Covid-19: casos de fura-filas da vacina multiplicam-se no mundo - TVI

Covid-19: casos de fura-filas da vacina multiplicam-se no mundo

  • Henrique Magalhães Claudino
  • 3 fev 2021, 19:20
Vacinação em lares de idosos

Políticos, generais, amigos e companheiros. O advento das vacinas trouxe com ele vários casos de inoculações indevidas no mundo, gerando diversos escândalos e demissões pelo caminho

As vacinas contra o novo coronavírus são indubitavelmente a maior esperança que a humanidade tem para voltar a uma realidade dita “normal”. São promessas de que, num futuro próximo, os abraços e beijos entre familiares e amigos vão ser costume mais uma vez e que o mundo não será assoberbado diariamente por números de infeções e mortos que esgotam os serviços hospitalares e agravam um medo generalizado na sociedade.

Dito isto, com o início das campanhas de vacinação em vários pontos do planeta, também têm sido comuns escândalos e polémicas relacionados com a prioridade para receber as doses. 

Desde jovens empreendedores a serem inoculados na cidade norte-americana de Filadélfia, a uma personal-trainer que pediu a vacina por se considerar uma trabalhadora essencial, as denúncias multiplicam-se em vários jornais internacionais.

Ademais, chegam da Europa histórias de políticos e de altos funcionários em hospitais de grande calibre que alegadamente passaram à frente de pessoas consideradas prioritárias, para garantirem a imunidade ao desafio mais medular dos últimos meses.

A organização sem fins lucrativos que foi à procura de lucro com as vacinas

No final do mês de janeiro, a cidade de Filadélfia anunciou que iria cortar todos os vínculos que detinha com a Philly Fighting Covid (PFC) por já “não confiar na entidade como organização”. A PFC é uma organização sem fins lucrativos criada por um jovem empreendedor de 22 anos e que ganhou nome por gerir vários pontos de teste na cidade.

Em causa, está uma polémica que gira em torno do CEO Andrei Doroshin, que admitiu ter sido vacinado contra a covid-19 e ter administrado doses a quatro amigos.

Além disso, durante o mês de janeiro, a PFC fechou inesperadamente todas as suas operações de testagem para se concentrar na administração de vacinas, mudando de estatuto para entidade com fins lucrativos - uma mudança que o departamento de saúde da cidade disse ter observado através dos meios de comunicação locais.

 

 

Também foram levantadas preocupações sobre as mudanças na política de privacidade da PFC que permitiriam a venda de dados de pacientes inoculados, através do seu site de registo online.

No instagram, o jovem empreendedor afirma que as acusações são uma farsa para impedir uma vacinação mais ampla: “A acusação é completamente falsa. Mas essa falsa acusação serviu o seu propósito. Sem um vestígio de evidência, o chefe do departamento de saúde repentinamente e sem causa cortou o nosso relacionamento, interrompendo muitos milhares de vacinações".

Em entrevista à emissora norte-americana NBC, Andrei Doroshin disse ainda que os seus amigos foram vacinados porque a organização tinha recebido doses a mais e não queria que se estragassem.

“Estavam prestes a expirar. Telefonámos  a toda a gente que conhecíamos”, disse.
 

Celebridades vacinadas ao mesmo tempo de pessoas prioritárias

Como em muitos outros países, existe uma escassez da vacina contra a covid-19 na Polónia. A maior parte das doses foi produzida pela BioNTech-Pfizer, mas o país também recebeu 29 mil doses da Moderna. Estas foram administradas principalmente a pessoas com mais de 80 anos que puderam registar-se com antecedência.

De acordo com o Ministério da Saúde polaco, não há mais vagas para inoculações até março. 

Foi revelado, no final de 2020, que, além dos profissionais de saúde da linha de frente, que estavam entre os primeiros a serem vacinados, algumas celebridades passaram à frente e receberam também a vacina contra a covid-19.

Entre essas celebridades está Krysyna Janda, uma das mais conhecidas atrizes polacas. A artista de 68 anos revelou no Facebook que já tinha sido vacinada.

Janda publicou um comunicado no site da Universidade Médica de Varsóvia (WUM), que afirma ter usado "um conjunto adicional de vacinas, separado das destinadas aos grupos prioritários", para vacinar "pessoas do mundo da cultura e promover a ideia da vacinação ”.
 

A PT que disse ser educadora para conseguir ser vacinada

Depois de uma viagem de cerca de uma hora até um local de vacinação contra o coronavírus de Staten Island, Estados Unidos, a famosa instrutora de fitness Stacey Griffith expôs às autoridades os seus argumentos sobre o porquê de ter de receber a primeira dose da vacina da Moderna.  O que terá qualificado esta celebridade de 52 anos no mundo do spin foi o facto de ser “uma educadora”, revela o site Daily Beast.

Porém, após ter-se gabado da inoculação no Instagram - “primeiro passo da magia da Moderna”, escreveu - a instrutora enfrentou uma enxurrada de críticas dos seus próprios fãs e até mesmo do autarca de Nova Iorque, Bill de Blasio. Mais tarde, Griffith pediu desculpa por aquilo que considera ter sido um "terrível erro de julgamento".

