Onde a Liga portuguesa é campeã de desigualdades - TVI

Onde a Liga portuguesa é campeã de desigualdades

Genérica

Há cada vez mais dinheiro no futebol europeu, mas a sua distribuição é cada vez mais desequilibrada, entre países e dentro do mesmo campeonato. Como em Portugal, mostra relatório da UEFA

O futebol europeu gera dinheiro como nunca mas é cada vez mais desequilibrado, entre países e dentro do mesmo campeonato. E a Liga portuguesa está entre as que mais perpetuam esse fosso entre os grandes e os pequenos. Nomeadamente com diferenças salariais de tal dimensão que tornam o desfecho do campeonato «cada vez mais previsível». Tudo potenciado pela questão estrutural que se perpetua, a negociação individual dos direitos de televisão. Portugal também está particularmente vulnerável à volatilidade das receitas de transferências. Ideias que ficam do relatório anual da UEFA sobre o estado do futebol no continente, a reforçar com números a perceção que todos têm do crescente desequilíbrio.

Os clubes europeus voltaram a gerar mais dinheiro em 2018, o ano analisado no Panorama do Futebol Europeu de Clubes, um aumento de receitas que deu saldo positivo pela segunda vez, mas abaixo do ano anterior: foram 140 milhões, contra os 640 de 2017. Mas se as principais Ligas geraram lucros líquidos, quase metade dos 20 campeonatos de topo registaram em média prejuízos, incluindo a Liga portuguesa.

Os clubes também gastaram mais, em transferências e sobretudo em salários.  Portugal acompanhou a tendência. A Liga portuguesa foi o nono campeonato que mais receitas gerou em 2018, o ano analisado no relatório, neste caso sem contar verbas de transferências. Mas foi a oitava mais gastadora em salários. Aumentou 13 por cento em relação ao ano anterior e os salários representam já 75 por cento das receitas operacionais. O que é um fator de risco, alerta a UEFA, que recomenda nas regras do fair play financeiro que esse valor não passe os 70 por cento e mostra preocupação com a tendência global para o aumento do peso dos salários no orçamento dos clubes.

«Uma vez que os custos operacionais fixos tendem a consumir entre 33 e 40 por cento das receitas, é altamente provável que um rácio superior a 70 por cento de gastos em salários resulte em prejuízos, a não ser que haja um ganho adicional relevante com transferências», diz o relatório: «Uma continuação do escasso crescimento nas receitas reportado em 2018 associado a uma redução nos lucros de transferências pode deixar os clubes com este alto rácio fortemente expostos e potencialmente levar a crise financeira.»

Salários e TV, o que torna os resultados «mais previsíveis» em Portugal

Para lá do peso dos salários, há a enorme disparidade no campeonato português a este respeito. O quadro seguinte mostra o fosso entre os salários pagos pelos três clubes de topo e os outros. Em nenhum dos principais 20 campeonatos ele é tão grande como em Portugal, não só para os clubes logo abaixo na tabela, como para os do fundo.

E isso cria uma enorme disparidade competitiva, diz o relatório, ao notar que «grandes fossos salariais em algumas ligas tornam os resultados no campo mais previsíveis»: «Em Portugal e na Escócia em particular, essa diferença na capacidade financeira torna extremamente improvável que a liga seja ganha por um clube abaixo dos dois/três de topo».

 

A enorme disparidade financeira em Portugal é associada pela UEFA aos direitos TV, tal como já tinha acontecido no relatório do ano passado, uma questão que se mantém sem alteração. Mais uma vez, em nenhum dos principais campeonatos a diferença entre os clubes de topo e os outros é tão grande. A UEFA fala em «enorme desigualdade» em Portugal: «É agora a única grande Liga em que os clubes vendem os direitos individualmente, e isso reflete-se no enorme fosso entre os três clubes de topo e os outros em termos de receitas televisivas. O clube que mais recebe ganha acima de 10 vezes mais do que um clube médio em Portugal, em comparação com os 2.7 nas 24 ligas com venda coletiva de direitos.»

Os riscos da desigualdade global: 30 clubes geram metade das receitas

Dos desequilíbrios nacionais para os internacionais, os números não deixam dúvidas. Os clubes das cinco principais Ligas do futebol europeu registaram 75 por cento do bolo total de receitas. E o relatório acrescenta que os dados preliminares de 2019 apontam para que, pela primeira vez, os 30 maiores clubes sozinhos irão gerar mais de metade do total de receitas ganhos por todos os outros 682, acima dos atuais 49 por cento.

