«Estou de volta ao início da minha própria vida» - TVI

«Estou de volta ao início da minha própria vida»

Abel Xavier

Abel Xavier, antigo internacional português, verdadeiro «globetrotter» do futebol internacional, está de regresso às origens, a Moçambique, para tentar emancipar os Mambas para o futebol mundial. Fomos falar com selecionador de Moçambique na véspera de dois jogos determinantes para o futuro dos Mambas na corrida para a CAN2019, mas a conversa acabou por ir bem mais longe.

Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências. Sugestões e/ou opiniões para djmarques@mediacapital.pt ou rgouveia@mediacapital.pt

 

Abel Xavier está de regresso às origens, a Moçambique, para a missão da sua vida. Depois ter chegado a Portugal com três anos de idade, formou-se no Sporting, emancipou-se no Estrela da Amadora e internacionalizou-se no Benfica. Depois jogou por essa Europa fora, jogou em dois clubes italianos, um espanhol, um holandês, três clubes ingleses, um turco, um alemão e ainda um norte-americano. Um verdadeiro globetrotter que agora está a aplicar todos os conhecimentos adquiridos ao longo da carreira na emancipação da seleção de Moçambique. Já conseguiu o feito inédito de esgotar o Estádio Nacional do Zimpeto e mobilizou a população em torno dos Mambas. Passou por momentos de grande felicidade, com a vitória na Zâmbia, e outros e forte apreensão, com as derrotas diante da Namíbia. Agora prepara a equipa para dois jogos determinantes que vão ditar o futuro de Moçambique na corrida para a CAN2019.

Encontrámos, portanto, um Abel Xavier muito atarefado a preparar precisamente esse dois jogos, primeiro com a Zâmbia, em casa, depois com a Guiné-Bissau, fora, mas a verdade é que a conversa prolongou-se e, além do trabalho infindável que Abel Xavier tem pela frente, ainda deu tempo para regressar ao «cruel» Euro2000 e acabar com o «reconfortante» Euro2016 e ainda recordar os treze clubes que o antigo internacional português representou ao longo de uma recheada carreira.

Uma história que começa a 20 de novembro de 1972, em Nampula, no norte de Moçambique, terra natal de Abel Xavier, mas as primeiras memórias são do Vale do Jamor, já em Portugal. «Vim para Portugal muito novo, com cerca de três anos. A minha chegada não foi fácil, não só para a minha família, mas para muitas famílias naquela altura. Foram tempo difíceis. Portugal abriu portas, mas não estava preparado para o fluxo de entrada de muita gente que vinha dos países africanos, mas de qualquer maneira, fui inserido num contexto de comunidade», começa por contar. Apesar de tudo, Abel Xavier teve uma infância feliz. Cresceu num bairro clandestino no Vale do Jamor e foi ali, onde hoje em dia existem os campos nº3 e nº4 no Complexo do Estádio Nacional, que deu os primeiros pontapés na bola. «Estas situações acontecem não porque se goste de viver nessas circunstâncias, mas porque não havia alternativa. Posso assumir que fui um miúdo de bairro, com muito orgulho. A minha irreverência apareceu muito cedo derivado ao bairro».

Uma experiência de vida que lhe serve como ferramenta na atualidade, como selecionador de Moçambique. «Sem dúvida, a minha história de vida, aquilo quem sou hoje resulta daquilo que vivi na primeira pessoa, fundamentalmente nas voltas que muitas vezes a vida nos apresenta. Agora estou de volta ao início da minha própria vida, mas com uma larga vivência a vários níveis, respeitando essa mesma evolução, com tudo o que o futebol me proporcionou, para que agora possa devolver ao país que me viu nascer. Eu costumo dizer que nada acontece por acaso», conta.

Abel Xavier regressou a Moçambique como selecionador mais de quarenta anos depois de ter trocado Nampula pelo Jamor, mas pelo meio nunca cortou verdadeiramente as raízes com o país de origem. «Sempre mantive família em Moçambique, houve uma parte que veio para Portugal, mas houve outra que sempre permaneceu em Moçambique. Ao longo da minha carreira internacional, muitas vezes foi difícil viajar para Moçambique, mas fui-o fazendo por várias vezes ao longo dos anos. Tenho familiares muito próximos, nomeadamente a minha mãe, que há mais de vinte anos que está em Moçambique, mas tenho família em várias províncias. Foi sempre um país que visitei regularmente».

