1996: o alargamento que desembocou num chapéu - TVI

1996: o alargamento que desembocou num chapéu

Karel Poborski (Reuters)

Primeiro Europeu com 16 seleções marcou o regresso de Portugal aos grandes palcos

Em 2008 a redacção do Maisfutebol, em parceria com o cartoonista Ricardo Galvão, publicou na Prime Books o livro «Doze Euros no Bolso», que passava em revista, de forma bem-humorada, os momentos mais marcantes da história dos Campeonatos da Europa. São precisamente esses textos, adaptados e atualizados, que recuperamos agora, para intervalar a atualidade do Euro 2016 com as memórias que ajudam a fazer a lenda da segunda maior competição internacional de seleções.

A fase final do Europeu de 1996, em Inglaterra, foi a primeira a contar com 16 seleções. Era a resposta inevitável às mudanças geopolíticas após a queda do Muro de Berlim. A fragmentação da URSS e do Bloco de Leste rtinha feito disparar o número de países filiados na UEFA: de 33 para 51. Depois de ima fase de qualificação muito mais complexa do que até então, Croácia, Rússia e República Checa faziam a sua estreia na prova como estados independentes.

Se o continente tinha um novo rosto, já o Euro foi apresentado em tons nostálgicos. Completavam-se 30 anos sobre a conquista do título mundial pela Inglaterra e o slogan «O futebol volta a casa» adequava-se aos estádios vetustos e às esperanças dos organizadores em repetir a epopeia de Moore, Banks, Charlton e companhia.

A equipa não dececionou, chegando às meias-finais com um futebol assente na veia goleadora de Shearer e na grande forma de Gascoigne, que no jogo contra a Escócia, em Wembley, marcou um dos grandes golos da história dos Europeus, festejado de forma polémica, numa alusão, auto-irónica, às farras com álcool que tinham deixado alguns jogadores ingleses na mira dos tabloides. Mas, como é regra nas grandes competições, os ingleses acabaram traídos pelos nervos no desempate por penaltis, frente a uma Alemanha quase dizimada por lesões.

Depois da odisseia dinamarquesa, quatro anos antes, a grande sensação foi proporcionada pelos checos, que eliminaram a vice-campeã mundial, Itália, na fase de grupos e, de surpresa em surpresa, prosseguiram a caminhada até ao jogo decisivo, em Wembley. A Croácia, com uma geração de grande talento, foi outra das revelações, afastando a campeã Dinamarca com um 3-0 que não deixou margem para dúvidas, embora depois recebesse fatura idêntica de uma jovem e promissora seleção portuguesa.

Portugal levou pela primeira vez a um grande palco talentos como Rui Costa e Figo, mas não passou dos quartos de final. No resto, foram muias as deceções de um torneio com um nível de jogo abaixo das expetativas. Nomes como Zidane, Djorkaeff, Hagi, Bergkamp e Seedorf passaram discretamente pelos relvados ingleses e a última impressão foi a de que o Campeonato da Europa engordara demasiado à pressa e a sua saúde se ressentira disso.

Poborsky mostra-nos o chapéu

Dez anos de ausência em fases finais, depois do desastre mexicano. Trinta anos de saudade por aquela campanha inesquecível no Mundial de 1966. No regresso a Inglaterra, Portugal esperava voltar a ser feliz mas temia novo fiasco, como em 1986. Os melhores da geração Queiroz formavam a base da equipa orientada por António Oliveira: além dos já citados Figo e Rui Costa, também Fernando Couto, Paulo Sousa, Vítor Baía e João Pinto chegavam finalmente aos grande spalcos de seleções.

A estreia correu bem. Frente à campeã Dinamarca, meia hora de tremideira custou um golo evitável. Depois, os portugueses perderam o respeito aos vikings e dominaram o jogo dos pés à cabeça. Ficaram-se pelo empate, com muitas oportunidades desperdiçadas, mas a qualidade tinha ficado à vista de todos. A começar pela imprensa inglesa, que passou a considerar Portugal um outsider na corrida ao título.

No segundo jogo, com a Turquia, teve de ser um central, Fernando Couto, a mostrar o caminho da baliza: apesar do domíni evidente, a seleção primava pelo desacerto nos remates. Faltava confirmar o apuramento, contra uma Croácia já garantida e que decidiu poupar os titulares, a pensar nos quartos de final. O empate chegava, mas dois golos na primeira parte desenharam uma vitória clara (3-0), que dava o primeiro lugar no grupo.

A euforia instalava-se, tanto mais que a República Checa, apurada quase por milagre na última jornada da fase de grupos, não parecia adversário mais exigente que os anteriores. Mas, em Birmingham, Portugal voltou a exercer um domínio estéril, sem o traduzir em golos. Depois, aos 53 minutos, Poborsky entrou para a lenda, ganhando um ressalto à entrada da área antes de bater Vítor Baía com um vistoso chapéu em forma de ponto final.

Foi quanto bastou: até ao fim, os portugueses rondaram a baliza de Kouba, sem encontrarem o mapa da mina. O segundo Europeu luso terminava com um sabor a inacabado: nem glória nem fiasco. Algum tempo depois, Jorge Valdano resumiria assim o sentimento de frustração dessa campanha: «Num Europeu quase sempre mal jogado, ninguém praticou melhor futebol do que Portugal. Mas o bom futebol só tem razão quando tem pontaria.»

 

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