«A culpa é do processo» é uma nova rubrica do Maisfutebol, que analisará taticamente uma equipa em destaque na época em curso. Se tiver alguma sugestão envie para lm.externo@mediacapital.pt
Em Barcelona mora o líder da Liga Espanhola, mas mora também uma das equipas revelação da prova, cujo rendimento desportivo mais se alterou de uma época para a outra: o Espanhol.
Os periquitos da Catalunha terminaram a última temporada sob tensão, com o despedimento de Quique Flores na 33.ª jornada e a sucessão interina de David Gallego, que nos cinco jogos finais fez 13 pontos. A continuidade do treinador foi ponderada, mas a escolha recaiu em Rubi, o homem que operou um milagre em Huesca, subindo pela primeira vez na história o clube ao principal escalão do futebol espanhol.
Depois de já ter tido duas experiências negativas no campeonato espanhol, ao serviço de Sp. Gijón e Levante, Rubi assumiu então o leme do Espanhol e ficou nas mãos com um plantel que perdeu a referência ofensiva das últimas duas épocas, Gerard Moreno.
Para além do avançado, que seguiu para o Villarreal, o Espanhol viu sair mais seis jogadores: Pau Lopez (Betis), Marc Navarro (Watford), Aaron Martin (Mainz), Sergio Sanchez (Cádiz), Carlos Sanchez (acabou empréstimo da Fiorentina) e Jurado (Al Ahli Jeddah).
As entradas foram apenas quatro, com destaque para o «panzer» Borja Iglesias, que chegou para substituir Gerard Moreno. Roberto Giménez (ex-Benfica) e Rosales chegaram do Málaga e Hernán Pérez regressou do empréstimo ao Alavés.
Ou seja, a ordem foi para olhar para dentro, para uma formação recheada de talento e para os homens que estavam nas fileiras, mas com pouco tempo de jogo.
O Espanhol é, atualmente, o quinto classificado do campeonato espanhol, com 18 pontos e a apenas três da liderança do grande rival da Catalunha.
Cinco vitórias, três empates e duas derrotas é o registo que a equipa tem na La Liga, com 14 golos marcados e oito sofridos.
E para arrancar esta análise tática vamos partir destes oito golos sofridos.
A equipa de Rubi é a terceira melhor defesa do campeonato, apenas com mais um golo sofrido que a sensação Valladollid e que o Atlético de Madrid (5).
É neste capítulo, o defensivo, que a equipa mais se destaca e baseia o jogo.
Rubi montou uma autêntica teia defensiva aos adversários, uma orquestra organizada e que raramente permite oportunidades aos rivais. Dos oito golos, três foram sofridos de bola parada (um livre direto, um penálti e um lançamento lateral).
O 4-1-4-1 no plano defensivo
Rubi pouco mexe na equipa e na estrutura mais recuada isso só acontece mesmo por obrigação.
Diego López é o guarda-redes, Javi López o lateral direito, David López e Hermoso os centrais e Didac Vila o lateral esquerdo. Marc Roca é o pivot defensivo e peça mais importante em todos os movimentos da equipa. Destes seis, quatro são totalistas, sendo que Javi López só falhou um jogo e David López falhou, mas três devido a lesão.
Sem a posse de bola, a equipa arruma-se sempre em 4-1-4-1, quer seja com as linhas mais recuadas, quer em pressão mais alta.
O avançado, Borja Iglesias, é o responsável por cortar as linhas entre os centrais e obrigar o que sai com bola a optar por uma das laterais, para a pressão do bloco ser mais eficaz.
Atrás dele, os dois médios-centro (habitualmente Granero e Darder) ocupam-se de evitar que a bola entre nos médios rivais, e caso entre a preocupação é nunca os deixar de frente para o jogo. Os alas colocam-se em terrenos interiores, saindo na pressão quando a bola entra nos laterais.
Marc Roca é o homem que está por trás dos cinco mais avançados e sempre preocupado em ocupar os espaços entre linhas, em dar equilíbrio.
Marc Roca tem ainda outra função, isto num plano em que a linha defensiva do Espanhol está mais recuada, como aconteceu no duelo com o Real Madrid, jogo em que perdeu 1-0, mas que merecia muito mais do que sair de mãos a abanar da capital.
