Covid-19: o plano dos especialistas para a pandemia não voltar atrás - TVI

Covid-19: o plano dos especialistas para a pandemia não voltar atrás

Pico de novos contágios e mortos parece já ter sido ultrapassado. Especialistas apresentaram no Infarmed quais os principais eixos de atuação para que a situação pandémica em Portugal não se agrave. No final da reunião, Marta Temido assumiu que o confinamento deverá manter-se durante o mês de fevereiro

Desde o novo confinamento que Portugal tem registado uma tendência de desaceleração em termos de contágios e de mortos associados à doença covid-19, uma informação passada por especialistas na reunião do Infarmed desta terça-feira e que conjuga vários pontos e estratégias que têm o objetivo de garantir que o país não regresse ao cenário apocalíptico vivido no início do ano. 

De acordo com a Direção-Geral da Saúde, a incidência cumulativa a 14 dias por 100 mil habitantes revela uma "trajetória descendente" que, na sua taxa de notificação, teve pico a 29 de janeiro - com 1669 casos por 100 mil habitantes. Um valor que posicionou Portugal como o pior país do mundo a lidar com a pandemia nesta área.

Tivemos uma consolidação desta tendência decrescente”, afirma o especialista André Peralta Santos, sublinhando que a 9 de Janeiro, na altura em que foi feita a última reunião do Infarmed, a curva da incidência estava a subir.

 

Peralta Santos argumenta ainda que a mortalidade parece estar a diminuir, com uma "formação clara de um pico na primeira semana de fevereiro" após um aumento três vezes superior, quando comparado com dezembro.

Uma noção que é partilhada pelo epidemiologista Manuel do Carmo Gomes que destaca um prazo de duas semanas para o país atingir uma média diária de três mil novos casos por dia. “Neste momento, estamos a estimar que teremos uma redução a metade do número de casos em aproximadamente 14 dias, o que significa que dentro de aproximadamente duas semanas poderemos chegar à zona dos três mil casos”, disse o investigador da Faculdade de Ciências da Universidade Nova de Lisboa.

Porém, esta drástica redução nos alicerces indicadores do estado da pandemia só será constante se as autoridades enveredarem por um "plano" que não esteja dependente de indicadores lentos, como o Rt - que chega com sete dias de atraso.

Plano de testagem "agressivo" - e não o confinamento - é a solução

Manuel do Carmo Gomes junta-se a vários investigadores europeus para apresentar uma ideia que foge à resposta gradual aos indicadores pandémicos. Antes, sublinha, esta estratégia tem por base uma "resposta agressiva que estabelece linhas vermelhas e que se compromete a agir decididamente quando estas linhas forem ultrapassadas".

Esta posição é partilhada por 871 cientistas e tem como o exemplo o modelo dinamarquês: a Dinamarca aumentou brutalmente a testagem no momento em que registou uma subida drástica de casos, tendo conseguido manter a percentagem de positivos relativamente baixa. Face ao aumento registado no Natal, Portugal andou "correr atrás da incidência e do Rt".

Depois levamos 15 dias a ver o resultado das medidas que normalmente não são suficientes. Esta resposta gradual não pode acontecer com um vírus que cresce exponencialmente e divide a sociedade", diz, afirmando que a resposta deve passar por um upscaling na realização de testes de despistagem.

 

A testagem é a arma principal, não o confinamento", argumentou o especialista da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Carmo Gomes define ainda três "linhas vermelhas" que, ao serem ultrapassadas, pedem ações e medidas fortes. São elas: Rt superior a 1,1; percentagem de testes positivos abaixo dos 10% e uma incidência maior do que 2 mil casos diários

Além disso, defende, "devemos travar a importação das variantes, evitando a sua propagação e aumentando a vigilância molecular. Se adotarmos estas regras saberemos quando confinar e desconfinar", mas, sublinha, "estamos longe de desconfinar".

Manuel do Carmo Gomes explica ainda que a redução drástica dos contágios ocorreu no dia 21 de janeiro e que se o país tivesse optado por um confinamento mais leve e menos restritivo, iria enfrentar um pico mais "longe e agravado".

 

70% de pessoas vacinadas até setembro; primeira fase prolonga-se até abril

A ideia de uma fuga rápida ao confinamento total parece longe de estar concretizada e Henrique de Barros, investigador da Universidade do Porto, destaca que "podemos imaginar sair da situação atual por volta do verão". Ainda assim, anuncia que 70% da população estará vacinada no final de setembro.

Este horizonte tem na sua génese dois cenários que dependem da velocidade e da eficácia empírica das vacinas. No primeiro cenário, dois milhões de pessoas terão sido inoculadas até ao final de abril, com mais 5 milhões a serem vacinadas entre maio e setembro.

 

 

No segundo cenário, “uma alternativa que podemos não consegui-la”, quatro milhões de pessoas seriam vacinadas até ao final de abril, sendo que entre maio e agosto, seriam vacinados mais três milhões de indivíduos.  

Ambos os cenários terão sempre de lidar com um "estrangulamento no fornecimento de vacinas" que levou Gouveia e Melo, coordenador do plano de vacinação, a anunciar esta terça-feira que a primeira fase será prolongada até abril. Segundo a sua previsão, a vacinação vai salvar 3.500 vidas até setembto.

