Campeão na Bielorrússia com a bênção de Maradona - TVI

Campeão na Bielorrússia com a bênção de Maradona

Dénis Duarte

Deixou o V. Guimarães e partiu à aventura para a Bielorrússia onde assistiu à «coroação» de Diego Maradona como presidente do Dínamo de Brest antes de arrancar para uma época demolidora que terminou com a conquista de um título inédito. Venha daí conhecer a fantástica aventura de Dénis Duarte

Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências. Sugestões e/ou opiniões: djmarques@mediacapital.pt ou rgouveia@mediacapital.pt

Dénis Duarte cansou-se de esperar por uma oportunidade no Vitória de Guimarães e partiu com armas e bagagens para Brest, na longínqua e gelada Bielorrússia, para uma aventura que começou com contornos surrealistas, com Diego Maradona no relvado, com um anel azul no dedo, e que acabou em apoteose, agora, no início de dezembro, com o Dínamo de Brest a destronar o poderoso BATE Borisov e a roubar-lhe o título de campeão que ostentava há 13 anos consecutivos. Uma história de sucesso rápido que o jovem central espera que, agora, possa abrir novas portas. Para já, tem a Liga dos Campeões no horizonte.

Um salto gigante para o jovem defesa que nasceu há 25 anos na Marteleira, no concelho da Lourinhã, ali mesmo no centro de Portugal. Foi precisamente aí que encontrámos Dénis Duarte, acabadinho de chegar a Portugal, depois de ter percorrido os mais de 3,500 quilómetros que separam Brest da Lourinhã. Deixámos o rapaz pousar as malas, matar saudades da família e marcámos novo contato para o final do dia.

Voltámos a falar com Dénis já em casa, bem perto onde tudo começou, na Lourinhã. «Desde que me lembro, sempre joguei futebol. Onde quer que estivesse, tinha sempre uma bola comigo. Tenho muitas memórias de infância e em quase todas elas tinha sempre uma bola. Jogava na rua com os amigos que viviam ali perto, jogava na escola, depois comecei a treinar. Era o dia inteiro a jogar à bola».

Do Lourinhanense ao V. Guimarães

De facto, aos dez anos, Dénis já estava no Lourinhanense, sob a liderança do treinador Lupeta Monga, pai de Jucie Lupeta com quem o jovem defesa construiu uma amizade que se mantém inabalável até aos dias de hoje. «Começámos juntos na mesma altura, no início ele não podia jogar, mas depois começámos a jogar juntos e fizemos uma época invencíveis ou só com uma derrota, já não me lembro bem. Mas o primeiro ano que jogámos juntos foi muito bom», recorda. Jucie Lupeta também teve um percurso bem interessante, já contado aqui nas páginas do Estórias Made In [recorde aqui].

Foi nessa altura, à medida que o corpo começou a esticar para os atuais 1,90 metros, que Dénis começou a recuar de médio para o eixo da defesa. «Não era muito alto, mas a partir dos 14/15 anos dei um salto». No Lourinhanense, já nos juvenis, saltou para o Torrense que tinha acabado de subir de divisão no escalão e, rapidamente, começou a dar nas vistas. O Vitória de Guimarães foi o primeiro a bater à porta. «A época estava a correr-me bem, falaram com o meu empresário, eu já queria jogar ao mais alto nível, portanto, não hesitei».

Aos 18 anos, Dénis começava a acreditar numa carreira como profissional e as instalações do clube minhoto faziam-no sonhar com os palcos maiores do futebol português. É que a oportunidade estava mesmo ali ao lado, a poucos metros, onde treinava a equipa principal, mas a verdade é que os anos foram passando e Dénis Duarte não saía da equipa B. «Fiz quase todos os jogos na equipa B, mas poucos na equipa principal».

Acumulou jogos atrás de jogos ao longo de três temporadas, mas a instabilidade da direção técnica da equipa principal do Vitória, com sucessivas passagens de Rui Vitória, Armando Evangelista, Sérgio Conceição, Pedro Martins, Vítor Campelos e José Peseiro, não permitiram uma maior atenção sobre as ambições do jovem central.

Tudo somado, apenas meia-dúzia de jogos na equipa principal do Vitória, nem isso. «Fiz quatro jogos. Fiz um com o Pedro Martins para a Taça de Portugal, ganhámos 6-1 ao Vasco da Gama da Vidigueira e marquei um golo de cabeça. Depois fiz um jogo com o mister Vítor Campelos e mais dois jogos com José Peseiro». Muito pouco. «Esperava mais oportunidades porque as épocas estavam a correr-me bem e sempre que fui chamado à equipa principal acho que estive à altura», desabafou.

