Marco Paixão: o segredo de uma mente goleadora na Turquia - TVI

Marco Paixão: o segredo de uma mente goleadora na Turquia

Marco Paixão (arquivo pessoal)

Aos 36 anos, Marco Paixão é o melhor marcador da II Liga turca com uma média de cerca de um golo por jogo e é idolatrado pelos adeptos do Altay, que dizem amá-lo. Uma viagem ao presente, mas também ao passado da carreira de um goleador que nunca foi chamado à Seleção e que mudou radicalmente depois de ler um livro

Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do Mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências. Sugestões e/ou opiniões para djmarques@mediacapital.pt ou rgouveia@mediacapital.pt

A cumprir a terceira temporada ao serviço do Altay, um «gigante adormecido» atualmente na II Liga turca, Marco Paixão foi o melhor marcador das duas últimas edições da prova e, com 11 golos em 13 jogos nesta temporada, está lançado para ser o rei dos goleadores pelo terceiro ano.

«Sou um goleador e isso está-me no sangue», dispara sem hesitações o avançado de 36 anos natural de Sesimbra, gémeo de Flávio Paixão, também ele um ávido consumidor da baliza alheia.

Ídolo dos adeptos da equipa de Izmir (terceira maior cidade da Turquia). que lhe dão provas constantes de devoção, Marco conversou com o Maisfutebol sobre o presente, os segredos da longevidade e a positividade que o ajuda a fazer a diferença e a manter os olhos na Liga turca, onde quer apresentar-se na próxima época.

Com quase 200 golos marcados na carreira, o avançado que deixou Portugal em 2006 nunca foi chamado à Seleção. Não guarda mágoa por isso, mas diz que talvez merecesse, pelo menos, ser observado. «Infelizmente, há uma mentalidade de que se não jogar em Portugal, em Espanha ou Itália não se sabe bem qual é o nível real do jogador», diz quem se responsabiliza também por isso.

Marco Paixão: «O Segredo de uma Mente Goleadora» aperfeiçoada em Chipre - o quarto dos sete países estrangeiros onde jogou desde 2006 - com a ajuda de um livro.

Maisfutebol – Aos 36 anos é o melhor marcador da II Liga turca e está com uma média de praticamente um golo por jogo. Qual é o segredo para se manter competitivo com essa idade?
Marco Paixão – O segredo é muito psicológico. É uma luta diária para todos os dias tentar superar-me e ser sempre melhor, corrigindo coisas que faço mal nos treinos ou nos jogos. E também me alimento bem e vou ao ginásio sempre antes dos treinos e dos jogos: isso é importante para manter o nível físico. O resto é psicológico.

MF – E privações?
MP – Quase não como carne, evito sumos e só como doces depois dos jogos. Também não bebo leite há uns cinco anos e baseio muito a minha alimentação nos vegetais. Isso ajuda muito na recuperação, que é mais difícil à medida que vamos ficando mais velhos. São pequenos detalhes que, apesar de não parecer, fazem a diferença.

MF – Não ter aí na Turquia os famosos croissants de Sesimbra, a sua terra, também faz a diferença, não?
MP – [Risos] É uma diferença incrível! Aí quebrava um bocadinho o jejum, sim. É o melhor croissant de todos os tempos [risos].

MF – E o que é que se perde e se ganha aos 36 anos?
MP – Perde-se o tempo de recuperação. Há alguns treinos em que temos de fazer uma gestão diferente e nos jogos procuro ser o mais inteligente possível.

MF – Por exemplo?
MP – Em vez de correr 300 metros à maluca, descanso à espera de uma boa bola e estar fresco nessa altura para fazer a diferença. Não vale a pena fazer desmarcações que não vão dar em nada e é preferível ter a paciência de esperar pelo momento certo e rebentar quando ele chegar. O futebol é ser efetivo.

MF – Começou a pensar mais assim depois dos 30 para esticar a carreira até ao máximo que puder?
MP – Quando joguei no Chipre, com um treinador alemão que tive. Aí [2012/13] é que eu comecei a dar o salto. Até essa altura eu costumava correr muito para as linhas à maluca e queria sempre ter a bola nos pés. Ele falou comigo e disse-me que tinha era de jogar na linha dos centrais. Abriu-me os olhos e comecei a jogar de uma forma mais inteligente e a entender o jogo de outra maneira, procurando as costas dos defesas, contrariando o que eles fazem. Fui melhorando a partir daí. O futebol é ser inteligente. Se formos inteligentes, podemos fazer o que quisermos.

