«Aqui não há peixarias nem talhos e o supermercado vende tudo em cuvetes» - TVI

«Aqui não há peixarias nem talhos e o supermercado vende tudo em cuvetes»

Diogo Coelho (fotos: arquivo pessoal)

Diogo Coelho assinou pelos islandeses do ÍBV no verão de 2018, depois de anos a saltar de clube em clube em Portugal. O jogador que foi formado no Benfica vive numa ilha com 13 quilómetros quadrados, dois vulcões e não se imagina a rumar a outras paragens nos tempos mais próximos

Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências. Sugestões e/ou opiniões para djmarques@mediacapital.pt e rgouveia@mediacapital.pt

Se aí desse lado pesquisa regularmente na internet sobre viagens, é bem provável que o algoritmo do Google já lhe tenha proposto pacotes turísticos para a Islândia.

Depois de anos de turbulência, condicionados por uma bancarrota em 2008, o país isolado no Atlântico Norte está definitivamente na moda e até o futebol respira saúde.

Em 2016, a seleção viking apurou-se pela primeira vez para um Europeu e dois anos depois voltou a fazer história, ao tornar-se no país com menos população a marcar presença num Mundial.

A Islândia, cujo futebol colhe hoje os frutos de um futuro que começou a ser pacientemente semeado há duas décadas, até já importa talento português e o maior exemplo verifica-se no ÍBV.

Diogo Coelho é um dos três jogadores portugueses da equipa que é treinada por Pedro Hipólito, também ele português. Após anos a fio a saltitar de clube em clube – sempre em Portugal – resolveu internacionalizar a carreira em agosto de 2018.

«Falei com o meu representante e disse-lhe que gostava de ir para o estrangeiro e de ter uma experiência diferente. Também andei bastante tempo de um lado para o outro e senti que estava na altura de ter outra estabilidade», conta o lateral-esquerdo em conversa com o Maisfutebol.

Em Vestmannaeyjar, povoação situada numa ilha ainda mais pequena do que a do Corvo – a menor do arquipélago dos Açores – Diogo encontrou um clube capaz de lhe proporcionar as condições que procurava: estabilidade, um ano e meio de contrato com mais outro de opção, uma janela de oportunidade para as competições europeias e um salário mais generoso.

«Antes de vir, fui pesquisar pela equipa e pelo campeonato e vi que não havia nenhum português por cá. Se hesitei? Sim, mas depois de falar com a minha família decidimos que podia ser o melhor para mim. Por que não tentar e arriscar?»

A vista da rua paralela à casa onde vive (arquivo pessoal)

Sete meses depois de se meter no avião e de uma viagem de praticamente dois dias com uma escala na Alemanha e paragem por Reiquiavique até ao destino, Diogo garante que a aventura na Islândia o tem deixado preenchido.

«Parti com as expetativas altas. Informei-me sobre o clube, disseram-me mil maravilhas sobre ele e realmente é isso mesmo. Não nos falta nada, temos tudo e dão-nos grandes condições. Posso dizer que sou muito feliz aqui e que me imagino a continuar por cá durante mais algum tempo.»

De olho na Europa mas sem entrar em loucuras                

Fundado em 1903, o ÍBV é a segunda equipa mais antiga do país e venceu três vezes o campeonato, a últimas delas em 1998. O campeão Valur e o Hafnarfjordur, adversário do Sp. Braga no play-off da Liga Europa em 2017, são os atuais dominadoras e dividiram entre eles os últimos quatro títulos nacionais.

Diogo Coelho diz que o objetivo do ÍBV passa por alcançar o melhor lugar possível no campeonato e fazer «uma gracinha» na Taça da Liga, prova que já começou e que dá acesso às pré-eliminatórias da Liga Europa. «Temos a ambição de conseguir isso, mas tudo moderado e nada de grandes loucuras.»

Quando chegou ao ÍBV era o único português. Agora são três e o treinador da equipa também é português. «A comunicação nos treinos torna-se mais fácil e passamos algum tempo juntos» (arquivo pessoal)

O campeonato islandês arranca só no final de abril e estende-se até setembro, período no qual o tempo inóspito dá tréguas.

Devido às temperaturas negativas que se registam na maior parte do ano, os treinos são em indoor desde o arranque da pré-época, em novembro, até às semanas que antecedem o princípio da Liga.

No dia em que fala com o Maisfutebol estão 4 graus por volta das 15 horas. «Não está muito mau [risos]. Normalmente estão -1 ou -2 graus, mas agora o tempo já está a começar a mudar e nota-se bem a diferença.»

Os dias, curtos durante o pico do inverno, também já estão a ficar maiores com a primavera a aproximar-se. «Agora já está luz das 8 da manhã às 7 da tarde, mas houve um tempo em que só havia três ou quatro horas de luz. E no verão é o contrário: são três/quatro horas de noite e às 23 ainda está muita claridade. Demoramos algum tempo a habituarmo-nos, mesmo para adormecer, porque eles aqui usam cortinas – que deixam passar alguma claridade – em vez de estores. Até os estores congelam aqui», diz.

