O português de 26 anos que coordena a primeira academia da Roma em África - TVI

O português de 26 anos que coordena a primeira academia da Roma em África

André João Castro (arquivo pessoal)

André João Castro é treinador desde os 18 anos e aos 22 deixou Portugal pela primeira vez. Em poucos anos já esteve em quatro continentes e começou há poucas semanas uma nova etapa am Abuja, capital da Nigéria

A conversa tinha sido combinada para ser feita através de ligação por Whatsapp, mas esta terça-feira, por volta da hora de almoço, não havia luz em Abuja há quatro horas.

É a segunda vez desde que André João Castro chegou à capital da Nigéria, há três semanas, para coordenar a primeira academia da Roma em África, uma parceria com o Garden City Panthers, um clube virado para a formação e que o Maisfutebol deu a conhecer no ano passado pela voz de Manuel Matias, ex-jogador do FC Porto na década de 90.

«Antes de vir para cá fiz algumas pesquisas e vi que a Nigéria é um dos piores países do Mundo na questão da eletricidade e também por isso a internet não é das melhores. Já vinha precavido, porque passei por outros países onde há certas coisas que são vistas como um extra e não um dado adquirido como em Portugal», conta-nos.

André João Castro tem apenas 26 anos, mas já trabalhou em quatro continentes: Europa, Ásia, América do Norte e África.

Mas já lá vamos.

No momento em que fala connosco, a falta de eletricidade significa, por exemplo, que nem o ar condicionado do gabinete onde se encontra, no Estádio Nacional de Abuja, está a funcionar num dia em que a temperatura ronda os 40 graus Celsius. Ou que um simples duche, até de água fria, pode ser impossível de tomar devido à falta de pressão.

«Apesar disso não pensei duas vezes quando me surgiu esta oportunidade. Claro que também ajudou o facto de estar há nove meses em Portugal sem trabalhar por causa do vírus. E o projeto em si é bom e vi que não tinha nada a perder», assinala.

Rampa de lançamento da Roma em África numa das mais novas capitais do Mundo

Abuja foi construída de raiz entre as décadas de 70 e 80 no centro da Nigéria com o propósito de substituir Lagos como capital do país, o que aconteceu em 1991. Não é um polo turístico, nem está entre as maiores cidades da nação mais populosa do continente africano, mas é lá que estão as embaixadas e as sedes das maiores empresas. Não tem praia, há poucos locais de diversão e baixar a guarda é impensável. «Em geral, Abuja é uma cidade segura. Não tive nenhum problema, mas convém evitar ir a certos sítios e é importante levar um estilo pacato e não fazer demasiadas amizades: até agora, a minha vida tem sido basicamente trabalho-casa, casa-trabalho.»

Até porque não tem havido tempo para muito mais. Além de coordenador-técnico da academia da Roma, André coordena também o Garden City Panthers, clube que não compete nos escalões seniores mas participa noutros torneios e tem bem vincado o propósito de formar atletas e abrir-lhes a porta do sonho europeu, agora mais nítido, pretende-se, através da parceria com o gigante italiano.

«Nesta altura ainda não começámos os treinos oficialmente. Estamos numa fase de recrutamento de treinadores e jogadores. Temos feito entrevistas aos treinadores e procurado ver o valem na prática, temos feito trabalho de marketing quando vamos às escolas e a outros locais onde se pratica futebol. E estamos a preparar os materiais de trabalho para estarmos organizados quando for a altura de começar», conta André, explicando que a Roma tem nos planos a abertura de outros polos da academia em outras cidades da Nigéria.

Treinador aos 18, início da volta ao Mundo aos 22 em Marrocos

André João Castro jogou futebol até aos juvenis num clube da freguesia de Pencelo, concelho de Guimarães. Sem motivação nem «jeito» para jogar, começou a treinar aos 18 anos. Esteve alguns meses no mesmo clube e depois esteve três anos na base da formação do União Torcatense.

Aos 22, no segundo ano do curso de Desporto em Braga, interrompeu os estudos para abraçar a primeira aventura no estrangeiro, deixando a família perplexa por não ter «razão aparente para deixar o país». «Na altura estava praticamente certo que ia trabalhar num clube na Coreia. De repente apareceu a oportunidade de Marrocos e ainda fui a tempo de me organizar. Senti que era melhor ir para um país mais próximo de Portugal, praticamente com o mesmo fuso-horário, com outros portugueses e europeus. E ir para uma academia pertencente ao Barcelona também poderia trazer-me alguns conhecimentos.»