Abel Xavier não foi, portanto, surpreendido pela realidade que encontrou no regresso a casa. «A verdadeira essência de uma pessoa nunca perde as suas raízes e o contato com elas. Por muitos países em possa ter estado e vivido e por muito que tenha aprendido, a minha ligação será sempre com África e com Moçambique. Quando é assim, vamos sempre tentando perceber o estado de evolução do país. Portanto, quando voltei, voltei totalmente informado sobre a realidade do país, nada me surpreendeu daquilo que encontrei, nada me surpreendeu no dia-a-dia, nada me surpreendeu da própria mentalidade. Eu cresci muito próximo da realidade moçambicana, portanto estava totalmente identificado nas várias áreas do meu país».

Moçambique, tal como Portugal, está muito centralizado na sua capital, Maputo, mas Abel Xavier, também por força do seu trabalho, conhece bem todas as províncias. De Maputo, a sul, passando pela sua Nampula natal até Cabo Delgado, no norte. «Eu nasci numa província [Nampula], tenho ramificações familiares noutras províncias e, obviamente, como selecionador nacional, numa das medidas que tomei, viajo muito pelo país, o que não acontecia no passado com os meus antecessores. A figura de selecionador tem de ser uma figura de aproximação. As coisas estavam muito centralizadas na capital, havia um domínio obviamente dominante dos clubes da capital, mas penso que a matéria-prima produzida nas províncias merecia uma atenção especial da minha parte. Viajei a todas as províncias, comuniquei com todos os meus colegas treinadores, com os presidentes. Fui um elo de ligação. Numa fase inicial houve dificuldades, mas estou totalmente identificado com a realidade do país».

Moçambique já deu muitos jogadores a Portugal, a começar pelo próprio Abel e, acima de todos, Eusébio, mas nunca teve sucesso a nível de seleções. Abel Xavier garante que continua a haver talento no país. «Moçambique, por uma ou outra razão, potencializou outras seleções, como é o caso da seleção portuguesa, que tem muitas referências, e neste caso uma ímpar que se chama Eusébio. A determinado momento questionei-me se de facto a matéria-prima moçambicana tinha deixado de se formar, uma vez que crescia em extremas dificuldades, no futebol de rua. Mas o que encontrei foi uma nova geração de jogadores moçambicanos muito rica em todas as províncias. Comecei a situar o quadro das equipas de formação e fui descobrindo o talento que estava espalhado pelo país. Neste momento estou muito bem identificado sobre o potencial do jogador africano. É lógico que também tem de ser feito um trabalho de visualização internacional para que o mercado moçambicano possa competir com outras realidades africanas. Neste momento vemos muitos jogadores guineenses, cabo-verdianos e angolanos a entrar em Portugal e não tenho dúvidas que num futuro muito em breve o jogador moçambicano vai conseguir internacionalizar as suas carreiras de forma mais frequente», conta.

À conquista de um povo

Abel Xavier assumiu o cargo de selecionador em 2016 e encontrou um país virado de costas para a seleção. «Havia uma tal descrença na seleção nacional e do meu ponto de vista a seleção nacional é para todos. Tive de estruturar o modelo, aumentar a competitividade interna, tive que melhorar a imagem de rigor e disciplina que este espaço deve representar. No fundo, criar uma identidade nova, alterar uma metodologia que estava inserida de forma transversal, porque as seleções trabalhavam de forma descoordenada. Temos tendência a ter uma mentalidade resultadista, mas depois a parte formadora não está em sintonia. Além da luta pela qualificação, tive de percorrer esta estrada que muitas pessoas podiam não entender a médio e longo prazo. Tive de implementar um modelo cíclico que pudesse ter continuidade, independentemente da pessoa que estiver à frente do projeto».