Gouveia e Melo destaca que esta diminuição da quantidade de vacinas não está relacionada com um problema de distribuição, nem de vacinação e que a carência é comum ao quadro europeu.

Ao continente já chegaram 460 mil vacinas (43 mil foram direccionadas para o arquipélago), sendo que 400 mil já foram administradas. As restantes foram armazenadas de forma a não comprometer a segunda dose. O coordenador sublinha que a vacinação não é mais célere também pela necessidade de garantir que toda a gente finaliza o processo de inoculação.

O especialista Henrique de Barros diz ainda acreditar que cerca de um milhão de pessoas já está imunizado por ter sido infetado com o novo coronavírus. Uma perspectiva “muito conservadora”, já que diz ser possível que o valor ronde os 1,5 milhões. Presumia-se ainda que havia 20 mil indivíduos com infecção activa e que não há reinfecção nos primeiros seis meses após a infecção.

 

 

Escolas fechadas e confinamento de dois meses

Baltazar Nunes, responsável pela Unidade de Investigação Epidemiológica do Instituto Ricardo Jorge, revelou que a incidência acumulada a 14 dias encontra-se ainda a níveis considerados extremamente elevados (acima de 980 por 100 mil habitantes) e que, entre 25 de dezembro e 4 de janeiro, o valor do Rt aumentou de forma acentuada, culminando num prico de hospitalizações.

Sublinhando a eficácia da implementação de medidas mais restritivas para o confinamento ( traduziu-se numa redução da incidência de 7,8% ao dia, menos 5,1% do que em 15 de janeiro), Nunes afirma que a redução foi mais acentuada na população de adultos jovens e com mais de 80 anos.

 

 

Comparativamente com a Europa, Portugal "é dos países europeus com medidas mais restritivas de confinamento e apresenta a maior redução de mobilidade na área de retalho e lazer (a 2 de fevereiro)", afirmou

Assim, argumenta, "precisamos de manter estas medidas de confinamento por um período de dois meses para trazer o número de camas ocupadas em cuidados intensivos abaixo das 200 e a incidência acumuladas a 14 dias abaixo dos 60 casos por 100 mil habitantes", definiu Baltazar Nunes.

 

Portugal evitou crescimento exponencial da variante britânica, mas tem de estar atento a outras mutações

A variante com origem no Reino Unido do vírus SARS-CoV-2 já terá ultrapassado os 120 mil casos em Portugal, segundo adiantou o investigador do Instituto Nacional de Saúde Pública Dr. Ricardo Jorge (INSA) João Paulo Gomes.

Estimámos que entre 1 de dezembro de 2020 e 7 de fevereiro de 2021 tivessem circulado já em Portugal mais de 120 mil SARS-CoV-2 com o padrão de mutações associado à variante do Reino Unido”, explicou o microbiologista, sustentando que as medidas de restrição da pandemia atualmente em vigor levaram a uma quebra na propagação da variante, não confirmando as piores projeções traçadas na anterior reunião - quando a prevalência desta variante rondaria ainda apenas os 8%.

Em Portugal, fizeram-se mais de 200 mil testes, sendo que cerca de 40 mil positivos e mais de 8 mil pertenciam à variante britânica, disse, explicando que Portugal conseguiu evitar um crescimento exponencial da variante britânica da covid-19, desviando-se da previsão de que, na próxima semana, 65% da incidência do vírus seria causada pela estirpe.

Em Lisboa e Vale do Tejo, no entanto, argumenta existirem "boas notícias": embora a taxa de crescimento desta estirpe tenha uma “prevalência superior à maior parte das regiões do país”, a evoluçãotem sido “muito favorável”. Há três semanas, este valor chegou aos 50-60% há três semanas e, agora, fica nos 19% em todo o país.

Paralelamente, a apresentação de João Paulo Gomes contou também com uma análise que se debruçou na segunda semana de janeiro. Nesta, 16% dos casos de covid-19 estavam associados à variante do Reino Unido, dois casos com a variante de África do Sul e 6,8% dos casos partilham uma mutação com as mesmas características da variante da Califórnia.

Não estávamos à espera deste resultado. Estaremos atentos para perceber se ela continuará a disseminar-se. Vamos reforçar a vigilância”, salientou.

 

 

Confinamento: "Para já, durante fevereiro"

Ao fim de três semanas de vigência de normas apertadas de confinamento, o país tem registado nos últimos dias sucessivas reduções do número de infetados com o novo coronavírus, embora os hospitais permaneçam sob grande pressão e continuem a aumentar ligeiramente o número de internamentos e de doentes em cuidados intensivos.

No Governo, é praticamente certo que nenhuma medida de alívio das restrições à atividade será levantada a curto prazo. Entre os epidemiologistas, prevalece a tese de que o país não poderá começar a desconfinar enquanto não baixar de forma sustentada para os dois mil casos novos de infeção por dia.

No final da reunião, Marta Temido sublinhou que o país precisa que o atual confinamento dure por mais tempo.

É bastante evidente que tem de ser prolongado durante mais tempo", destacou a ministra da Saúde, sublinhando que ficou claro que existe uma relação causal entre a intensidade do confinamento e a redução da incidência de transmissão do vírus.

A ministra afirmou ainda que, apesar de as medidas estarem a produzir resultados, é evidente que o confinamento tem de ser prolongado, para já durante o mês de fevereiro, mas "provavelmente por um período que os peritos estimaram de 60 dias a contar do seu início”.

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