O conto de fadas de João Moutinho de Hollywood à Disney - TVI

O conto de fadas de João Moutinho de Hollywood à Disney

Jovem lateral emigrou há três anos para os Estados Unidos para jogar futebol universitário mas, num curso espaço de tempo, passou por três Estados e chegou ao topo da Major League Soccer

Esta é a história do outro João Moutinho, doze anos mais jovem do que o internacional português do Wolvehampton, mas que, aos 23 anos, já tem muitas histórias para contar. Depois de terminar a formação no Sporting, ao lado de jogadores como Maximiano, Jovane Cabral, David Tavares ou Rafael Leão, emigrou para os Estados Unidos e tem tido uma ascensão meteórica no soccer.

Começou no futebol universitário, em Ohio, depois foi primeira escolha no draft para a liga norte-americana e mudou-se de armas e bagagens para a costa leste, para Los Angeles. Agora está em Orlando, a capital da Disney, a viver um conto de fadas. No ano marcado pela pandemia, Moutinho fez uma época quase perfeita, chegou à final do play-off do título e, ao lado de Nani, foi eleito para o melhor onze da temporada da Major League Soccer. Venha daí conhecer o João Moutinho que, tal como outro, também «bate bem».

Temos de começar por aqui. Partiste há três anos para os Estados Unidos, praticamente como um desconhecido no mundo do futebol e, ainda agora, no mês de agosto, foste à final do play-off da Major League Soccer e foste eleito para o melhor onze da época da principal competição norte-americana. Estás surpreendido contigo próprio? Com o teu percurso?

- Tinha consciência do meu potencial. Sempre soube que tinha potencial para ser bom jogador. Tinha de estar num sitio em que me encaixasse bem, em que apostassem em mim e onde pudesse mostrar o que valia. Sinto-me bem, este ano tínhamos uma equipa muito boa, todo o staff, a organização à volta do clube estava toda focada no mesmo objetivo. Fizemos um torneio muito bom. Acabámos por perder na final [derrota com os Timber Portland, por 1-2], mas ainda assim acho que, no seu todo, foi um bom campeonato para nós.

Mas tem sido uma ascensão meteórica. Foi tudo muito rápido. Começaste no futebol universitário e, num abrir e fechar de olhos, estavas a ser escolhido no draft, foste para Los Angeles e agora estavas a lutar pelo título pelo Orlando City.

- É verdade, inicialmente vim para estudar e para jogar na universidade, depois acabei por ser draftado para Los Angeles, estive lá um ano e acabei por vir para aqui para Orlando. O ano passado nem conseguimos chegar aos play-off, mas este ano chegámos longe, fomos até à final. O facto de estar no melhor onze só demonstra que fiz o que me competia da melhor forma. Agora com o retomar da fase regular espero fazer novamente uma boa época.

Vamos recuar um pouco no tempo para termos melhor uma ideia do teu percurso até aqui. Começaste na formação do Sporting muito cedo, com oito anos, como surgiu essa oportunidade?

- Na altura não jogava em nenhum clube, não era federado, jogava só na escola e com os amigos, mas já percebia que tinha algum talento. A minha mãe conhecia alguém lá no Sporting, decidiu-me levar aos treinos de captação, na altura ainda treinávamos em Pina Manique. Fiz os treinos, gostaram e mim e acabei por ficar. Acabei por fazer lá a minha formação toda.

Que recordas desses primeiros tempos?

- Eu morava em Lisboa, portanto não ficava em Alcochete, ia e voltava todos os dias. Foram momentos muito bons, tínhamos ali um grande grupo, muita camaradagem, fiz amigos para a vida. São momentos que nunca esquecerei.

Já jogavas como lateral esquerdo neste início?

- Sim, desde os 13 ou 14 anos que tenho jogado sempre a lateral esquerdo. É uma posição em que me sento muito confortável.

Quais eram as tuas referências na altura? Tinhas um ídolo? Uma inspiração?

- Se tivesse de nomear um teria de ser o Cristiano, como português e sportinguista, tem de ser ele. Todos o admiram a sua ética, a forma como trabalha, o que faz todos os dias. Apesar de estar no topo já há muitos anos nunca para e continua sempre com a mesma ambição, o que eu acho incrível.

Chegaste ao Sporting em 2007 e, nessa altura, já havia um João Moutinho que estava na equipa principal e até já era capitão do Sporting. A diferença de idades é grande [12 anos], mas tiveste algum contato com o outro João Moutinho? O facto de terem o mesmo nome gerou algum tipo de brincadeira entre os teus colegas? Incomodava-te ser o «outro» João Moutinho?