Em pouco mais de um ano e meio de trabalho, Abel Xavier conseguiu atrair o povo para junto dos Mambas. A vitória na Zâmbia (1-0), no arranque para a qualificação para a fase final da Taça das Nações Africanas (CAN2019), serviu com mola impulsionadora. A verdade é que no jogo seguinte, o Estádio Nacional do Zimpeto, construído em 2011, esgotou pela primeira vez em setembro deste ano, com a receção à Guiné-Bissau. «Existe uma crença renovada por parte do povo moçambicano face à seleção. Conseguimos, de forma progressiva, passar de uma audiência inicial de cinco mil pessoas para 41 mil atuais. Enchemos o Estádio Nacional do Zimpeto no último jogo com a Guiné-Bissau. Esse já é um indicador enorme de crescimento a vários níveis de um país que tem uma grande força e que se quer afirmar. Essa satisfação de conseguirmos aglutinar as pessoas com um bom futebol que não pode descriminar, com um futebol que não pode excluir, penso que foi muito gratificante termos conseguido pela primeira vez encher o Estádio Nacional do Zimpeto pouco após a sua construção. Há maior exigência, mas fomos nós que contribuímos para este elevado grau de expetativa e as equipas, não só a seleção principal, mas também as de formação, estão a corresponder e vão crescer mais. Nós ambicionamos participar nas grandes campanhas, mas sabendo que no mundo do futebol há sempre tudo por fazer. As pessoas podem não ter memória daquilo que foi o início, muitas vezes isso não é valorizado», conta.

Abel Xavier teve um papel determinante neste novo amor pela sua seleção, até pelos vídeos promocionais que divulgou a convocar todos os moçambicanos para os jogos mais importantes. «Não devemos temer comunicar de forma produtiva o que estamos a fazer. Muitas vezes podemos não ser entendidos, podemos ser criticados, mas com a comunicação as pessoas ficam a saber quais são os passos, as etapas, o que é que o selecionador nacional faz. Esta fidelização às pessoas tem muito a ver com comunicação. Beneficia toda a estrutura da federação. Temos de saber comunicar da melhor maneira possível aquilo que sabemos».

 

A verdade é que passada a euforia da vitória na Zâmbia, Abel Xavier passou por um período mais complicado. Empatou em casa com a Guiné-Bissau e perdeu os dois jogos com a Namíbia, complicando as contas no Grupo K. «Em África existem razões para determinados resultados. Essas razões, do meu ponto de vista, estão bem identificadas. Nós, num primeiro momento, produzimos um feito inédito, que foi a vitória na Zâmbia. De certa forma produzimos um alerta sobre o que estávamos a fazer e isso de alguma forma criou muitos anticorpos. Moçambique tinha um grande problema de afirmação. Com as alterações que implementámos, com o novo modelo de jogo, com capacidade dos jogadores poderem defrontar os adversários tanto em casa como fora da mesma forma, houve vários fatores que neste momento nos fazem ser uma equipa que já não é submissa, uma equipa que domina os adversários, que consegue absorver pressão. Isto permite afirmarmo-nos perante os adversários. A nível de condições de estrutura e condições de trabalho, obviamente que há outros países que oferecem melhores condições, mas no jogo jogado, no que podemos controlar, temos sido competentes. Os jogadores acreditam cada vez mais. Havia um deficit competitivo e falta de autoestima competitiva, havia receio. Eramos considerados pequenos ou inferiores. Conseguimos mudar este pensamento. As outras equipas em África passaram a respeitar-nos mais depois da vitória na Zâmbia. Mas também abrimos outras frentes, outras dificuldades. O jogo com a Guiné-Bissau e os dois compromissos com a Namíbia houve contornos que alteraram a verdade do jogo e aquilo que estávamos a fazer. Nesses três jogos não deixamos de ser dominantes, não deixamos de marcar, não deixamos de estar à frente do marcador, mas depois houve situações que mudaram o resultado».

Abel Xavier fala em casos de arbitragem que atrapalharam as contas dos Mambas. No caso do jogo com a Guiné, Moçambique estava a vencer por 2-1, mas a Guiné empatou nuns descontos «alargados». «Empataram aos 98 minutos, mas ninguém conseguiu entender porque é que houve mais quatro minutos sobre os quatro da compensação. No jogo com a Namíbia ninguém entendeu porque é que não foi marcado um penalti sobre o Ratifo e como foi anulado um golo no último minuto. Queremos jogar com neutralidade, não queremos que nos impeçam de ganhar. Também cometemos erros, mas a sensação que existe é que lutamos contra tudo e contra todos. Mas também é isso que nos faz fortes».

A Guiné-Bissau e a Namíbia lideram agora o Grupo K, com sete pontos, mais três do que Moçambique e a Zâmbia. Com dois jogos por disputar tudo é possível e Abel Xavier está otimista. «A minha expetativa é ganhar esses dois jogos. Estamos a preparar-nos para isso mesmo. O próximo jogo com a Zâmbia é decisivo para as duas equipas. Apelo a todas as pessoas que continuam a acreditar, e que são muitas, que se mantenham coesas, unidas e a acreditar no que estamos a fazer. Independentemente de nos terem tirado aquilo que era o objetivo de todos. Como não existem equipas perfeitas que ganhem todos os jogos, eu queria que as pessoas continuassem a acreditar que é possível lutarmos pelo objetivo que nos propusemos que é estar no próximo CAN. Agora só posso estar otimista sobre aquilo que posso controlar, mas não deixo de estar pessimista por outras questões».

