Portugal-Koweit, 8-0 (crónica) - TVI

Portugal-Koweit, 8-0 (crónica)

Noite de paz, noite de amor... Natal antecipado para a Selecção. Palmas para os artistas, golos para os matadores e paz para Scolari. Os testes seguem dentro de momentos.

A selecção portuguesa igualou esta noite as maiores goleadas do seu historial, marcando oito golos ao Koweit, seguramente o adversário mais frágil com quem jamais mediu forças, mesmo considerando Andorra e Liechtenstein nestas contas. Pauleta igualou também uma proeza histórica, marcando quatro golos num só jogo, algo que, antes dele, apenas Eusébio e Nuno Gomes (de volta aos golos na Selecção, com um hat-trick em 25 minutos) tinham conseguido. O público gostou, aplaudiu do primeiro ao último minuto. E o sétimo palco para a fase final do Euro, teve assim o baptismo mais festivo e pacífico que seria possível imaginar.

2003 foi um ano conturbado para a Selecção. A ponto de, a sete meses do arranque do Euro se estar em vias de hipotecar aquilo que, nesta altura, é verdadeiramente o mais importante para este grupo de jogadores: a autoconfiança, a motivação e a empatia com o público. As maiores referências da equipa - Figo, Rui Costa, Pauleta e Fernando Couto - sentiram necessidade de apelar à pacificação antes de os estragos se tornarem irremediáveis. O jogo de Leiria veio mesmo a jeito para atender aos seus pedidos.

Noite de paz, noite de amor

Dificilmente se poderia arranjar melhor cenário de paz: um público a dar muito cedo sinais de ter percebido a mensagem, talvez estimulado pelo orgulho na inauguração do novo estádio. Um adversário simpático, macio e nada mais. E, acima de tudo, um grupo de jogadores perfeitamente consciente de que para pacificar o clima era preciso uma exibição convincente, trazendo de volta o futebol sedutor e espectacular que era o mais forte traço de identidade desta equipa até ao desastre asiático do último Mundial.

Claro que a vitória nunca esteve em causa, apesar de, por anedota, ter sido Quim a fazer a primeira defesa do jogo. Desde o pontapé de saída se percebeu que a palavra de ordem, nos dois lados, era circular a bola, fazer poucas faltas e aproveitar os espaços para dar o melhor tratamento possível à bola. Com Deco e Rui Costa lado a lado, sem pressão, com Figo determinado a apagar das memórias a noite infeliz de Aveiro, com Pauleta a ter liberdade para dar vazão ao instinto goleador que faz dele um caso ímpar no futebol português, o primeiro golo demorou apenas dez minutos, e a certeza de que estávamos a caminho de uma goleada de invulgares proporções, outros dez.

Até ao intervalo, as principais estrelas da Selecção tiveram, assim, 45 minutos para afastar os traumas e, sem perder a consistência colectiva, jogar para a plateia. Citando uma frase célebre no futebol português, viram-se coisas bonitas, com especial destaque para a felicidade (cada vez mais rara, como o próprio Scolari já admitiu) de ver Rui Costa e Deco em acção, ao mesmo tempo e com igual liberdade de movimentos.

Pauleta chegou facilmente ao hat-trick, Simão esteve por duas vezes perto de marcar de cabeça (pois...) e Figo selou a noite de paz, noite de amor, com um golo em belo estilo, que não perde beleza pelo facto de ter sido extremamente facilitado por uma defesa embevecida com a técnica do número 7 luso.

Nuno Gomes, ano e meio depois

Após o intervalo, com Fernando Couto, Figo e Rui Costa saciados de aplausos, Scolari deu início ao plano B, lançando Caneira e testando Beto a meio-campo, ao lado de Costinha, para deixar Deco como único maestro atrás de um trio ofensivo onde já estava Boa Morte. Pauleta chegou ao poker, diante de um adversário cada vez mais desgastado pelo passar dos minutos, e logo a seguir foi para o balneário, dando lugar a Nuno Gomes.

O jogo já dava para tudo, até para que a troca de Deco por Rogério Matias permitisse a Rui Jorge (sim, sim!) cerca de 25 minutos de puro prazer como médio ofensivo. E como Nuno Gomes, muito acarinhado pelo público, percebeu cedo que tinha uma oportunidade de ouro para pôr fim a um jejum de ano e meio na Selecção, o resultado chegou até aos 8-0 finais, só por acaso não se traduzindo na maior goleada da História da Selecção.

Pouco importa: o Natal antecipado foi justo na distribuição de prendas. Leiria teve a sua festa, Scolari ganhou um momento de pausa nas polémicas, os artistas, com Deco e Rui Costa à cabeça, um momento raro de liberdade absoluta e os avançados, um carregamento de golos para ganhar moral. Pena que até ao Europeu não haja mais Koweites no caminho. Mas pelo menos, a família fez as pazes no encerrar do ano. Os testes a sério seguem dentro de momento.

Continue a ler esta notícia