A caminho de Brest

Estava na altura de experimentar outras vias e Dénis Duarte estava disposto a arriscar. Falou com o grupo empresarial que o representa e pediu alternativas. «Queria experimentar alguma coisa nova, se possível no estrangeiro. Surgiu uma oportunidade e aceitei». Dínamo Brest, na Bielorrússia? «Sinceramente não conhecia praticamente nada. Depois de surgir a oportunidade, fui pesquisar um pouco», conta. Em maio fez o último jogo pelo Vitória B, frente ao FC Porto B, em junho aterrava em Brest.

Uma cidade com cerca de 300 mil habitantes, junto à fronteira com a Polónia e que serve de porta para o ocidente. «É uma cidade muito tranquila, mas que tem os melhores adeptos do país, vivem muito o clube. Todas as outras cidades não têm o mesmo ambiente nos estádios, nem de perto. Mas a cidade é muito tranquila», começa por contar. Uma cidade com uma arquitetura austera, dos tempos da União Soviética, que tem como símbolo maior a fortaleza, um enorme memorial que assinala uma das mais sangrentas batalhas da II Grande Guerra Mundial, com milhares de mortos entre as forças do Exército Vermelho e a Wehrmacht.

«Não tem muitas atrações turísticas, tem lá um memorial enorme relativo à II Guerra Mundial, já andei por lá a visitar, mas sinceramente não sei muito sobre o monumento. Fui lá sozinho e não fiquei a saber muito», contou ainda.

Os primeiros tempos em Brest não foram fáceis. Dénis Duarte até «falava um pouco de inglês», mas do outro lado só se falava russo. «Senti algumas dificuldades ao início, com a língua e mesmo o futebol lá é bastante diferente de Portugal, é bem mais físico. Ao início senti-me um pouco incomodado, mas fui-me adaptando».

Um dia com Maradona

Dénis Duarte estava há poucos dias em Brest quando a cidade veio à rua esperar… Diego Maradona. Não se falava noutra coisa em Brest. «Eu tinha acabado de chegar, foi logo na semana a seguir, só o vi dessa vez». O antigo craque argentino, segundo anunciava a imprensa, tinha assinado um contrato de três anos para ser presidente do clube. As notícias eram confusas, apontavam em várias direções. Uns diziam que seria apenas presidente honorário, outros garantiam que teria plenos poderes no futebol e outros falavam apenas num acordo para ser comentador televisivo.

A verdade é que Maradona chegou mesmo a Brest. Aterrou num jato particular, desfilou pela cidade num veículo militar, deu uma conferência de imprensa e foi ao relvado cumprimentar os jogadores. «Apareceu no relvado a cumprimentar-nos. Ficámos um pouco surpreendidos e de boca aberta, estava ali uma lenda, mas estávamos todos orgulhosos», conta Dénis que, devido às dificuldades de comunicação, não percebia bem o que se estava a passar. «Ele esteve no balneário connosco, fez um discurso em castelhano, com um tradutor que ia traduzindo para russo. Nem me lembro bem o que disse, estava ainda a tentar apanhar o russo, apanhei só algumas palavras soltas em espanhol, mas não percebi nada».

Era tudo muito estranho, quase surrealista, mas durou apenas um dia. A verdade é que pouco mais de um mês depois, Diego Maradona recebia um novo banho de multidão a quase dez mil quilómetros de distância de Brest, em Sinaloa, no México, para onde foi treinar os Dorados. Dénis Duarte nunca mais ouviu falar em Maradona. «Não sei se ainda é presidente do clube ou não, não faço ideia. Nunca mais o vi, nem ouvi falar nisso».

Um episódio à parte que marca os primeiros tempos de Dénis em Brest. «Estou bem instalado, dá para passar bem o tempo. Treinamos de manhã e vamos almoçar todos juntos. Passo mais tempo com os jogadores estrangeiros porque, como não têm família, são os que estão mais disponíveis. Passo mais tempo com o grego, Georgios [Katsikas], ou com o camaronês, o Kiki [Gabi]. Esses são os que passo mais tempo, mas também me dou bem com Oleksandr Noiok, um ucraniano, dou-me bem com todos».

O plantel até tem várias nacionalidades, mas só se fala uma língua, o russo. «Já dou uns toques, mas não é fácil. Se for, por exemplo, à cidade, ao restaurante ou ao supermercado, consigo desenrascar-me, mas ainda não consigo ter uma conversa fluída».

Depois, em campo não há problema, fala-se a linguagem universal do futebolês, mas com alguns equívocos pelo meio. «É mais fácil, mas às vezes queres dizer uma coisa, soletras mal e desata-se tudo a rir. Há palavras muito parecidas em russo e basta mudar uma letra e tem um significado completamente diferente».

O treinador Marcel Licka também é estrangeiro, chegou da República Checa, e, além de falar russo fluentemente, também fala espanhol, inglês e francês. «Conseguimo-nos entender bem, sem problemas».