Abel Xavier assinou inicialmente um contrato válido por dois anos, mas em dezembro de 2017, renovou por mais ano e meio, até ao início da CAN. Os próximos dois jogos vão, assim, também determinar o futuro de Abel Xavier à frente dos Mambas. «Um projeto de seleção e de reconstrução é um projeto a longo prazo, mas também acredito que a mentalidade do futebol que é mais resultadista, por uma ou outra razão, pode interromper aquilo que são os desejos das pessoas. Não tenho dúvidas que o processo que iniciei é um processo de continuidade. O meu contrato e a minha renovação foi de encontro a uma solução que apresentei à federação para crescermos cada vez mais em busca de determinados objetivos. O modelo está à margem da minha pessoa e isto é que considero construir. A ideia de interromper o contrato e não dar continuidade às ideias que foram implementadas seria dar um passo atrás. Existe uma base de dados, um trabalho que é registo propriedade da federação. Quando cheguei não encontrei nada em que me pudesse apoiar, mas de alguma forma existe matéria importante na evolução do meu trabalho. O me contrato termina dentro de seis/sete meses, na altura da CAN. Haverá oportunidade pata monitorizar o que é melhor para ambas as partes. Neste momento estou muito concentrado no trabalho», explicou.

Euro2000: «Merecíamos ter ganho aquele Europeu»

Abel Xavier fez parte da chamada «Geração de Ouro», sob o comando de outro moçambicano, Carlos Queiroz. «Se há uma grande figura que eu nutro um grande respeito e consideração é o professor Carlos Queiroz por tudo o que representou na minha formação e na minha integração na seleção. Desde o associativismo nacional e pelo facto de ter sido um dos jogadores de II Divisão [Abel Xavier jogava no Estrela da Amadora] a debutar na seleção principal. O Carlos Queiroz é uma figura com a qual tenho uma relação profissional de mais de dez anos. Primeiro num conceito de formação, depois tenho uma amizade que irá perdurar. Existe respeito, consideração máxima, conversamos sempre que nos encontramos em Moçambique. Segui atentamente a bonita prestação que teve com o Irão no Mundial. Portugal, com o conceito de formação que ele implementou, formou jovens com mentalidade de adultos e isto é algo que deve ser reconhecido. Da minha parte, máxima consideração pelo professor Carlos Queiroz».

Foi essa «Geração de Ouro» potencializada por Carlos Queiroz que deu início à série de dez fases finais de Europeus e Mundias que Portugal tem participado nos últimos dezoito anos. Abel Xavier deu o pontapé de saída para a qualificação para a primeira destas fases finais, ao marcar o terceiro golo à Hungria que permitiu a Portugal chegar ao Euro2000 no segundo lugar do grupo atrás da Roménia. «Lembro-me perfeitamente. Estávamos a jogar com dez [Pauleta tinha sido expulso], foi um cruzamento do Luís Figo do lado direito no Estádio da Luz e eu marquei de cabeça», recordou.

Um Campeonato da Europa a que Abel Xavier ficou intimamente ligado pelo aquele corte com a mão que proporcionou a grande penalidade a Zinedine Zidane na meia-final. Portugal ficava pelo caminho. «Fiquei marcado pela qualificação e pelo Euro em si, pelo lance da meia-final. É uma história daquelas cruéis porque no futebol jogado apresentámos o melhor futebol europeu, com uma geração que posso dizer de ouro. Ouro escovado, porque a geração de ouro polido foi a que venceu, foi a geração de Cristiano Ronaldo. De qualquer forma, posso dizer que o Euro2000 marcou-me de forma negativa, porque estive envolvido no lance polémico, mas por outro lado, de uma forma positiva porque deu para perceber de facto com quem contava na minha vida desportiva. O castigo foi cruel, foi injusto acima de tudo, mas eu ficaria pela beleza e pelo rendimento coletivo que tivemos. Merecíamos ter ganho aquele Europeu», recorda.