MF – E este fim de semana fez mais um golo e uma assistência [vitória do Altay sobre o Adanaspor por 4-1]. Ainda não se perdeu nas contas desta época?
MP – Já quase me perdi [risos]. São 13 jogos como titular, 11 golos e duas ou três assistências. Eh pá, a minha vida é marcar golos sempre que posso. As coisas estão a correr-me bem e estou feliz aqui. Vim para aqui há quase três anos para subir à Superliga turca. Está a correr bem, mas não vale a pena marcar 50 golos e a equipa não subir. Espero que este seja um ano em que consigamos subir e que os meus golos tenham efeito direto na subida de divisão.

MF – Mas esse objetivo está traçado para o imediato? Vi que o Altay não está na 1.ª Liga turca há quase 20 anos.
MP – Claro! Já no meu primeiro ano aqui que o objetivo era subir de divisão.

MF – Fale-nos então do Altay. Que equipa é e que história tem?
MP – É uma equipa histórica e que em tempos chegou a jogar contra o Benfica nas competições europeias [n.d.r.: Taça das Taças em 1980/81]. Entretanto, a equipa foi descendo até aos escalões mais baixos durante uma crise financeira. Nos últimos anos apareceu um presidente jovem que agarrou na equipa e conseguiu subi-la até à II Liga há três anos. O Altay é um clube grande aqui em Izmir, mas é uma espécie de gigante adormecido. Também temos boas condições de trabalho. Temos um centro de estágio com dois campos e onde cada jogador tem o seu quarto. E o clube está a construir um estádio, que queremos estrear quando subirmos de divisão.

MF – E os adeptos?
MP – São espetaculares. Aqui em Izmir existe uma cultura muito grande de futebol e os adeptos são como os das equipas mais conhecidas de Istambul. Nunca tinha vivido isto na vida. Na Polónia os adeptos também são espetaculares, mas aqui é outra coisa: o futebol é uma religião para eles. Nunca vi pessoas amarem tanto o futebol como aqui.

MF – Que histórias tem dessa loucura positiva dos adeptos?
MP – Antes desta pandemia, depois dos jogos vinha ter comigo, davam-me beijos na cara e diziam-me ‘I love you, I love you’. São doidos [risos]. Vivi momentos bonitos na rua, com as pessoas a pedirem-me para tirar fotos e as camisas.

MF – Vi nas redes sociais que os adeptos do Altay o idolatram. Inclusive metem coroas na sua cabeça nas fotografias…
MP – [Risos] É espetacular. Tenho uma boa relação com eles, também porque costumo responder quando falam comigo pelo Instagram. Quando eu era miúdo gostava muito de sentir esse feedback dos jogadores de quem eu era fã. É bonito quando uma criança sente que consegue chegar à sua referência. Eu respondo muito aos adeptos e isso criou uma conexão muito forte, que está claramente ligada também ao que faço dentro de campo.

MF – Quando era criança conseguia chegar aos seus ídolos?
MP – Ia muitas vezes a Alvalade e tentava chegar ao pé dos jogadores, mas nunca consegui nada. Agora penso nestes miúdos que olham para nós como eu olhava para os jogadores naqueles tempos. A comunicação entre o jogador e o adepto é muito importante.

MF – A pandemia afastou as pessoas desse contacto mais direto com os jogadores. Como está a situação na Turquia?
MP – Vou ser sincero: nós não acreditamos em muita coisa, porque são recorrentes os testes positivos que a seguir dão logo negativo. Falo por mim: vivo a minha vida tranquilamente, sem medo de nada. Depois há outras coisas que me fazem confusão: restaurantes fechados e ao mesmo tempo aviões com 300 ou 400 pessoas. Não está aqui em causa o vírus, que existe, claro!

MF – Que impacto teve o vírus no Altay?
MP – Eu e toda a equipa testámos positivo, mas 90 por cento não teve sintomas. Eu tive uma dor de cabeça e uma constipação. Foi há um mês e meio ou dois. Tivemos dois jogos adiados.

