Ator em Hollywood e futebolista dos LA Galaxy: «Não é fantasia» - TVI

Ator em Hollywood e futebolista dos LA Galaxy: «Não é fantasia»

Andrew Shue (Associated Press)

Andrew Shue viveu o verdadeiro ‘American Dream’. Foi o protagonista de filmes e de uma das séries mais famosas dos anos 90, ao mesmo tempo que dividia o balneário com Jorge Campos e Cobi Jones

Futebol e representação. Mundos paralelos, pontualmente entrelaçados em produções de discutível bom gosto. Pelé e Bobby Moore em Fuga Para a Vitória, Eric Cantona em À Procura de Eric, Vinnie Jones em X-Men, Zinedine Zidane em Asterix, David Beckham em Rei Artur.

E o oposto, atores capazes de se arriscarem no futebol profissional? Poucos, quase nenhuns. Apenas Andrew Shue? O nome talvez não seja tão familiar como os do primeiro parágrafo, mas nos anos 80 e 90 Shue entrou em filmes como Karate Kid e Cocktail, tornando-se a partir de 1992 um dos protagonistas de Melrose Place, uma soap opera de grande sucesso e exibida até 1998.

Shue, irmão da também atriz Elisabeth, era um anónimo professor de matemática apaixonado por soccer e que, por casualidade e algum talento, entrou no mundo da Sétima Arte. Após algumas experiências como amador, Andrew foi também convidado a ser um dos embaixadores da novíssima Major League Soccer, a liga profissional norte-americana que seria estreada em 1996.

Mas Andrew quis mais. Falou com os responsáveis da MLS, foi aceite na pré-temporada dos LA Galaxy, treinou mais do que nunca e acabou por agarrar uma vaga no plantel. Andrew Shue jogou logo 25 minutos na estreia dos Galaxy na competição, contra os MetroStars de New York.

VÍDEO: Andrew Shue entra na estreia dos LA Galaxy (a partir dos 1h19m00s)

Jorge Campos na baliza dos LA Galaxy, Tony Meola no lado dos MetroStars, Tab Ramos, Roberto Donadoni, nomes suficientemente apelativos para entusiasmar os 60 mil espetadores presentes há 25 anos no Rose Bowl. O mais aplaudido da noite? Shue, Andrew Shue.

«Estive nesse jogo histórico e fiquei muito perto de marcar», contou o antigo ator e futebolista ao site official da MLS, num depoimento integrado nas celebrações do 25º ano do campeonato. «A bola sobrou para mim num ressalto e rematei de primeira. O Meola, que era o titular da seleção dos EUA, defendeu para canto. Pus as mãos na cara e pensei: ‘meu Deus, quase marcava na minha estreia como profissional’.»

A experiência de Andrew Shue aproxima-se da lógica por trás da criação do epíteto do American Dream. Um rapaz de uma pequena cidade de Delaware, mais interessado no desporto do que nos estudos, figurante em algumas produções de Hollywood, personagem secundária em várias experiências no futebol – até numa equipa do Zimbabwe, durante o ano passado a dar aulas em África – até ter a oportunidade de participar numa das mais bem sucedidas séries televisivas norte-americanas.

Andrew Shue com a camisola dos Galaxy (AP)

Antes de David Beckham e de Zlatan Ibrahimovic, o golpe publicitário e de mediatismo encontrado pelos donos dos Los Angeles Galaxy chamou-se Andrew Shue. Shue levou colegas de equipa ao programa de Jay Leno, desfilou na carpete vermelha com uma camisola dos Galaxy, desafiou o mediatismo de Alexi Lalas e de Cobi Jones.

Melrose Place foi vista, em média, por 11 milhões de pessoas durante a primeira temporada. Shue era uma das caras mais famosas nos EUA.

«Duvidei muitas vezes da minha qualidade futebolística. Pensava que estava a entrar no jogo porque tinha de entrar, porque as pessoas me queriam ver. Será que era só por isso ou eu podia mesmo ajudar os Galaxy a ganhar jogos? Nunca saberei a resposta, mas sei que sempre que estive em campo fiz tudo para as coisas correrem bem. E diverti-me.»

Andrew Shue assinou um contrato válido por duas épocas. Fez cinco jogos em 1996 e nenhum em 1997, devido a uma grave lesão. Objetivamente, a MLS e os LA Galaxy precisavam mais da fama de Shue do que Shue precisava deles.

O soccer nunca teve acesso facilitado ao território das grandes audiências, do merchandising, dos corações dos norte-americanos. Colocar Andrew Shue, o namoradinho platónico de milhões de norte-americanos, no centro do jogo foi uma jogada de mestre.

«Nós sabíamos que estávamos a criar um novo produto, um produto ambicioso», refere Andrew Shue, hoje com 53 anos e completamente afastado do cinema e do futebol. «Foi o início do futebol verdadeiramente profissional e global nos EUA. Tive a incrível sorte de desempenhar um papel nisso tudo.»

Andrew tinha filmagens de manhã, treinava à tarde e dormia à pressa antes de se levantar de madrugada e voltar a Santa Clarita, local das filmagens de Melrose Place. Não raras vezes, o médio esquerdo e ator romântico levava os guiões para os balneários e os colegas de equipa ficavam a conhecer o argumento da série muitos meses antes dos outros norte-americanos.

«É verdade. De manhã contracenava com a Heather Locklear – uma sex symbol dos 90s -, à tarde jogava futebol e aos sábados ainda me via no relvado do mítico Rose Bowl. Muitas vezes tinha de me beliscar e dizer em frente ao espelho: ‘calma, rapaz, isto não é uma fantasia’.»

Mas, afinal, Andrew Shue jogava alguma coisa? Mark Semioli, colega de equipa nesses LA Galaxy de 96 e 97, garante que sim. Mas, mais do que isso, revela que era sempre o melhor nos testes físicos do plantel. E assim conquistou a admiração do plantel em Los Angeles.

«Ele era, de longe, o mais bem preparado fisicamente. Queria mesmo jogar, não estava lá só por favor e para dar visibilidade à equipa. Foi dos tipos mais competitivos que conheci no futebol, era um bom rematador, cruzava bem e fazia muitos golos nos treinos.»

Em 2021 este conto seria inimaginável, até porque o nível desportivo da MLS subiu consideravelmente, mas em 1996 Andrew Shue agarrou o melhor que a vida podia dar. Nome grande em Hollywood e, precisamente ao mesmo tempo, futebolista profissional. Uma história que faz agora 26 anos.

VÍDEO: Andrew Shue na cerimónia de abertura da MLS em 1996

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