Dezasseis anos depois, como o Abel referiu, Portugal ganhou de facto o Europeu, ainda por cima, com um triunfo sobre a França na final. Reposta a justiça? «Senti-me de alguma forma reconfortado. Temos de ter a capacidade de olhar para trás e entender que tivemos uma França ao longo da nossa formação que nos incomodava muito. Talvez tenha sido o maior adversário da formação no quadro das seleções. Portugal ter-se afirmado da forma como se afirmou em solo francês deu alegrias a todos os portugueses e a todos os africanos que gostam da seleção portuguesa. A mim pessoalmente foi reconfortante porque teve uma sensação de justiça feita muito agradável. Foi reconfortante, mesmo que os intérpretes tenham sido outros», desabafou.

Passados dezoito anos sobre o Euro2000, Abel Xavier continua a surpreender com os seus penteados extravagantes. Uma das suas imagens de marca ao longo da carreira. Hoje em dia diz que ficou «refém» dessa mesma imagem. «Pintei o cabelo pela primeira vez antes do Euro2000. Qualquer jogador que de alguma forma chega uma determinado patamar de exigência e adota uma imagem, aliada a um grande profissionalismo e rigor, como foi o meu caso, muitas vezes é mal-entendido pela imagem. Exigem pré-julgamentos através daquilo que se vê. Muitas vezes colocam-nos como reféns daquilo que nós criamos. Também sinto-me bem na pele em que estou, é algo que encaro neste momento com naturalidade. Temos de nos assumir pelo aquilo que somos, pelo aquilo que gostamos de fazer, por aquilo que pretendemos fazer, respeitando as pessoas e fazendo o nosso próprio caminho».

13 clubes, 13 impressões de uma carreira ímpar

Abel Xavier é treinador desde 2013, quando treinou pela primeira vez o Olhanense, mas antes disso teve uma longa carreira como jogador, com passagem por treze clubes diferentes. Como a entrevista já ia longa, lançamos o desafio a Abel de dizer que lhe viesse à cabeça sobre cada um dos clubes que representou:

Sporting, 1980/1988: fez a formação no clube de Alvalade desde os oito anos e foi dispensado aos 17, ainda com idade de júnior.

«Formação. Fui dispensado, saí e fui para o Estrela da Amadora».

Estrela Amadora, 1989/1993: estreia como sénior e primeiras internacionalizações. Somou 81 jogos,  marcou cinco golos e foi campeão da II Divisão.

«Companheirismo. Continuo muito ligado ao Estrela foi onde passei os anos mais importantes na minha transição para o futebol. Houve pessoas que deram continuidade à minha boa formação. O Estrela será sempre um clube que irei ter em conta e pretendo ajudar no futuro. Não devemos esquecer determinadas passagens»

Benfica, 1993/1995: campeão nacional e duas Taças de Portugal. Somou 65 jogos, marcou 5 golos.

«Expoente máximo na minha passagem por Portugal e pela internacionalização da minha carreira. Valeu pela visibilidade internacional, pela dimensão de compreender a mística de um clube com a grandeza do Benfica. Acho que isso só se pode entender quando se ganha algo. Sendo campeão nacional pelo Benfica compreendo a necessidade de ganhar do Benfica. Estarei sempre ligado ao Benfica pelo que ganhei, mas estarei também sempre ligado pelo aquilo que representou na integração da minha carreira internacional».

Bari, 1995/1996: primeira experiência no estrangeiro não foi feliz, fez apenas oito jogos.

«Foi uma transição muito curta, o destino era o Parma. Foram tempos difíceis, época difícil. Tive uma adaptação complicada que me fez voltar ao Benfica e depois fui cedido ao Real Oviedo».

Oviedo, 1996/1998: recuperação da alegria de jogar. 58 jogos em duas temporadas.

«Foi a cidade, o clube e as pessoas que recuperaram a minha autoestima enquanto jogador numa fase difícil».

PSV Eindhoven, 1988/1989: encontro especial com Bobby Robson, 27 jogos, dois golos

«Foi um encontro com uma realidade completamente diferente em termos organizacionais. Um clube de dimensão muito grande onde não faltava nada e onde tive o privilégio de ter trabalhado com Bobby Robson. Só isso eleva a minha passagem pelo PSV Eindhoven».