O modelo defensivo de Rubi está muito bem definido e vive, também, da alta intensidade na pressão, após o momento em que decidem pressionar em bloco. Granero ou Darder são fundamentais, porque alternadamente e quando sentem que o adversário está em condições de errar (mau domínio, bola dominada mas de costas para o ataque, irá receber bola aérea) saem na pressão, ocupando a linha de Borja Iglesias. Nesse momento toda a equipa sobe uns metros, para nunca «partir» e deixar espaços para os adversários jogarem.
Como contrariar o Espanhol?
Para bater o Espanhol, a principal receita é executar rápido, de forma a impedir que os homens de Rubi consigam chegar, como é habitual, em bloco à zona da bola, onde efetuam uma pressão muito difícil de superar. Conseguindo sair daí, pode haver campo aberto para jogar e fazer mossa.
A troca já mencionada entre um central e Roca também pode ser aproveitada, sobretudo no instante mal o central sai da posição para seguir o adversário.
Outro momento que pode ser aproveitado, usando também a rapidez como principal arma, é o momento da transição ataque-defesa. Normalmente, a posse do Espanhol é controlada, com paciência e girando em torno de Marc Roca, um pivot defensivo que se aproxima da área. Os jogadores normalmente estão próximos e quando perdem, tentam de imediato recuperar a bola. Se o adversário sair dessa primeira pressão pode criar superioridade, já que Roca muitas vezes está adiantado no terreno e deixa de ser o ponto de equilíbrio momentaneamente. É aí que o Espanhol fica frágil.
O objetivo do Espanhol é obrigar as equipas a usar a meia distância e até agora apenas Raul De Tomas, do Rayo, conseguiu marcar dessa forma, para além de Verde, do Valladollid, mas esse fê-lo num pontapé livre direto.
O 4-3-3 a atacar com Roca a pensar e o «panzer» a finalizar
Amanhã para ler no @maisfutebol, uma análise a uma das equipas que mais me tem surpreendido está época: o Espanhol de Barcelona.
Fica um vídeo giro, pese não ter dado em golo. pic.twitter.com/UZNKgNdNxM
— Luis Martins (@luis_martins13) 29 de outubro de 2018
Com bola, o Espanhol organiza-se em 4-3-3, com os alas a transformarem-se em segundos avançados (Leo Batistão e Sergio Garcia), e colocados muito perto de Borja Iglesias para criar superioridade na zona central. Se Piatti e Hernán Perez atuarem em vez dos dois mencionados, o Espanhol ganha um pouco mais de largura, mas menos presença em zonas centrais e de finalização.
As linhas são para os laterais, e por isso Batistão e Sergio Garcia são titulares, com especial destaque para Didac Vila, canhoto que é mais acutilante que Javi López à direita.
A saída de bola é preferencialmente pelos centrais, com Marc Roca a ocupar a zona central, também como linha de passe.
O principal objetivo é romper linhas rapidamente e criar perigo com a verticalidade.
Quer David López quer Hermoso são jogadores que jogam bem com a bola nos pés, mas é essencial realçar o trabalho e a importância do segundo.
Hermoso é o primeiro impulsionador do ataque dos periquitos e usa e abusa, com qualidade, dos passes verticais.
Esta procura quer pelo «falso ala» quer pelo médio interior daquele lado ajuda a galgar metros, a impulsionar a equipa para a frente e a rasgar as linhas rivais. É esta a verticalidade que Rubi pretende para fazer dano ao rival, sem que este se consiga reorganizar após o passe que rasgou linhas.
Como se vê nas imagens, raramente um jogador do Espanhol fica sem linha de passe, após os passes de Hermoso. Entrando o passe, há três opções: a busca pelas diagonais e profundidade dos atacantes, sobretudo Borja Iglesias, o apoio do lateral ou o passe para o médio mais próximo que irá continuar a construção da jogada, mas já com a equipa subida no campo.
Quando não procura este passe, Hermoso joga muitas vezes com Roca que pega na batuta e orienta os colegas.
