«Quero um clube que me dê confiança e que goste de mim» - TVI

«Quero um clube que me dê confiança e que goste de mim»

Salvador Agra (foto Legia Varsóvia)

Salvador Agra chega esta terça-feira a Portugal depois de ter rescindido com o Legia de Varsóvia em plena pandemia da covid-19. Enquanto fazia as malas, aproveitámos para falar de expetativas para o futuro e rever um passado já bem recheado.

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Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências. Sugestões e/ou opiniões: rgouveia@mediacapital.pt ou djmarques@mediacapital.pt

Salvador Agra já rescindiu com o Legia Varsóvia há quase duas semanas, mas só regressa esta terça-feira a Portugal, depois de driblar as vicissitudes impostas pela pandemia da covid-19 com a ajuda da embaixada portuguesa na capital polaca. Falámos das expetativas para o futuro, mas também fomos rever o passado, desde a forte ligação ao treinador Sérgio Conceição, com quem se cruzou no Olhanense, Académica e Sp. Braga, passando por um grande golo que marcou pelo Nacional, até ao contrato com o Benfica por onde passou sem jogar. Venha daí conhecer o percurso do extremo de 28 anos que, além de Portugal, já jogou em Espanha, Itália e Polónia.

Encontrámos Salvador Agra precisamente no momento em fazia as malas para viajar de Varsóvia para Vila do Conde. 

Rescindiu com o Legia, é um jogador livre, expectativas para o futuro?

- Penso que foi a melhor solução, tanto para mim como para o clube. Quando vim para cá, vim com o objetivo de ajudar como qualquer jogador, mas depois as coisas não saíram como esperava. O treinador que me trouxe para cá, o Sá Pinto, passado um mês e meio foi despedido. Depois o novo treinador não contava comigo. Fui esperando, a ver se surgia alguma oportunidade, mas o tempo passou e não surgiu. Isso levou-me a falar com o clube para tratar da minha vida. Sinto-me bem quando estou a ajudar, mas já estava há muito tempo sem jogar, portanto, penso que foi a melhor decisão que tomei.

O último jogo foi a 8 de março, pela equipa B do Legia, na III Divisão. Foi isso que também o levou a sair?

- Na verdade, já estava a pensar em sair antes de irmos de férias em dezembro, na pausa de inverno. Já tinha falado com o meu empresário, mas, por vários motivos, a situação não se resolveu. Quando voltei disseram-me que tinha de ir para a equipa B e eu fui. Apesar de tudo, temos de ser profissionais e honestos com quem nos paga e isso também faz parte da minha maneira de ser, da minha imagem que deixei em todos os clubes por onde passei. Fui para a equipa B e trabalhei como se estivesse na equipa A. O que queria era jogar, ficar parado não era bom para mim. Queria recuperar o tempo perdido. Acabei por só fazer um jogo porque depois surgiu a covid-19. Treinei sempre forte e duro, é o meu trabalho, a minha paixão. Se me fosse abaixo com isso seria pior para mim.

Tinha mais um ano de contrato, a decisão foi sua, foi do clube, como aconteceu?

- Estávamos a tentar chegar a um acordo que fosse bom para as duas partes. Acabou por correr tudo bem. Com isto tudo, da covid-19 e de estar a jogar na equipa B, penso que foi o melhor para mim. Gosto sempre de sair a bem e de deixar sempre uma boa imagem. Ainda há pouco tempo, quando chegámos a acordo, agradeceram-me pelo meu profissionalismo, pela pessoa que sou. Isso deixa-me satisfeito.

Falou na covid-19. Nesta altura há uma grande indefinição em relação aos campeonatos, aos clubes, acha que foi uma boa altura para ficar desempregado?

- Seria mais complicado se não estivesse a treinar e estivesse parado, mas não é o caso. Desde que rescindi, nunca parei, tenho estado sempre a treinar como se ainda estivesse no clube. Com este sacrifício e com esta luta que tenho mantido diariamente, em breve pode ser que apareçam clubes interessados.