- Nunca falámos um com o outro. Os meus colegas brincavam sempre com isso, mas com o passar do tempo as pessoas já se vão habituando. Mas sim, havia sempre esse tipo de comentários ao princípio.

Ao longo da formação jogaste com o Maximiano, Jovane Cabral, Daniel Bragança, Miguel Luís, Bruno Paz, que ainda estão no Sporting, mas também com o Thierry Correia (Valencia), David Tavares (Benfica) e Rafael Leão (Milan). Surpreendido com o percurso deles?

- Não, de todo, sabia que eram todos jogadores com muito potencial e muita qualidade no Sporting. Para chegarem aos juniores ou mesmo à equipa B do Sporting, claro que têm de demonstrar que já têm qualidade. Como joguei com eles durante vários anos pude constatar que tinham mesmo muito talento e sabia que, se tudo corresse dentro da normalidade, iam ser jogadores que iam dar que falar. Fico feliz por eles porque são meus amigos e são pessoas com quem mantenho contato.

Na passagem para sénior, foste emprestado ao Sacavenense, foi de alguma forma uma desilusão? Foi nessa altura que decidiste apostar mais nos estudos?

- Não estava a jogar tanto com queria nos juniores do Sporting. Decidi ir por esse caminho, de ser emprestado, para ganhar mais minutos de jogo. O último ano de júnior é um ano importante. Sabia que o meu tempo ali se calhar já tinha acabado, estava tranquilo mentalmente e, felizmente, surgiu essa oportunidade, mais para o fim da época, de vir para aqui para os EUA. Acabou por correr bem.

Foste para os EUA através do programa da Next Level Sports [saiba mais sobre este programa] para tirar um curso de Business Management, equivalente a gestão. Nesta altura os estudos sobrepunham-se ao futebol? Qual era a tua prioridade?

- Sempre tive a ambição de me tornar jogador profissional. As pessoas aí em Portugal não têm bem noção, mas aqui o desporto universitário é gigantesco, não tem nada a ver com a Europa. Aqui, a seguir aos juniores, só há as equipas profissionais. As equipas amadoras são as equipas universitárias. Para fazer a transição para o desporto profissional, as universidades são o melhor espaço para se estar. Continuei a estudar nessa altura porque nunca se sabe o futuro e é sempre bom ter um plano B, mas o futebol acabou por resultar e ainda bem, agora estou a cumprir o meu sonho aqui.

Começaste por impressionar logo ao nível universitário, a tua equipa [Akron Zips] chegou longe…

- Tínhamos uma equipa muito boa, fui para um dos melhores programas aqui nos EUA. Acabámos por chegar às meias-finais, o que entre duzentas equipas na primeira divisão já é um feito notável. Foi uma época que me deixou muito boas memórias e também fiz amizades que vão durar para a vida toda.

É nessa altura que surge a oportunidade de entrares no draft para a Major League Soccer. Sentiste que o futebol voltava a puxar por ti, para um nível mais elevado?

- Sim, tinha feito uma época muito boa na universidade e, em janeiro do ano seguinte, era o draft da MLS e acabei por ser a primeira escolha. Claro que fiquei muito feliz, era o cumprir de um sonho, tinha chegado ao futebol profissional. Ainda por cima numa liga tão boa como a MLS, foi um bónus.

Estavas no Estado do Ohio, onde deve fazer muito frio, e foste para a Califórnia onde é verão quase o ano inteiro. Foi uma grande mudança também a esse nível?

- Sim, eu estava em Akron, que é bem perto da fronteira com o Canadá, e cheguei a apanhar lá quinze graus negativos. Durante três ou quatro dias inteiros não parava de nevar, sei bem o que é passar frio. Depois fui para Los Angeles e, como disseste, era exatamente o contrário, fazia calor o ano inteiro. Levei a minha roupa da universidade, era só casacos, calças de fato de treino e não as usei nem uma vez enquanto estive em LA.

O que nos podes contar de Los Angeles…

- É uma cidade enorme, está sempre calor, é uma confusão imensa, parece que a cidade nunca para. Tem muito trânsito, as pessoas perguntam-me sempre se gostei de viver lá, mas a verdade é que o trânsito complica muito. Quando se quer ir a algum lado, para andar cinco quilómetros ficamos meia-hora na estrada. É horrível.

Com era o futebol na cidade dos Lakers? As celebridades de Hollywood também vão ao futebol? Iam ver os Los Angeles FC?

Claro que o futebol não tem o mesmo peso das outras modalidades, do basquetebol, do futebol americano ou mesmo do basebol, mas sim, éramos uma equipa nova que tinha muito marketing por trás. Também tínhamos muitas celebridades que iam ver os jogos e depois iam ter connosco ao balneário.

Lembras-te de alguém em especial?