A ilha onde vive, a maior e a única habitada num arquipélago a sul da grande ilha da Islândia, tem 4 a 5 mil habitantes. O estádio do ÍBV é pequeno, os locais torcem pela equipa mas não são muito amigos de ir à bola. Preferem ficar em casa, onde, protegidos do frio, assistem aos jogos pela televisão.

Aos do campeonato islandês e aos da Premier League, competição que seguem religiosamente. «Todos os islandeses são adeptos de uma equipa inglesa. Do campeonato português não sabem nada: só quando há transferências milionárias, mas de resto não acompanham o nosso futebol.»

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Diogo até pode estar há menos de um ano na Islândia, mas sabe que o futebol tem crescido exponencialmente no país. «Eles gostam de aprender e por isso também vão buscar muitos jogadores ao estrangeiro para trazerem novos métodos e ideias. Querem evoluir bastante e isso está a acontecer. A qualidade futebolística tem aumentado», constata.

O princípio no Benfica…

Até aterrar na Islândia, Diogo passou por quase uma dezena de clubes em Portugal. Começou no Benfica, onde esteve nove épocas, e foi um dos primeiros jogadores a pisarem o centro de treinos do Seixal, inaugurado em 2006. «Estive lá nos meus últimos três anos. Lembro-me perfeitamente que antes jogávamos em pelados, o que não acontece hoje com os miúdos, que têm todas as condições.»

O jogador de 26 anos, que chegou a ser internacional sub-18, integrou a mesma geração de Luís Martins ou Rúben Pinto e foi contemporâneo de Bruno Lage, embora não tenha sido treinado pelo atual timoneiro da equipa principal dos encarnados.

Praticamente uma década após ter deixado o Benfica, regozija-se por ver hoje os «miúdos» darem cartas na alta-roda do futebol português. «É bom que tenham alguém que aposte neles. São jogadores cheios de qualidade e produzidos num centro de estágios que melhorou muito.»

… e a atração por ilhas

Benfica, Estrela da Amadora, Real de Massamá, Ribeirão, Trofense, Sp. Braga, União da Madeira, Farense e Santa Clara. Eis a ficha de Diogo Coelho como jogador.

Norte, centro, sul. E Açores e Madeira, antes da longínqua Islândia.

Mais uma ilha. Não pode ser só coincidência. 

«É verdade [risos]. Tem acontecido mais por força das circunstâncias, mas posso dizer que gosto bastante de viver numa ilha: é tudo mais calmo e sem confusões. Aqui em Vestmannaeyjar não há shopping, não há peixarias nem talhos. O supermercado vende tudo em cuvetes e não vende álcool: há lojas específicas para isso.»

Por falar nisso. O que se come na Islândia? «Come-se muita carne, principalmente a local, que é o cordeiro e o carneiro. Tudo o resto é importado. Bacalhau? É uma terra disso, mas não se come tanto como eu pensava e eles cozinham-no de forma diferente.»

Em Heimay, ilha onde fica a povoação de Vestmannaeyjar (que dá também nome a um arquipélago com outras 14 ilhas), há dois vulcões. Um deles, o Eldfell, entrou em erupção pela última vez em 1973: o fenómeno arrastou-se de janeiro a setembro e levou à evacuação total da ilha, história da qual o nosso interlocutor está a par. «As pessoas só voltaram passado algum tempo, mas não têm receios. Há muitas casas ao lado dos vulcões», conta.

Com a namorada no topo de um dos vulcões com a cidade de Vestmannaeyjar ao fundo (arquivo pessoal)

Diogo apaixonou-se quase que à primeira vista pela Islândia e enumera várias razões para isso, a começar pela beleza natural do país. «Recomendo uma visita à Blue Lagoon, que é o maior ponto turístico da Islândia. Recomendo as cascatas e uma ida aos glaciares e à praia dos diamantes. Isso deixou-me sem palavras: ver uma praia cheia de glaciares foi qualquer coisa.»

Mas há mais mais: «Os polícias não usam armas e o país é muito seguro. Por norma, todos os estabelecimentos oferecem café, leite e umas bolachinhas para as pessoas se manterem quentes, e nos restaurantes a água é oferecida. Como são as pessoas? O islandês parece ser uma pessoa fria, mas é cinco estrelas quando ganhas a confiança dele», observa.

Frio e, ao mesmo tempo, caloroso. No fundo, como a Islândia, que nos deixa com vontade de (pelo menos) correr para o motor de busca assim que desligamos a chamada.

Futebol e aventura. Haverá conjugação mais perfeita?

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Artigo original: 19/03, 23h50

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