Mais um vídeo do Espanhol e aqui com destaque para Marc Roca, médio que é o organizador de jogos dos catalães e com um pé esquerdo tremendo, que rasga as linhas adversárias com muita facilidade. @maisfutebol pic.twitter.com/SL9DuuN694
— Luis Martins (@luis_martins13) 30 de outubro de 2018
O objetivo da equipa é atrair o adversário para um dos lados e rodar rapidamente o jogo, para criar mossa do outro.
Granero e Darder são os mosqueteiros de Roca, o primeiro mais com passe e posse, o segundo a rasgar linhas com bola.
Nos últimos jogos, Rubi tem dado mais minutos ao jovem Óscar Melendo, formado na cantera do clube, e com uma qualidade de transporte e último passe acima da média. Foi titular no último encontro, atuando no lugar de Granero, e acrescenta mais condução de bola do que o companheiro. Já leva duas assistências esta época e é um jogador a ter em conta com o avançar do campeonato.
Na impossibilidade de sair a jogar pelos centrais, há o recurso pela bola aérea, ou para os três atacantes, fortes no jogo aéreo e a segurar a bola (caso joguem Borja-Sergio Garcia-Leo Batistão), ou para um dos laterais que esteja solto.
Aí o homem que a receber irá procurar um dos médios para a organização do jogo.
Na zona de finalização, o Espanhol é uma equipa com forte presença na área, já que os dois extremos jogam muito por dentro e «ajudam» Broja Iglesias, e que tem diversas armas. Quer o cruzamento quer o remate de meia distância, já que não faltam especialistas.
Uma referência negativa para o guarda-redes Diego López, que várias vezes tem linhas de passe fáceis, mas vendo algum adversário aproximar-se recorre à bola longa.
Para finalizar, referência à transição do Espanhol. Borja Iglesias é a referência, para receber, aguentar o choque e entregar ou nos médios que surjam próximos, ou ele próximo lançar os falsos extremos que o acompanham.
— Luis Martins (@luis_martins13) 31 de outubro de 2018
BOLAS PARADAS
Nestes primeiros dez jogos, o Espanhol não se tem destacado pela variedade dos esquemas táticos, mas tem sido fortíssimo a aproveitá-las, graças a Hermoso.
Ofensivamente, a bola é colocada na área com regularidade, para aproveitar o físico e a impulsão da maior parte dos jogadores. A única variante até ao momento tem sido o canto curto, para a quina da área, onde surgirá um cruzamento na direção contrária à da baliza.
Já marcaram cinco golos de bola parada, três deles de canto e Hermoso esteve em todos. Marcou dois e no outro fez o remate que Borja Iglesias recargou.
No capítulo defensivo, nos cantos, é utilizada uma marcação sobretudo homem-a-homem, com três jogadores à zona e sem ninguém nos postes. Dois desses três homens ficam na linha da pequena-área, numa zona quase paralela a cada um dos postes, e o outro fica fora da área, na quina contrária ao lado em que é batido o canto. O objetivo é ser este homem a lançar o contra-ataque, caso Diego López amarre a bola.
A FIGURA: Marc Roca, 21 anos.
É o pivot defensivo e o homem que tem no pé esquerdo a batuta do ataque. É um dos totalistas e a peça mais importante para Rubi. Compensa e equilibra defensivamente, organiza, pensa e até finaliza no capítulo ofensivo. É da cantera do Espanhol e na última época fez apenas nove jogos. Assim vai saltar rapidamente para outros patamares.
A CONTRATAÇÃO: Borja Iglesias, 25 anos.
5 golos marcados em 10 jogos. Contratado ao Celta por 10 milhões de euros, está na sua «verdadeira» primeira época na I Liga Espanhola (fez apenas um jogo em 2014/15 e outro em 2015/16 pelos galegos). Destacou-se no Zaragoza na última temporada com 23 golos marcados. Há dois anos tinha apontado 34 na equipa B do Celta. Possante, forte a aguentar as cargas, com excelente jogo de cabeça e um remate muito fácil. Incansável na procura da profundidade, muito móvel. Trocas constantes com Sergio Garcia, que no último terço gosta de atacar a zona central da área e Borja fica com o segundo poste. Está a fazer esquecer Gerard Moreno e esse é o maior elogio que se pode fazer nesta altura.