Foram sete meses de trabalho em três escalões (sub-9, sub-13 e sub-12) e uma inoculação gigante de conhecimento. «Quando saí de Portugal só falava português: agora falo inglês e espanhol. É currículo que fica para a vida toda. Acho que devemos arriscar, principalmente quando somos jovens: conhecer novas realidades, culturas e pessoas.»

Entre o regresso de Casablanca e a ida para a Índia distaram escassos dias. Uma oportunidade que surgiu, de repente, através de um treinador inglês que conhecera nas redes sociais. «Ele tinha integrado um summer camp no ano anterior e perguntou-me se eu tinha interesse. Enviei o currículo para o dono da academia [Ethihad Sports Academy] e ele contactou-me.»

Três meses de imersão num mundo novo e a experiência «mais diferentes de todas» numa zona remota de Calecute, estado de Kerala, a três horas do aeroporto. Enriquecedora, sobretudo. «Estava num sítio no meio do nada e devo ter sido a primeira pessoa de raça branca que muitas daquelas pessoas tinham visto na vida. E como vinha de uma academia do Barcelona estava sempre a tirar fotos comigo e a pedir autógrafos. Era quase uma estrela para eles [risos]. Até cartazes fizeram comigo quando cheguei, inaugurei campos de futebol e fui a três casamentos», recorda.

O propósito da Ethihad Sports Academy, projeto sediado em Abu Dhabi, era permitir que jovens indianos pudessem ter contacto com treinadores europeus. Mais do que descobrir/produzir talentos, fazer-lhes chegar metodologias desconhecidas, num país onde o críquete é rei e senhor. «O futebol está muito atrasado lá e nós trabalhávamos num campo de terra sem muito material, mas muito esforço de adaptação. Acima de tudo, o nosso objetivo era ajudá-los dentro do possível e fazer com que se divertissem. A qualidade é muito baixa comparando com qualquer lado por onde passei, incluindo Marrocos, onde o preço cobrado aos jogadores impedia que o campo de recrutamento fosse alargado.»

André regressou a Portugal e dois meses depois, em 2019, estava a fazer as malas para trabalhar no Canadá.

Destino: Bradford, uma comunidade na periferia de Toronto com forte presença portuguesa.

«Foi uma grande oportunidade para trabalhar como coordenador-técnico da DFC Academy, numa academia que antes foi Dragon Force. Tiveram uma parceria com o FC Porto durante dois ou três anos. Quando cheguei já não tinham essa parceria, mas a organização e a metodologia mantinha-se», conta.

Na DFC Academy: fotografia após a vitória de um torneio nos Estados Unidos

Foi lá que André se sentiu mais em casa. Falava mais vezes a língua de Camões do que de Shakespeare e frequentava restaurantes portugueses. Em março do ano passado, a pandemia colocou um travão numa aventura de quase um ano. «Numa quarta-feira começaram a haver casos e nesse mesmo dia cancelámos logo os treinos. Nem me despedi e foi muito triste. Ainda estive lá algumas semanas, mas acabei por voltar para Portugal, ainda que com a perspetiva de regressar no verão quando a pandemia acalmasse.»

Mas não acalmou. Pelo menos o desejado.

E o jovem treinador português voltou a fazer-se à vida através do envio de currículos. Como em todas as outras ocasiões. «Muita gente procura-me com curiosidade em saber como é que eu consigo estes trabalhos. Foi sempre através de currículos que enviei. É ter pronto um currículo bem escrito em inglês e enviar o mesmo para vários sítios que nos interessam.»

Nos últimos tempos, além da Nigéria, André, que tem o curso de treinador UEFA B, conta que teve uma proposta do Bahrein. Aí, reconhece, teria acesso a outros luxos e àquilo que diz ser um dado adquirido: um banho de água quente, eletricidade, temperatura controlada através de um comando ou fácil acesso à internet, mas não foi tão aliciante.

Será o prazer do desconforto?

«Já estive nos quatro continentes e agora voltei para África. Ter este tipo de experiências é viciante. Quanto mais se vê, mais se quer ver. Há coisas boas e más, claro, mas todas as experiências têm sido positivas e estou disponível para trabalhar em qualquer país do Mundo. Se regressar a Portugal é uma prioridade? Neste momento não meto o meu país nem à frente nem atrás de outros para trabalhar. O que quero é viver do futebol, algo que consigo agora e que provavelmente não conseguiria se tivesse continuado em Portugal. E o futebol é a minha vida.»

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