Benfica-La Louvière, 1-0 (crónica) - TVI

Benfica-La Louvière, 1-0 (crónica)

Garantir o essencial e desperdiçar tudo o resto O Benfica quebrou o jejum de quatro anos sem ganhar na Europa, mas sofreu mais do que o adversário justificava.

A vitória do Benfica sobre o La Louvière (1-0), esta noite, no Bessa, mantém os encarnados na Taça UEFA, põe fim a um jejum de quatro anos sem vitórias europeias para os da Luz e, dado psicológico de grande importância, permite a todos os adeptos da águia sonhar com o baptismo oficial do novo estádio nas competições internacionais na época em curso. Além disso, o regresso à competição de Nuno Gomes, consumado no estádio que o viu nascer para o futebol, dá também um suplemento de ânimo à equipa, e promete resolver um dos problemas - a escassez de soluções ofensivas - com que Camacho se tem debatido desde o início de época.

Este é o quadro cor-de-rosa, condensando tudo o que de positivo aconteceu nesta noite ao Benfica. Não é coisa pouca, mas está longe de esgotar a história do jogo. Porque igualmente objectiva é a evidência de que o Benfica sofreu muito para chegar ao happy end. Mais do que se esperava, mais do que era legítimo, e mais do que a qualidade do adversário justificava.

Camacho, que em público cultiva um realismo amassado em senso comum, dizia que a vitória por 1-0 e a passagem da eliminatória eram os únicos objectivos de partida para a sua equipa. Mas ao técnico espanhol não terá passada despercebida a evidência de que o Benfica tinha, esta noite, uma oportunidade soberana para ganhar moral e apagar interrogações passadas, ganhando identidade e convicções. Sejamos claros: os encarnados conseguiram o essencial, mas desperdiçaram tudo o resto.

Começar por cima e nivelar por baixo

Apesar da exibição decepcionante na Bélgica, o 1-1 permitia ao Benfica gerir o jogo com a certeza de que era ao adversário que cabia marcar um golo. Esse estado de coisas contribuiu para um início tranquilo: diante de uma equipa tecnicamente muito inferior, e que tem na organização defensiva a maior qualidade, o Benfica teve 20/25 minutos de domínio absoluto na posse de bola e de circulação fluida e competente. Sem forçar, mas sem consentir veleidades a um adversário de tracção atrás, os encarnados estiveram perto de sentenciar a eliminatória nessa fase.

Um remate de Simão ao poste (16 m) e um livre que passou a rasar a trave no momento seguinte foram os pontos altos. No entanto, com o passar dos minutos, os encarnados foram caindo num adormecimento perigoso, que lhes limitava a capacidade de levar perigo à baliza do jovem e competente Proto. A capacidade de circulação de bola dos encarnados exprimia-se melhor nos flancos do que nas imediações da área. E, com Tiago bastante apagado (Petit jogou por dois, em especial no capítulo da recuperação de bola), faltava quem facilitasse a vida a uma dupla de avançados também ela propensa a desperdiçar as raras oscilações defensivas do La Louviére.

Com a segurança defensiva dos encarnados continua a estar longe do razoável, da primeira vez que os belgas encontraram espaço para lançar a velocidade de Murcy, a dúvida instalou-se e os jogadores passaram a nivelar o jogo por baixo, na esteira do futebol linear e previsível dos belgas. Era este o único perigo a que o Benfica estava sujeito: o de travar um duelo em que levava vantagem em quase todos os aspectos com as únicas armas com que o La Louvière poderia equilibrar as contas: o físico e a velocidade. E quando o intervalo chegou, embora os encarnados continuassem em vantagem na eliminatória, parecia que o ascendente psicológico tinha mudado de campo.

Vinte minutos de massacre

A solução encontrada por Camacho para fazer com que tudo voltasse à primeira forma foi surpreendente, mas resultou. A entrada de Armando para lateral-esquerdo ofensivo, no lugar de um Ricardo Rocha competente a defender mas, como de costume, pouco dinâmico no apoio ao ataque foi acompanhada de um despertar colectivo que, em apenas três minutos, permitiu mais remates perigosos do que em toda a primeira, à excepção da tal bola no poste.

O público, que despedira a equipa com assobios, maravilhou-se com a descoberta do óbvio e contagiou os jogadores, que embalaram para 20 minutos de autêntico massacre, com uma cadência de remates invulgar. O golo adivinhava-se e a promessa cumpriu-se aos 58 minutos, quando uma movimentação da direita para a esquerda permitiu a Tiago um passe engenhoso, que encontrou Fehér livre de marcação sobre a meia-esquerda. O remate de pé esquerdo do húngaro bateu a estirada de Proto e desbloqueou de vez a eliminatória.

Para quê voltar a sofrer?

Restava manter a pressão, tanto quanto possível - não era humano conseguir jogar àquele ritmo durante 45 minutos - e circular a bola com serenidade para, pelo menos manter o avanço. Mas o Benfica, mesmo nunca caindo nos abismos do final da primeira parte, não conseguiu fazê-lo bem, e condenou-se a si próprio a algum sofrimento até ao apito final.

Camacho ainda tentou tirar partido da entrada de Nuno Gomes, e da ousadia natural de João Pereira, mas a equipa já estava demasiado crispada para poder prolongar o festival. E a entrada de Ishiaku deu mais argumentos ofensivos a uns belgas que, estando sempre bastante longe do golo, chegaram a expor novamente as fragilidades defensivas dos encarnados. Foi tudo, mas mesmo sendo pouco foi sofrimento a mais para o que a diferença entre as duas equipas justificava - embora nos últimos minutos, já com o jogo partido em dois, alguns contra-ataques encarnados pudessem ter resultado no alívio definitivo.

O árbitro francês Garibian, que no sábado já apitara o Portugal-Albânia, tentou conduzir o jogo com o mesmo estilo leve e dialogante que aplicara nesse jogo particular. Na maior parte do tempo deu-se bem, mas quando, nos últimos minutos, os nervos falaram mais alto, deixou bem claro que não tem pulso para jogos mais rasgadinhos. A prova disso mesmo foi a demora exasperante em expulsar um conflituoso Mamouni, que ficou em campo uns bons dez minutos a mais do que merecia.

Continue a ler esta notícia