- Iam muito atores, um dos nossos donos era o Will Ferrell [ator, produtor e comediante]. Estava sempre connosco, era um dos que nos apoiava mais, era um dos que com quem tínhamos melhor relação.

Nessa equipa chegaste a jogar com André Horta que, entretanto, voltou ao Sp. Braga.

- Na altura era o único português na equipa, portanto quando chegou o André foi muito bom para mim, tinha ali outro tipo de suporte. Creio que para ele também foi bom, éramos os dois portugueses ali em LA, imagina. Foi uma época com altos e baixos para os dois, mas no final de contas, passámos muitos momentos bons lá.

Também não estiveste lá muito tempo. No final da época, no âmbito de uma troca de jogadores, voltaste a mudar de Estado, foste para Orlando, para a Florida.

- Sim, estive em LA em 2018, depois acabei por vir para aqui, para Orlando, e estou feliz.

Três anos nos EUA e três estados diferentes. Ohio, Califórnia e Florida. Já conheces bem os EUA…

- Diria que sim, já vivi em três Estados diferentes. Já vivi na costa oeste, agora voltei para a costa leste, portanto já posso dizer que conheço bem o país, também com a quantidade de jogos que fazemos fora de casa, passamos a vida a viajar.

Orlando é a cidade da Disney, é uma cidade com muito turismo.

- Também é uma cidade muito grande, tem muitos turistas por causa da Walt Disney World, pelos parques e muitas atrações que tem aqui. É uma cidade muito multicultural também, tem muitos sul-americanos, muitos brasileiros. É uma cidade boa, a minha integração foi fácil. A equipa também é muito tranquila, também tem muitos sul-americanos. É sempre fácil essa conexão.

Logo a seguir a ti, chegou também o Nani…outro português.

- Chegámos no mesmo ano, eu cheguei logo no início do ano, em janeiro, ele acabou por vir em fevereiro ou março.

Também tens lá o Uri Rosell que também jogou no Sporting. De alguma forma restabeleceste a ligação ao Sporting?

O Uri já cá estava. Vamos sempre falando do Sporting e da liga portuguesa. O Uri também jogou no Belenenses, no V. Guimarães e no Portimonense, portanto conhece muita gente em Portugal, temos muitos amigos em comum.

Como é a tua relação com o Nani. É apenas mais um companheiro ou é mais do que isso por serem os dois portugueses e jogarem muitas vezes no mesmo corredor?

- Claro que com ele é diferente, somos os únicos portugueses na equipa, temos sempre essa conexão extra que não temos com os outros colegas. Somos os dois formados no Sporting e jogamos os dois na ala esquerda, portanto temos de ter essa conexão. Ele ajuda-me muito, claro que ele é um jogador com muita experiência, já fez uma grande carreira e continua a fazê-lo. É alguém em quem me apoio muito, seja em termos de conselhos, sobre o que tenho de fazer no campo, como é que ele gosta de jogar, como quer que eu lhe meta a bola. Também me diz em que circunstâncias o devo ajudar ou ficar mais atrás. é muito fácil ter esse tipo de conversas com ele porque somos os dois portugueses e toda a experiência que ele tem facilita muito.

Em campo falam português um com o outro?

- Claro.

Acabaram por ser os dois eleitos para o melhor onze do ano da MLS. Isso gerou algum comentário no balneário?

- No balneário nada de especial, mas claro que falámos sobre isso, ficámos orgulhoso pelo que temos vindo a fazer esta época. Foi um bom reconhecimento, mas o mais importante para nós teria sido ganhar a final. Acabámos por não conseguir, mas foi um bom reconhecimento.

Depois daquela caminhada, chegaram à final e perderam por um golo. Foi uma grande desilusão?

- Claro que sim. Tínhamos feito um torneio excelente até esse último jogo, tínhamos eliminado equipas que, supostamente, eram candidatas ao título [Montreal Impact, Los Angeles FC e Minnesota United], estávamos muito bem fisicamente e mentalmente também estávamos no sitio certo. Claro que perder uma final é sempre um golpe duro. Lutámos até ao fim, tivemos oportunidades para fazer o empate, mas acabámos por não o conseguir. O desporto é mesmo assim, às vezes ganha-se e às vezes perde-se. Foi um golpe duro, mas estamos prontos para uma nova época.

Foi uma fase final atípica, depois de uma paragem de quatro meses por causa da pandemia.

- Nenhuma equipa estava em condições perfeitas, não eram as circunstâncias ideais para nenhuma equipa, mas não criámos desculpas, continuámos com o nosso trabalho, mantivemos sempre contato com os treinadores, íamos cumprindo os planos semanais que eles nos iam mandando.