Everton, 1999/2001: o cumprir de um sonho, 47 jogos

«O meu sonho e as minhas características atléticas tinham um mercado e tinham um objetivo. Era o campeonato inglês. Na altura era difícil entrar, ainda é, no mercado inglês, era muito complicado. Passar estes anos em Inglaterra e afirmar-me como jogador respeitado e reconhecido foi muito importante. A passagem pelo Everton também fica marcada pela minha saída para o Liverpool».

Liverpool, 2001/2002: transição histórica, 21 jogos, 2 golos

«Ter jogado em dois grandes clubes centenários da mesma cidade, em que, historicamente, só cruzaram de um clube para o outro cerca de quatro ou cinco jogadores, penso que é um marco importante na minha vida desportiva. Fui um privilegiado por viver a atmosfera deste grande clube, fez de mim melhor jogador, sempre em busca de mais e melhor».

Galatasaray, 2002/2003: um pedido interior. 11 jogos

«A minha passagem do Liverpool para o Galatasaray foi incrível. Lembro-me de ter ido jogar uma fase de grupos onde estava o Liverpool, o Galatasaray, o Bayer Leverkusen e penso que o Barcelona também. Era o primeiro jogo internacional do Liverpool na Liga dos Campeões desde 1985, desde a tragédia de Heysel. Ia à Turquia jogar contra o Galatasaray. Vesti a camisola do Liverpool e fui jogar ao antigo Estádio Ali Sami Yen, em Instambul. Vivi durante esse jogo emoções fantásticas ao ponto de pensar que um dia gostaria de jogara ali. Foi um pedido interior, movido pelo fanatismo do adepto turco, pelo calor das bancadas. Embora jogasse pelo Liverpool, desejei um dia jogar pelo Galatasaray. E aconteceu logo a seguir. Oito meses depois o Fatih Terim falou comigo, eu pedi para sair do Liverpool e fui mesmo para o Galatasaray ter uma experiência única. Daí ainda hoje ser uma pessoa muito respeitada na Turquia e pelos fãs do Galatasaray».

Hannover, 2003/2004: solução de Jorge Mendes, a duas horas do fecho de mercado. 5 jogos.

«A passagem por Hannover não estava prevista. Foi no mercado de janeiro. Tinha um compromisso para ir para um grande clube europeu, mas as coisas não correram bem e, para não ficar sem jogar seis meses, fui para a Alemanha. Quem me ajudou na altura foi o empresário Jorge Mendes que em duas horas encontrou uma solução para eu ir para o Hannover 96. Se me perguntassem na altura se tinha como objetivo jogar na Alemanha, não tinha, mas foi a solução encontrada a duas horas de fechar o mercado. Foi uma experiência interessante, compreender a mentalidade alemã, muito rica, mas no fundo fez-me querer voltar ao campeonato onde me identificava mais, que era o inglês.

Roma, 2004/05: a pedido de Del Neri, 4 jogos

«Foi uma experiência feliz. O futebol cruza pessoas distantes de uma forma incrível. Del Neri tinha estado no FC Porto, saiu de forma muito precoce e foi para a Roma. O diretor Franco Baldini, que eu já conhecia, ligou-me e disse-me que o Del Neri apreciava as minhas qualidades. Queria que eu fosse para lá. Há coisas que não acontecem por acaso. Depois de uns meses no Hannover, numa época em que não fui feliz, fui para a Roma com o Del Neri. Uma cidade fantástica, mas acabei por jogar pouco numa época em que tivemos quatro treinadores. Foi mais uma experiência boa do ponto de vista da maturidade, a Roma tinha um balneário muito complicado».

Middlesbrough, 2005/2006: o regresso onde já tinha sido feliz, 26 jogos, um golo

«O regresso ao campeonato onde fui feliz. Conseguimos jogar a Taça UEFA, mas depois tive um grande problema, mas fui amparado pelo presidente do clube. Prova disso é que me propôs a renovação do contrato, mas acabei por optar por uma experiência diferente, fora da Europa».

LA Galaxy, 2007/08; atrás de David Beckham e de um novo mundo. 25 jogos

«Já tinha em mente compreender outras questões relacionadas com o futebol e fui para os Estados Unidos. A forma como David Beckham foi para lá aliciou-me muito a juntar-me ao projeto do Galaxy, A forma como os americanos trabalham o tema do futebol, da imagem, do marketing desportivo, o branding, diretos de imagem. Foi algo que mudou a minha perceção sobre o que significa a imagem de um jogador de futebol anexo a um bom produto. Deu para perceber o cruzamento das indústrias e a valorização que isso tem no mundo do futebol».

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