 

 

 

A indignação percorreu as redes e tornou-se viral, com muitos a questionarem o porquê de uma relativamente jovem instrutora de fitness, que cobra 800 dólares (665 euros) por aula, ter passado à frente de muitos trabalhadores essenciais e de cidadãos vulneráveis.

Sequencialmente, o autarca de Nova Iorque afirmou que os instrutores de fitness não deviam ser vacinados ao mesmo tempo que os professores, que têm estado no centro de um acalorado debate enquanto a cidade considera repetidamente a possibilidade de reabrir escolas durante a pandemia.
 

Vacinas para familiares e amigos em Itália

Foi maldade a arrogância”, foi assim que Angelo Aliquò, diretor do serviço de urgência hospitalar do Hospital de Ragusa, em Itália, reagiu após suspender o diretor da vacinação da Unidade de Saúde e uma médica por terem incluído familiares e amigos no processo de inoculação.

De acordo com a imprensa italiana, o responsável foi vacinado contra a covid-19, juntamente com a respetiva mulher, filha e genro. A médica que o assistiu no esquema também incluiu na vacinação o marido, uma sobrinha e um irmão.

Em Itália, as autoridades estão a investigar a vacinação de pelo menos 50 pessoas consideradas não prioritárias, incluindo quatro ex-autarcas da Sicília e um autarca de Modica.
 

O esquema de amigos e familiares no Reino Unido

Os funcionários dos centros de vacinação contra o coronavírus do NHS ( o SNS britânico)  estão a oferecer as doses que sobram aos seus amigos e familiares para evitar que se desperdicem no final do dia.

Uma notícia que está a gerar críticas por parte dos chefes dos serviços de saúde que estão a ameaçar com ações legais contra os funcionários que fazem isso, caso as pessoas vacinadas não estejam em algum grupo prioritário.

De acordo com o jornal The Telegraph, nas zonas de Kent Essex, Buckinghamshire e no sul de Londres, amigos e familiares que não se enquadram nos grupos prioritários foram convidados a tomar a vacina.

Além disso, uma fonte afirmou que amigos e familiares com cerca de 30 anos estavam a receber a vacina de funcionários que trabalham num centro em Liverpool.

No Nottingham University Hospital, amigos e familiares na casa dos 50 também foram alegadamente convidados para as “vacinas restantes”.

Um porta-voz do hospital confirmou ao The Telegraph que um esquema de amigos e familiares estava em operação, mas disse que as vacinas só foram oferecidas a pessoas com mais de 80 anos.

O escândalo do político e do general em Espanha

O presidente da região de Murcia, na Espanha, Fernando López Miras (do partido PP), anunciou a renúncia do seu conselheiro de Saúde, Manuel Villegas, após vir à luz um escândalo em que ele e mais 400 funcionários do Conselho haviam recebido a vacina contra Covid-19 mesmo não integrando nenhum grupo prioritário.

A renúncia foi uma resposta à pressão da população pela saída de Villegas, para evitar “barulho” segundo López Miras. Porém, o presidente afirma que a conduta do conselheiro foi “exemplar” e que ninguém burlou o sistema em Murcia.

Villegas é médico, formado pela Universidade de Murcia e especialista em medicina familiar e comunitária e em cardiologia. O próprio justifica a vacinação por integrar a profissão médica. o protocolo do Ministério da Saúde especifica que os profissionais incluídos no grupo prioritário devem trabalhar “em centros e estabelecimentos de saúde e sociais” — o que não é o caso.

A polémica surge pouco depois de o general Miguel Angel Villarroya, Chefe do Estado-Maior de Defesa da Espanha,  ter sido demitido por uma ação semelhante.

Villaroya terá sido vacinado, embora não conste em nenhuma lista prioritária.

A sua demissão foi aceite pela ministra da Defesa, Margarita Robles, revelou a Agence France-Presse e a sua saída ocorre apenas um dia depois de o Ministério do Interior demitir um tenente-coronel, porque um relatório interno concluiu que ele havia recebido a vacina sem ser prioritário.

Os casos de vacinação indevida em Portugal continuam a aumentar e a provocar demissões, incluindo  a do coordenador da ‘task force’ para o Plano de Vacinação contra a covid-19.

Francisco Ramos — substituído pelo vice-almirante Gouveia e Melo, que já integrava a ‘task force’ — renunciou ao cargo e afirmou numa declaração escrita que a decisão se deveu a irregularidades relativas ao processo de seleção para vacinação de profissionais de saúde no Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa (HCV), do qual é presidente da comissão executiva.

Posteriormente, o diretor clínico e a enfermeira diretora do mesmo hospital anunciaram que tinham colocado os lugares à disposição, justificando a irregularidade com um lapso na seleção dos profissionais a vacinar contra a covid-19, revelou o médico à Lusa.

No domingo, o responsável pela delegação do Norte do INEM, António Barbosa, tinha apresentado a demissão depois de ter assumido que tinha autorizado a vacinação de 11 funcionários de uma pastelaria próxima do instituto, alegando tratar-se de uma opção para evitar o desperdício das doses de vacina.

Outras alegadas irregularidades no INEM tinham sido denunciadas no dia 28 de janeiro pela Associação Nacional de Emergência e Proteção Civil, que divulgou também que o presidente do INEM, Luís Meira, “contrariou as indicações do Ministério da Saúde e vacinou dezenas de profissionais não-essenciais e que não são profissionais de saúde”.

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