MF – E que medidas restritivas é que estão a ser aplicadas pelo Governo para conter a propagação do vírus?
MP – Não podemos sair à rua a partir das 21h00 e aos fins de semana ninguém pode sair de casa.

MF – Voltando ao Altay: os primeiros quatro dos seus 11 golos esta época aconteceram todos no mesmo jogo e separados por 20 minutos. Foram os melhores da sua carreira?
MP – Acho que não! Marcar um poker é sempre giro para um ponta de lança, mas jogar uma competição como uma Liga Europa, contra um Sevilha por exemplo, é diferente. Foi bonito, mas não posso comparar esse momento com outros que tive na carreira. Mas foi brutal: se pudesse marcar mais, marcava.

MF – Mas não o deixaram, não é? Foi substituído.
MP – É verdade! Aliás, o treinador queria tirar-me ao intervalo depois de marcar o hat-trick, mas eu disse-lhe para me deixar em campo, porque ainda queria marcar mais um ou dois golos. Depois acabou por tirar-me [risos].

MF – Este ano é o melhor marcador da II Liga turca, prémio que recebeu nas duas épocas anteriores. Além disso, já tinha sido o melhor marcador da Liga polaca. Ainda se sente ao mesmo nível?
MP – Psicologicamente, sobretudo, sinto que continuo ao mesmo nível, que é o mais importante. Enquanto continuar psicologicamente bem, vou continuar a fazer golos sem parar. Tenho isso no sangue: sou um goleador e isso está-me no sangue.

MF – E convites de patamares superiores não tem surgido? É que há duas épocas marcou perto de 30 golos, o que é capaz de chamar a atenção de clubes mais poderosos. E quem marca esses golos numa II Liga pode também ter bons números numa I Liga turca ou noutro campeonato mais competitivo.
MP – No final do primeiro ano tive bastantes. Nessa altura fui convidado para um programa de uma televisão de Istambul e disseram-me isso mesmo: que podia fazer também muitos golos na Superliga. Recebi muitas ofertas, mas quando os clubes têm ouro nas mãos não querem deixá-lo ir [risos]. Mas o futebol é mesmo assim: por vezes há jogadores que fazem coisas muito boas e não saem e outros não fazem nada saem. Mas o meu objetivo é claramente chegar à Superliga turca e o caminho para isso é subir de divisão pelo Altay.

MF – Falou de convites recusados pelo Altay. Não ficou magoado por não o deixarem sair?
MP – Não diria mágoa, mas que é complicado, é. Porque um jogador ambiciona sempre jogar a um nível elevado. Eu vim para aqui e não subimos à Superliga no primeiro ano nem no segundo. E isso cria algumas dúvidas na nossa cabeça.

MF – Mas como é que consegue manter a motivação elevada quando a realidade não vai ao encontro das suas expectativas e o factor psicológico tem tanto peso no rendimento de um futebolista?
MP – Isso é o mais difícil. No primeiro mês ou mês e meio é complicado. Por exemplo: passei por uma situação difícil mentalmente quando estava a jogar no Slask Wroclaw, no meu primeiro ano na Polónia, em 2014. Marquei 28 golos e surgiram coisas muitos boas para subir na carreira e lesionei-me. Tinha ofertas muito boas da Polónia, mas também da Bundesliga. Entrei num estado depressivo, de não querer ir treinar e não entender porque é que estava ali. É difícil, mas depois passa. O importante é mudar o chip, se não as coisas más voltam a acontecer. Vivo o dia a dia e estou feliz.

MF – Há uns dias escreveu uma publicação no Instagram a dizer que não consegue explicar o quão agradecido estava ao povo turco. A Turquia é o país onde se sentiu mais em casa?
MP – Tirando Espanha, sem dúvida. Os costumes são parecidos, a comida é muito boa, vivo em frente ao mar, faz sol todos os dias e as pessoas são super simpáticas e bondosas. Estou super feliz. Com estas condições só podemos ser felizes.

MF – Fale-nos de Izmir. Vi que a cidade é conhecida com «pérola do Egeu».
MP – Come-se bom peixe, a população é jovem e dá um espírito porreiro à cidade. Ao contrário do que acontecia na Polónia, quase nunca estou em casa. Aqui perto há uma zona turística chama Çesme, que tem praias paradisíacas. É tudo maravilhoso.