Chegaste a estar confinado?

- Sim, claro, durante dois meses não saí de casa, só saía para ir ao parque fazer o meu treininho e voltava logo para casa, nem podia fazer mais. Mas, mesmo de forma individual, continuámos sempre a treinar. Depois no torneio demonstrámos que estávamos bem fisicamente. Já tínhamos algumas rotinas de jogo criadas o que também nos ajudou muito.

E como é que foi voltar a jogar sem os adeptos nas bancadas?

- Ao princípio é estranho. O silêncio. Entrar em campo e não sentir aquele apoio, o barulho no estádio. Mas depois do jogo começar, estamos ali tão concentrados, tão ligados no jogo que já nem faz muita diferença.

Neste percurso tens defrontado grandes jogadores. Ibrahimovic, David Villa, Giovinco, algum que te tenha impressionado mais?

- A MLS tem jogadores de classe mundial, sempre foi assim, mas gosto de jogar contra esses jogadores. O que me impressionou mais foi o Giovinco. Ele é muito baixinho, deve ter 1,65m [tem menos um centímetro], mas tem uma qualidade incrível. Parece que sabe sempre onde estão os outros jogadores, sabe sempre onde é que está o ponta de lança, sabe sempre onde é que o vai encontrar. Tecnicamente, aqui na MLS, é o melhor jogador que já vi aqui.

Os jogadores europeus adaptam-se bem à MLS, achas que podia haver mais portugueses a jogar aí?

- Eu adaptei-me bem, acho que os portugueses adaptam-se em qualquer lado, têm esse espírito, essa abertura para tudo. Aqui nem há muitos portugueses, mas os que estão, estão a cumprir o seu trabalho e estão a destacar-se nas suas equipas.

O Orlando City foi uma das equipas que mais exteriorizou a indignação face aos recentes casos de violência racial. Há uma imagem impressionante dos jogadores ajoelhados no relvado. Foi uma decisão do grupo?

- Sim, foi uma tomada de posição assumida por todos. É sempre bonito quando as pessoas se unem por uma causa.

O Desporto nos Estados Unidos também tem essa força social que não se vê tanto aqui na Europa.

- Sim, tem esse impacto muito grade. Claro que o futebol nem tanto porque, como já disse, não tem o peso dos outros desportos. Mas o basquetebol, o futebol americano e o basebol têm uma audiência muito maior e têm esse impacto gigantesco na sociedade.

Já és titular «indiscutível» no Orlando, objetivos para esta época. Voltar aos play-off?

- Agora temos os play-off em novembro, estamos bem encaminhados, é o nosso primeiro objetivo. Estou muito confiante, nem esperamos outra coisa, depois do que fizemos no último torneio. Depois vamos jogo a jogo, sem pensar na final ou na semifinal sem antes jogar o jogo que está à nossa frente. Aqui a temporada é diferente da Europa. Tem uma primeira fase regular, com duas conferências, depois tem a fase final com eliminatórias. Nessa última fase é só um jogo, é mata-mata, portanto, qualquer coisa pode acontecer. Espero que a equipa esteja numa fase boa para irmos o mais longe possível. Agora espero ganhar mesmo a liga.

E no final da época? É possível voltares a mudar de equipa?

- Sinceramente não sei, agora estou focado nesta época, temos objetivos bem traçados até dezembro. Depois logo se verá. Estou muito feliz em Orlando, sinto-me muito bem na equipa, todo o staff e organização à volta do clube também estão felizes comigo.

E um regresso à Europa? É algo que te passa pela cabeça?

- Não, agora estou cem por cento focado no Orlando, temos uma época para terminar até dezembro. Sentir-me bem onde estou e feliz onde jogo é o mais importante.

Já falaste no Sporting, tens acompanhado a formação deste novo plantel? Tem muitos jogadores da formação, alguns deles jogaram contigo, como o Maximiano, o Jovane ou o Daniel Bragança.

- Tenho acompanhado um bocadinho, tenho visto que o Sporting está a apostar na formação, nos jovens, nos jogadores portugueses. É algo que me faz feliz. É a filosofia certa. Antecipo uma grande época para o Sporting.

O Acuña, pelos vistos, está de saída, fica ali uma vaga em aberto no lado esquerdo…

- [risos] Vamos ver, por enquanto estou feliz aqui.

Para fechar. Saíste lesionado no último jogo [vitória sobre Atlanta United por 3-1]. É grave? Dá para recuperar para o próximo jogo?

- É um estiramento na virilha, ainda não sei bem qual é a gravidade. Não vai dar para o próximo jogo. Vou parar umas semanitas.

Boa sorte João!

Continue a ler esta notícia

EM DESTAQUE