Ainda está na Polónia. Como é que o país está a viver a pandemia?

- Quando isto aconteceu estava na equipa B e mandaram-nos todos para casa. Cheguei a perguntar ao clube se podia regressar ao meu país, mas, depois de conversarmos, achámos melhor ficar por cá. Também estou com a minha mulher e com o meu filho e temos de pensar no melhor para a nossa família. Ficámos aqui em quarentena, ia trabalhando, com o André [Martins] e com o Luís [Rocha] e passámos bem aqui a quarentena. O mais importante é a saúde e defendermos-nos deste vírus.

Há muitas diferenças em relação a Portugal?

- Aqui, mal apareceram as primeiras notícias do vírus, foram desde logo muito rigorosos. Eles têm ainda bem presente o que viveram na II Grande Guerra Mundial, portanto não arriscaram nada e fecharam logo tudo. Isso fez com que o país não sofresse tanto como os outros. No primeiro mês só saíamos de casa para ir às compras, para comprar o essencial. Agora, nesta altura, já podemos sair, mas só com máscara e luvas. As lojas já começam a abrir, as pessoas já andam na rua, mas muito prevenidas. Quem andar sem máscara ou luvas pode levar mesmo uma multa e é uma multa grande.

Já rescindiu há quase duas semanas, está com dificuldades em regressar a Portugal?

- Tinha um voo marcado da Polónia para Frankfurt e depois para Lisboa, mas aqui na Polónia ainda não permitiram a abertura das fronteiras. Esse voo acabou por ser cancelado e vi a minha vida a andar para trás, mas depois falei com a embaixada portuguesa e foram espetaculares, arranjaram-me uma solução. Tenho de ir amanhã de carro até Berlim, depois apanho um voo para Frankfurt e sigo para Lisboa. A ver se amanhã alguém me vai buscar a Lisboa para chegar a casa.

Voltando um pouco atrás, chegou ao Legia pela mão do treinador Sá Pinto. Quais as expetativas que ele passou?

- Ele falou comigo, explicou-me que o Legia é um grande clube aqui na Polónia. Vi que eles fizeram um esforço grande para me ter, compraram-me ao Benfica. O mister via-me como um ativo em que o clube ia apostar. As coisas acabaram por não correr bem, mas o mister Sá Pinto ajudou-me muito enquanto esteve cá e fico-lhe agradecido por isso. Confiou em mim, mas depois o clube tomou outra decisão e a mim restou-me continuar a trabalhar.

Chegou a Varsóvia com o Luís Rocha, já lá estavam o Cafú e o André Martins e, depois, ainda chegou o Iuri Medeiros. Bom balneário?

- Foi uma adaptação fácil em termos de balneário e à cidade de Varsóvia, o André e o Cafú já cá estavam e ajudaram-nos. Mais complicado foi a adaptação ao futebol. Já tinha jogado em Espanha e em Itália, mas o futebol aqui é diferente, devido ao tempo, às pessoas, por ser tudo novo. Como todos os jogadores, precisas de um mês para te adaptares bem, mas ao início custou-me um pouco. Fizemos a pré-época em Tróia, antes de virmos para cá, mas ficou difícil com a mudança de treinador.

Acabou por jogar muito pouco, nove jogos em época e meia?

- Sim e a maior parte desses jogos foi ainda com o mister Sá Pinto e até estive bem nesses jogos. Mas quando chegou o outro treinador [Aleksander Vukovic] ficou mais difícil. Eu respeito sempre as opções dos treinadores, a mim só me compete trabalhar e evoluir. É por isso que se contrata treinadores e jogadores, cada um tem o seu papel, cada um faz as suas escolhas. Ele não contava comigo, mas continuei a trabalhar à espera de uma oportunidade. Neste caso, não foi assim, não tive oportunidades com este treinador. Na cabeça dele já estava definido que não contava comigo. Não guardo rancor nenhum, até falámos a bem, foi sempre muito honesto e sincero comigo. Gosto quando as pessoas são assim, frontais, agora resta-me seguir o meu caminho.

