar. Agora, além de mim, há mais seis, sete avançados com muita qualidade. Ter de lutar por um lugar com eles, é até um pouco ingrato para mim, mas sinto que há espaço para todos.

MF - O facto de o Europeu ter sido adiado dá-lhe mais hipóteses de ser convocado? Tem mais um ano para se mostrar e num grande palco, como o campeonato inglês.
DP - Pode ser benéfico se no próximo ano mostrar o meu melhor nível. Mudei-me para Inglaterra, posso ter mais minutos e, assim, mais hipóteses de entrar nas contas para o Europeu.

MF – É inevitável perguntar-lhe qual é a sensação de treinar, no ataque, ao lado de Cristiano Ronaldo…
DP - Ele comigo é sete estrelas. Claro que há muita pressão, o nervosismo aparece, quando treinamos com o melhor de sempre, mas é motivador. No meu terceiro treino na Seleção, estávamos a fazer exercício de finalização, só os avançados, e as coisas estavam a sair-me bem. Estava a fazer uma competição só para mim, porque era o mais novo, mas alguns competiam 2 a 2 ou 3 a 3, e ele vira-se para mim e pergunta: ‘Quantos golos tens?’ e eu: ‘Não sei, talvez 3 ou 4.” Ao que ele responde: ‘Não, tens 5, eu estou a contar’ (risos). Ou seja, ele, sem me conhecer, e sem estar a competir comigo diretamente, estava numa competição com todos os avançados e queria ser o melhor. Recebeu-me mesmo muito bem.

MF - Vamos recordar a sua mudança para Grécia, para o Olympiacos, depois da tão badalada rescisão com o Sporting, na sequência do ataque à Academia, em maio de 2018?
DP – Confesso que estava com dúvidas, sobre o futuro. Quando saí do Sporting, todos me diziam: ‘Vais para a Grécia, para o Olympiacos, fazer o quê?’ Mas eu sabia que ia para um clube grande, não é por acaso que tem 4 estrelas ao peito, claro que tive dúvidas, porque colocava o futebol grego na ponta da Europa, mas estava enganado a esse respeito. Enquanto lá estive, vi coisas que nunca tinha visto, nem sei se vou voltar a ver, como a pressão dos adeptos, ambiente nos estádios, os dérbis, os adeptos mais fervorosos do que em qualquer outro país. A pressão nos clubes grandes é normal, no Olympiacos os adeptos também chegaram a ir à Academia e ao balneário e demonstraram o desagrado. É complicado viver esse tipo de situações, mas um jogador de futebol tem de estar à espera disso.

MF - De que forma é o que treinador Pedro Martins o marcou?
DP – Ele e o Rui Jorge, na seleção sub-21, foram os treinadores que mais me marcaram. O mister Pedro deu-me a confiança de que precisava, ensinou-me muito do que é o mundo do futebol, levo-o como um pai. Depositou muita confiança em mim num momento muito complicado da minha vida e da minha carreira. Temos uma relação incrível.

MF - Está a referir-se ao momento em que chega ao Olympiacos depois de rescindir contrato com o Sporting, na sequência do ataque à Academia de Alcochete?
DP - Psicologicamente, precisei de um trabalho extra, vinha de uma lesão de seis meses, além disso tinha passado pelo processo da rescisão e o Pedro Martins ajudou-me muito na integração e minha reestruturação mental. Tive de ter a voltar a jogar passados seis meses e depois do que aconteceu em Alcochete. Falámos horas a fio, ele ensinou-me processos para evoluir a minha mente e a minha forma de jogar, e também tive a ajuda da Susana Torres, que é uma ‘mental coach’ incrível. Ajudou-me, também, a ultrapassar um momento muito difícil e fez-me passar de um patamar da carreira para outro. Devo à Susana Torres e ao Pedro Martins o meu renascimento!

MF - Num momento de grande fragilidade emocional, alguma vez pensou em desistir?
DP - Nunca. O futebol foi sempre a minha primeira e única escolha, mas o que ficou em dúvida foi até onde podia chegar, a que nível podia chegar depois de lesão, da rescisão, de dores e desilusões, de massacres na rua, na internet. Tudo isso ficou muito presente e eu duvidei até que ponto poderia ultrapassar isso, ou se conseguiria atingir um nível elevado. Felizmente, consegui ultrapassar essa fase com a ajuda das pessoas certas e aqui estou eu.

MF - E a carreira fala por si. O seu percurso está a exceder as expectativas?
DP - É um percurso em ascensão, não posso dizer que tive no alto e vim cá para baixo. Vejo melhorias de ano para ano na minha carreira, e estou no sítio certo, na altura certa. Supondo que aos 27, 28 anos é o pico de qualquer jogador, estou mais do que a tempo de alcançar aquilo a que me propus, que é chegar ao topo do futebol mundial.

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