Portugueses na Venezuela só tiveram queixas para Santos Silva - TVI

Portugueses na Venezuela só tiveram queixas para Santos Silva

  • CM
  • 8 jan 2018, 10:08
Augusto Santos Silva

"Portugal sabe perfeitamente da situação social que aqui vivemos, porque estamos nos olhos do mundo. No entanto, pretende ver uma realidade de outros tempos", disse o presidente do Centro Português de Caracas

A comunidade portuguesa de Caracas queixou-se ao ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal da indiferença e da tardia reação do Governo português perante a crise que afeta os portugueses radicados na Venezuela.

Portugal sabe perfeitamente da situação social que aqui vivemos, porque estamos nos olhos do mundo. No entanto, pretende ver uma realidade de outros tempos", disse, no domingo, o Presidente do Centro Português de Caracas (CPC).

Rafael Gomes falava no Salão Nobre do CPC, durante um encontro com Augusto Santos Silva, em nome das duas mil famílias que integram o clube, num evento que reuniu várias centenas de portugueses.

Elevo a voz de protesto e de preocupação pelos últimos acontecimentos, onde, de uma forma direta e frontal, a nossa comunidade de empresários foi altamente afetada", frisou, numa alusão à descida dos preços imposta pelas autoridades locais aos supermercados.

Rafael Gomes aproveitou a ocasião para pedir a Augusto Santos Silva que "sirva de porta-voz, como alto representante do Governo de Portugal, de que já basta de tanta indiferença" de Lisboa.

Também que sirva de porta-voz ao Governo venezuelano pelos maus-tratos de que somos vítimas há muito tempo e pelo flagelo da insegurança, a que sabemos todos estamos expostos, sem importar a nacionalidade."

O presidente do CPC denunciou "a indiferença em relação aos sequestros que se produzem diariamente", sublinhando que uma das comunidades "mais afetadas" é a portuguesa e que "pouco ou nada se faz para mudar a situação". “Não bastam somente boas intenções, faz falta também ação”, frisou.

Para Rafael Gomes, "a verdade está na rua, está todos os dias nos consulados", onde os portugueses pedem documentação "para sair da Venezuela" e "nas favelas onde também há portugueses bastante carenciados".

Portugal não tem em conta a grande quantidade de carenciados que há na Venezuela e os programas de apoio não se agilizam em Lisboa.”

As relações com as autoridades portuguesas estão também marcadas pelas deceções quando "Portugal, ou os seus representantes, lá distantes, não dão respostas às preocupações" locais.

Portugal não facilita, aos portugueses, investimentos quando regressam à sua terra, pela situação atual que agora aqui se vive (…) e ainda não responde aos portugueses que tinham as suas poupanças num banco português”

Por outro lado, Rafael Gomes queixou-se que Lisboa “consciente das necessidades [da comunidade portuguesa] não deixou passar a oportunidade para assinar acordos com o Governo (venezuelano), que só beneficiaram empresários portugueses de Portugal e não a comunidade portuguesa radicada”.

“Portugal sabe que o Centro Português, instituição de solidariedade, social e desportiva, sem fins lucrativos, não é a realidade de toda a comunidade. Apenas tem 2.000 sócios, que com dificuldades mantêm com as suas quotas a sua infraestrutura, e nunca recebeu nenhum tipo de colaboração de Portugal”, frisou.

Na Venezuela, não nos sentimos representados pelas nossas autoridades do Governo central (…) se comparar-mos a reação de outros países estrangeiros, perante situações como as atuais, Portugal nunca reage rapidamente. Os cidadãos portugueses que são sequestrados, expropriados, nos seus negócios ou empresas, sentem a solidão, a falta de apoio e ajuda, porque Portugal nunca se pronuncia (…) Estamos cansados de discursos herméticos, agradecemos as palavras, mas precisamos realmente de ações, que nos façam sentir realmente como cidadãos portugueses emigrados na Venezuela.”

Portugal pode ajudar com alimentos e medicamentos

Portugal pode contribuir para ajudar a Venezuela a superar as dificuldades atuais no acesso a bens alimentares e medicamentos, disse, no domingo, o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva.

Portugal pode contribuir, mesmo nesta circunstância de emergência (…) Há um exemplo muito simples, há hoje muitas dificuldades na garantia de abastecimento das populações em bens alimentares básicos ou de provisão de bens igualmente essenciais como os medicamentos.”

Augusto Santos Silva falava à agência Lusa à margem de um encontro com a comunidade portuguesa, que decorreu no Centro Português de Caracas, e que reuniu centenas de portugueses e lusodescendentes, no âmbito de uma visita do chefe da diplomacia portuguesa à Venezuela.

Hoje, o principal grupo de produtos que exporta para a Venezuela são produtos agroalimentares, mas pode exportar muito mais e há cinco laboratórios portugueses que exportam medicamentos para a Venezuela e que podem exportar muito mais. Portanto, nós próprios podemos contribuir para superar estas dificuldades, certamente momentâneas, que hoje se vivem aqui.”

Sobre o encontro com a comunidade portuguesa, o ministro considerou ter sido “muito interessante”, pela afluência e pela “franqueza das pessoas que às vezes têm alguma dificuldade, acanham-se um pouco, quando falam com membros do Governo”.

Mas “não foi nada disso” que aconteceu, os portugueses “expuseram os seus problemas com toda a franqueza”, sublinhou.

Deu também para perceber bem qual é a dimensão das dificuldades que a comunidade portuguesa sente que vive hoje na Venezuela”, disse.

Quanto a essas dificuldades, Augusto Santos Silva indicou que em primeiro lugar está “a questão da segurança” que “é crítica, porque as pessoas conhecem outras pessoas que foram objeto de roubo, algumas de sequestro”.

“Infelizmente nos últimos anos tem havido até casos de assassínio e isso cria um sentimento de insegurança que é preciso contrariar tão rapidamente quanto possível”, defendeu.

A segunda dificuldade que apontou foi “o acesso a bens básicos, alimentares, de medicamentos e de cuidados de saúde”.

"Em terceiro lugar, o clima de aflição que se vive nos últimos dias, por causa da intervenção junto dos supermercados de redes portuguesas, no sentido de impor baixas de preços que as pessoas aqui entendem que não são possíveis, porque colocam esses preços abaixo dos próprios custos de produção”, acrescentou.

Por outro lado, o responsável português precisou que, depois de 30 horas na Venezuela, o MNE tem “uma noção muito clara de quais são os temas principais, e os temas são os relativos às condições económicas e sociais que hoje a comunidade vive aqui”.

Eu terei a oportunidade de ter uma reunião bilateral com o ministro das Relações Exteriores [venezuelano, Jorge Arreaza], para além da comissão mista. Claro que ele tem temas para me colocar e eu tenho temas para lhe colocar, e estes temas estarão certamente na agenda dessa reunião”, frisou.

 

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