Quando o campeonato foi interrompido, a quatro jornadas do final da fase regular, o Legia ia em primeiro com oito pontos de avanço. Também se sente campeão se o Legia acabar mesmo em primeiro?

A época passada ficámos em segundo lugar, ganhou o Piast, e depois falhámos a qualificação para a Liga Europa, na eliminatória com o Rangers. Agora estamos em primeiro lugar no campeonato e nos quartos de final da Taça. Faltavam quatro jornadas para acabar a primeira fase, depois havia mais sete jogos do play-off. Joguei só dois ou três jogos e outros dois para a Liga Europa, mas se formos campeões, também sou campeão claro.

Como foi viver quase dois anos em Varsóvia?

É uma cidade fantástica, muito bem organizada, bonita. É uma cidade espetacular, aqui tens tudo e mais alguma coisa. Antes de vir, as pessoas punham algumas reticências por ser a Polónia, mas o país está completamente renovado e tem muito boas condições, tanto no trabalho, como para se viver. É espetacular.

Mesmo no inverno?

- Isso foi o mais complicado, mas com o passar do tempo, vais-te adaptando. Quando cheguei estavam menos 16 ou 17 graus mas, por incrível que pareça, este último inverno foi totalmente diferente. Nunca esteve menos de cinco ou seis graus negativos, andou sempre ali perto do zero. Até eles próprios estanharam a temperatura totalmente diferente dos anos anteriores.

Recapitulando a carreira. Nasceste em Vila do Conde, mas começaste a jogar no rival Varzim. Como é que isso aconteceu?

- Sou de Vila do Conde, mas comecei a formação no Varzim por influencia da minha família. Fiz a formação toda na Póvoa e o meu primeiro ano com profissional também foi no Varzim.

Logo a seguir vai para o Olhanense, a primeira experiência na Liga aos 19 anos

Foi a primeira vez que saí de casa, mas penso que foi a aposta certa porque acabei por fazer uma grande época. A meio da época já tinha sido contratado pelo Betis, mas acabei por ficar até ao final da época no Olhanense.

De Olhão, para Sevilha aos vinte anos. Mais uma aventura?

- Vi essa mudança com bons olhos, o Betis é um grande clube, tinha um grande projeto. Falei com a família e achámos que era o melhor para mim. Ainda encontrei lá o Nélson, ajudou-me muito nos primeiros tempos. Tal como o Olhanense, no Betis encontrei um grupo que nunca vou esquecer. Apesar de ser muito novo, foram todos espetaculares. O Nelson recebeu-me em Sevilha como se fosse quase um filho dele. Ainda hoje falamos e estou-lhe muito agradecido por tudo o que fez por mim.

A meio da época foi cedido ao Siena. Um novo clube, um novo país.

- Comecei a jogar em Sevilha, joguei sempre nos primeiros 13/14 jogos, mas depois fui perdendo espaço e, no mercado de inverno, surgiu essa possibilidade de ir para o Siena. Era jovem, queria era jogar. Mais um grande campeonato, joguei e as coisas até me correram bem.

Regressa a Sevilha e é emprestado, primeiro ao Sp. Braga, depois à Académica. Volta a encontrar o Sérgio Conceição que já o tinha lançado no Olhanense.

- Sim, Olhanense, Académica e Braga. Quando ele foi da Académica para o Braga eu já tinha assinado pelo Braga, portanto, voltámos a encontrar-nos. Foi um treinador que me marcou. Foi muito importante no meu percurso. Ele quando foi jogador também jogava na minha posição, isso facilitou muito, ensinou-me muita coisa. Só tenho de lhe agradecer por tudo o que fez por mim.