Vista do apartamento de Marco Paixão com o Egeu em pano de fundo

MF – Nunca esteve nos seus horizontes voltar a jogar cá nestes quase 15 anos que já leva no estrangeiro?
MP – Esteve sempre. Mas a nível financeiro, aquilo que me proporcionaram fora do país só poderia ter num FC Porto, Sporting ou Benfica. Quando estava na Polónia tive um contacto de uma equipa. Claro que o meu objetivo principal seria jogar no meu país, mas a nível financeiro sempre tive outras oportunidades: por isso é que eu estive onde estive e estou onde estou.

MF – Diferenças gigantes?
MP – Gigantescas! Mesmo para uma II Liga turca.

MF – Guarda algum lamento ao fim destes anos todos?
MP – Lamento uma oportunidade em que podia ter esperado um pouco mais por um convite que tive e que me podia ter dado a possibilidade de cumprir o sonho de jogar na Liga espanhola. Foi quando saí do Slask Wroclaw.

MF – Agora já pode dizer qual era o clube?
MP – Isso não vou dizer [risos]. Mas era uma oportunidade em cima da mesa, mas nada concreto. Precisava de esperar mais, porque ia ser uma segunda ou terceira opção. O clube informou-me de que eu tinha de esperar, porque havia também outras opções. Só que eu nessa altura tinha uma proposta muito boa do Sparta de Praga já em cima da mesa para assinar naquele momento. Teria de dizer não ao Sparta de Praga e esperar que tudo desse certo com a equipa espanhola. Estaria a trocar algo garantido por algo que não sabia se aconteceria. Mas lamento não ter levado ao limite essa oportunidade que tive. Por vezes, temos de ir sem medo atrás de alguns sonhos. Mas nessa altura vinha de uma lesão e não quis arriscar. A nível de carreira foi o único lamento que tive.

MF – Provavelmente fazem-lhe esta pergunta em quase todas as entrevistas, mas tenho de insistir. Ficaram a dever-lhe pelo menos uma chamada à Seleção Nacional?
MP – Não sei se me ficaram a dever, mas uma oportunidade naquela época do Slask em que fiz 28 golos talvez fosse merecida. Nem que fosse uma oportunidade para treinar. Lembro-me de um jogo no Estoril, salvo erro contra Cabo Verde, em que foram observados bastantes jogadores que não iam habitualmente à Seleção. Nessa altura acreditava que podia estar nesse elenco. Não guardo mágoa, mas sinto que podia ter tido uma oportunidade.

MF – Porque é que acha que essa oportunidade nunca chegou? Por ter jogado sempre em campeonatos mais periféricos?
MP – Exatamente! Infelizmente, há uma mentalidade de que se não jogar em Portugal, em Espanha ou Itália não se sabe bem qual é o nível real do jogador. Mas é para isso que servem os jogos e os treinos: para observar jogadores. Mas quase 30 golos numa Liga é uma cifra importante… Sempre sonhei chegar à Seleção: não foi possível e obviamente que já não vai ser.

MF – (…)
MP – Mas culpo-me um pouco. Se com 20 anos tivesse a mentalidade muito diferente da que tinha, podia chegar à Seleção Nacional tranquilamente. Infelizmente, muitos jovens, que eu hoje procuro ajudar, têm uma mentalidade negativa e culpam os outros por não conseguirem alcançar os seus objetivos. Com 20 anos eu não tinha uma mentalidade positiva no dia a dia. Se tivesse, podia ter chegado onde quisesse.

MF – Quando é que mudou esse chip?
MP – Quando estava no Chipre. Através de um livro que li chamado ‘O Segredo da Mente Milionária’. Um dos exercícios desse livro era não dizer nada negativo durante sete dias. Os resultados foram impressionantes. Esse foi o meu ponto de viragem: deixei de dizer ‘aquele não me passa a bola’, ‘o treinador não me mete’. Já nem falo mais nisso: em quase tudo na vida há um lado positivo e é isso que eu procuro. E também foi nessa altura que tive o meu treinador alemão, que me ajudou muito: é a lei da atração.

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