Mais uma vez, as receitas televisivas, que são a maior fatia dos ganhos em termos gerais, servem de comparação. A Inglaterra lidera isolada, com cada clube a ganhar em média 143.2 milhões, enquanto em Portugal, que está em sétimo na tabela, esse valor é de 7.2 milhões. O segundo país na lista é a Espanha, com 66.6 milhões e o terceiro a Alemanha, com 60.3. Seguem-se Itália (54 milhões), França (31.1) e Turquia (17.6).

Embora destaque a evolução das contas dos clubes europeus nos últimos anos, para ter chegado a dois anos de resultados positivos globais, o relatório da UEFA também salienta os riscos da concentração do dinheiro em muito poucas mãos. A preocupação é expressa pelo próprio presidente do organismo, Aleksander Ceferin. «O relatório destaca uma séria de ameaças ao contínuo sucesso e estabilidade do futebol europeu. Isto inclui os riscos da polarização de receitas impulsionada pela globalização, de um cenário fragmentado nos media e em casos de excessiva dependência de receitas de transferências», escreve o dirigente.

Portugal, o sexto mais gastador e campeão em lucros de transferências

Em Portugal, também são os direitos televisivos o maior bolo da fatia das receitas operacionais, seguidos dos patrocínios e com peso significativo também dos prémios da UEFA. E depois há as transferências, que têm feito a diferença para os principais clubes portugueses. O quadro seguinte mostra como representam o maior valor relativo em todos os grandes campeonatos: 61 por cento dos 440 milhões gerados pela Liga portuguesa em 2018.

Portugal foi o sexto país que mais gastou em transferências, mas também é aquele que mais ganha entre os principais campeonatos, com saldo positivo de 81 milhões de euros. O documento analisa também as estimativas nos relatórios dos clubes das verbas que têm a receber de transferências e aí Portugal está particularmente exposto, com valores que representam 119 por cento das receitas correntes, a percentagem mais alta entre os principais campeonatos. A UEFA lembra que essa exposição pode tornar um clube financeiramente mais vulnerável: «Como a atividade de transferências liga mais de um clube, qualquer atraso ou falta de pagamento pode ter um efeito negativo no fluxo de caixa previsto de vários clubes ao longo de uma cadeia de balanços de transferências.»

Dinheiro circula, mas volta aos mais ricos

Entre as cinco grandes Ligas, só França lucrou no balanço entre contratações e vendas de jogadores. Rússia e Turquia têm saldo negativo, de resto a tendência é de lucro para a maioria dos países, não só do «top 20» como também daí para baixo.

Mas, mais uma vez, essa é só uma pequena fatia do bolo. O relatório da UEFA também demonstra que a maior parte do dinheiro tende a ficar entre os grandes. Os gastos em transferências bateram novo recorde, oito mil milhões de euros, e os clubes das chamadas «Big 5» são responsáveis por 85 por cento desse valor. Mas também ficaram com a maior parte: 75 por cento do total de ganhos em transferências.

Não é de admirar por isso que a maior parte dos clubes que mais ganham sejam também aqueles com melhor saldo de contas. Nove dos dez clubes com melhores receitas em 2018 foram aqueles que mais lucro tiveram: a exceção é o Barcelona, que deu resultados negativos. E que é também aquele que mais gasta em salários.

Liga portuguesa com prejuízo e passivo pesado

Inglaterra, Espanha e Alemanha têm as Ligas que mais lucros apresentaram, enquanto Portugal apresenta prejuízos na ordem dos 21 milhões de euros. No entanto, a UEFA ressalva que a análise mais pormenorizada à Liga portuguesa neste ponto está prejudicada, por apenas oito clubes terem disponibilizado essa informação. Desses, quatro tiveram saldo positivo e quatro negativo.

No que diz respeito ao passivo dos clubes, ele tem também grande peso no campeonato português. Ainda que tenha diminuído oito por cento em relação a 2017, representa 120 por cento das receitas totais dos clubes. A novidade nestas contas em relação ao ano anterior é que o Benfica deixou de aparecer entre os 20 clubes com maior passivo, quando ocupava o sexto lugar. O FC Porto é agora o único clube português nessa lista, em 12º lugar e com 214 milhões, acima dos 177 do ano anterior.  

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