Ficou surpreendido com o percurso dele? Foi para o Nantes e agora está no FC Porto.

- Não, surpreendido só pode ficar quem não conheceu o Sérgio e quem nunca trabalhou com ele. Sempre pensei que ele ia longe e acho que ainda vai mais longe. A qualidade que tem, tanto como homem, como treinador, vai levá-lo a patamares ao nível de quando ele foi jogador.

Segue-se o Nacional. Duas épocas a jogar regularmente e a marcar golos. Foi um dos melhores períodos da carreira?

- Sim, a nível individual, a minha primeira época no Nacional foi a melhor, marquei treze golos e fiz onze assistências. Nessa época tínhamos o Tiquinho Soares na frente e fizemos uma época boa. Nesse mesmo ano ainda fui aos Jogos Olímpicos, no Brasil. A época seguinte já não correu tão bem e, no final, tivemos a infelicidade de descer. Foi quando saí do Nacional.

Nessa primeira época marcou um golo espetacular de pontapé de bicicleta. Foi mesmo eleito o melhor golo da temporada 2016/17, lembra-se [veja o golo no vídeo abaixo]?

- Ainda por cima foi num dérbi com o Marítimo em nossa casa. Foi um momento muito bonito. Um golo que nunca vou esquecer pela forma como foi marcado. É um dos melhores golos da minha carreira, mas já tive outros bonitos na seleção de Sub-21 e no Varzim, mas este é sem dúvida o melhor golo até ao momento.

Depois de sair do Nacional, aparece nas primeiras páginas dos jornais como reforço do Benfica.

- Tínhamos descido de divisão e apareceu o interesse do Benfica. Claro que vi o convite com bons olhos, achei que ia ser bom para mim.

Sabia desde logo que ia ser emprestado ou estava a contar com uma oportunidade de fazer a pré-época?

- Quando assinei pensei que podia integrar o plantel, pelo menos fazer a pré-época, depois logo se via, mas fui logo emprestado ao Desportivo Aves. Nem cheguei a falar com o Rui Vitória.

No Desportivo Aves faz meia época e sai para o Granada sem jogar a histórica final da Taça de Portugal.

- Fiz uma boa meia época, joguei até àquela reviravolta com o Rio Ave, estávamos bem, fizemos um bom percurso e, apesar de termos muitos jogadores novos, tínhamos um grupo muito unido que fez com que ganhássemos a Taça de Portugal.

Teve pena de falhar o Jamor?

- Claro que gostaria de ter lá estado, mas na altura também saí para um projeto que me agradou. O Granada estava na II Liga, mas estava a lutar para subir e tinha um projeto ambicioso. Quando cheguei estava lá o Rui Silva, mas o Licá tinha acabado de sair.

Seguem-se mais seis meses no Cádiz, também na II Liga espanhola

- Acabei essa época no Granada, chegaram a haver contatos para eu ficar em definitivo, mas como não conseguimos subir, o clube desistiu de me comprar ao Benfica. Eu queria, o clube queria, mas naquele momento não deu. O último jogo pelo Granada foi contra o Cádiz. Eles já andavam a observar-me há algum tempo, fiz um bom jogo e fizeram-me uma proposta. Achei que era bom, era mais um projeto de subida. Era ali perto de Sevilha e até fui lá ter com o Nelson para matar saudades. Ele ainda vive lá com a família dele.

Agora fechado o capítulo da Polónia, regressa a casa com que ambição? Quer voltar a jogar em Portugal ou vai continuar pelo estrangeiro?

- Agora vou esperar pelo que possa surgir, vou analisar bem as propostas que possa ter e decidir o melhor para mim como sempre fiz, seja em Portugal, Espanha ou noutro país. Quero um clube que me dê confiança, que me valorize e que, no fundo, goste de mim.

Mais Estórias Made In

(entrevista originalmente publicada às 23h56 de 11/05/2020)

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