Golo na estreia como titular

O clube foi fundado em 1960, ainda com o nome de Spartak de Brest, mas só recentemente ganhou estatuto, com a chegada de um novo investidor. Subiu ao primeiro escalão há cinco anos e, desde então, conquistou duas Taças e duas Supertaças da Bielorrússia, até que este ano chegou ao primeiro título de campeão. «Não se pode comparar com Portugal, o V. Guimarães, por exemplo, tem outro nível de instalações, são bem melhores. O futebol aqui na Bielorrússia não está tão desenvolvido, nem é o desporto-rei. Mas o novo presidente está a investir, o clube está a tornar-se mais profissional e esta época já se notaram grandes melhorias nas condições. Isso também explica o sucesso desportivo que tivemos», conta Dénis.

Tudo era novo para Dénis, o treinador também tinha acabado de chegar e o jovem central, já com a época a decorrer, demorou a ser primeira opção. Mas na estreia como titular, em setembro de 2018, em casa, frete ao Dínamo de Minsk, deixou logo a sua marca bem vincada, com um daqueles golos de levantar o estádio. «Foi logo na estreia e foi com o meu pé esquerdo», recorda.

Uma estreia com golo que lhe permitiu ganhar definitivamente um lugar no onze. Esta época já começou como titular. Uma época quase perfeita, diga-se. A equipa partiu para uma série imparável na corrida para o título acumulando 23 vitórias, 6 empates e apenas uma derrota. «Foi quase perfeito, só um jogo é que não nos permitiu chegar ao fim invencíveis. Ainda por cima foi mesmo no último jogo da primeira volta. Perdemos na capital com o Dínamo Minsk por 1-2».

O BATE Borisov, campeão consecutivo nos últimos treze anos, era o alvo a abater. Logo a abrir a temporada bateram os campeões na disputa da Supertaça por 3-1, depois no campeonato venceram primeiro fora por 1-0, depois empataram em casa 1-1. «Foram os dois jogos muito difíceis, mas acho que tivemos bastante superioridade e conseguimos controlá-los do princípio ao fim».

A festa do título

A verdade é que os resultados permitiram ao Dínamo Brest chegar à penúltima jornada com cinco pontos de avanço sobre os rivais. A festa do título fez-se mesmo em casa, frente ao FC Vitebsk, com uma vitória por 1-0. «Foi uma grande festa com os nossos adeptos. Eles vão connosco para todo o lado, às vezes com deslocações de oito ou nove horas de autocarro ou de comboio. Foi muito bom para eles. A festa foi no estádio, foi logo ali no relvado, houve uma invasão de campo e festejámos todos juntos». Começou no relvado e prosseguiu, depois, no balneário, entre cânticos e garrafas de champanhe.

Um título especial, até porque foi o primeiro do Dínamo de Brest. «Claro que foi especial. Ainda por cima para quem vem de fora. Andávamos todos orgulhosos».

Esta festa foi apenas há uma semana. É que devido ao rigoroso inverno na Bielorrússia, a época começa no final de março e termina no início de dezembro. A partir daqui é quase impossível jogar-se. «O ano passado foi bem pior. Este ano, nos últimos jogos já estava muito frio, mas na época anterior chegou a ser terrível. Nas duas últimas semanas foi muito difícil, mas senti isso mais nos treinos. Na última jornada caiu mesmo um nevão, mas estava suspenso por cartões e não joguei. Não dá mesmo para jogar futebol com aquelas temperaturas. Eles jogam, mas para mim é muito complicado. Eu cheguei a jogar com dez graus negativos, mas eles dizem-me que já chegaram a jogar com menos 20/25 graus. Essas temperaturas já não apanho porque é na altura que venho de férias para Portugal», conta.

Foi o caso. Depois de mais uns dias de festa em Brest, com o mercúrio dos termómetros a cair de forma quase visível, Dénis Duarte regressou a Portugal. Tinha oito meses acumulados de saudades da família e dos amigos. «Agora só quero estar com os amigos, rever a família e descansar».

Umas férias curtas, uma vez que o início da pré-época está marcado para 12 de janeiro, mas agora com um novo objetivo aliciante pela frente. A equipa vai preparar-se para as pré-eliminatórias da Liga dos Campeões. «Qualquer clube numa posição destas tem de dar tudo para chegar o mais longe possível. Quero fazer, pelo menos, mais uma época lá. Sinto-me bem em Brest, tenho jogado, mas no futebol nunca se sabe».

A verdade é que, durante estas férias, o mercado vai voltar a abrir na Europa e Dénis Duarte guarda a esperança de um dia poder voltar a jogar ao mais alto nível no seu país. «Se surgir alguma coisa logo se verá. Claro que gostava de triunfar aqui, é o meu país, seria sempre melhor, mas para já estou bem lá», conta ainda já em jeito de despedida. чемпион удачи! [Boa sorte campeão, em russo].

Artigo original: 08/12/2019; 23h50

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