Julian Weigl: do castigo à Taxi Driver até ser a «máquina de passes» - TVI

Julian Weigl: do castigo à Taxi Driver até ser a «máquina de passes»

Julian Weigl (Foto Facebook)

A infância entre Bad Aibling e Ostermunchen; o colégio interno e o trabalho na loja do 1860 em Munique; o acidente de comboio e uma carreira que vai continuar no Estádio da Luz

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«You talkin' to me?»

Travis Bickle, o Taxi Driver de Martin Scorsese, enfrenta o espelho e aponta-lhe a pistola. «Are you talking to me?», repete uma e outra vez um jovem Robert De Niro. 1976 em Hollywood, a frase torna-se icónica, uma das mais célebres de sempre.

A história sobre Julian Weigl arranca neste tom. Porquê? Porque em agosto de 2014 o novo médio do Benfica também enfrentou o seu Taxi Driver. Não ao espelho, mas no gabinete da direção do 1860 Munique.
 

Weigl tinha 18 anos e era capitão de equipa há dez dias. Um génio precoce, um médio raro, um talento. Depois do segundo jogo da época, porém, tudo mudou. O clube de Julian Weigl perdeu e o atleta vingou-se com os colegas numa saída até tarde e más horas.

No regresso a casa, pelas três da manhã, Weigl apanhou táxi. Ele e mais três colegas de equipa: Vitus Eicher, Daniel Adlung e Yannick Stark. Desabafaram, criticaram as opções da direção e da equipa técnica, impelidos pela juventude e a euforia do álcool.

Tudo normal, não se desse o caso de o taxista ser um adepto fanático do 1860 Munique. Na manhã seguinte, o tal Taxi Driver telefonou para o clube e fez queixa do quarteto. Confrontados com as acusações, Weigl e os colegas limitaram-se a aceitar a reprimenda. Foram despromovidos à equipa secundária e Julian Weigl perdeu a braçadeira de capitão.

«Quando fui suspenso, em 2014, fiquei devastado. A partir daí comecei a olhar com algum distanciamento para o ‘football business’. Na altura fui ingénuo, até por ser capitão de equipa. Pensei que era mais fácil do que realmente era», assumiu Weigl já em 2018 no site oficial do Borussia Dortmund.

O revés foi ultrapassado cinco semanas depois. O treinador de Julian Weigl, Ricardo Moniz, acabou por ser demitido e substituído por Markus van Ahlen. Weigl recuperou o lugar da equipa, arrancou para uma grande temporada e foi vendido em junho de 2015 ao Borussia por 2,5 milhões de euros.

Julian Weigl foi capitão do TSV 1860durante dez dias (Foto: site oficial do clube)

Um pão com salsicha no banco de suplentes

Filho de um antigo futebolista bem sucedido [Hans Weigl] a nível regional, Julian nasceu em Bad Aibling, no sul da Alemanha, e viveu até à adolescência em Ostermunchen, uma pequena localidade a apenas dez quilómetros.

Os primeiros passos do pequeno Julian no futebol foram dados aos seis anos no SV Ostermunchen, o clube mais próximo de casa. Aos dez mudou-se para o TSV Rosenheim e aí o seu talento já não enganava.

À Munchen TV, em 2006, o seu treinador da altura destacava a «maturidade e a confiança» do menino Julian e contava uma história que se viria a tornar famosa. Julian podia ser maduro, mas era ainda uma criança.

«Ele era o nosso capitão, mas estava a jogar mal. Tirei-o uns minutos para o espicaçar, mas ia voltar a metê-lo em campo logo a seguir – nos infantis isso era possível. Quando olhei para ele, o Julian estava sentado no banco a comer um pão com salsicha. Era o lado irreverente dele a funcionar.»

Esse lado viria a manifestar-se poucos anos depois, ainda antes de Julian Weigl dar o salto para o 1860 Munique. Num jogo do TSV Rosenheim na Áustria, Weigl teve a possibilidade de resolver a partida com um livre direto no último minuto.

«Tínhamos de ganhar para seguir em frente no torneio e eu pedi ao Julian para arriscar. O livre ainda era longe da baliza», contou o treinador da altura, Richard Riedl, ao site alemão Fupa.

«Ele rematou, marcou e veio a correr na minha direção: ‘foi suficientemente bom para si, senhor Riedl?’ O Julian tinha sempre um sentido de humor cool, mesmo nos momentos mais tensos.»

Pela mesma altura, principalmente no verão, Julian Weigl também jogava em equipas de futsal. E já se destacava pela qualidade no toque de bola.

Weigl (segundo em cima, a contar da esquerda) na equipa de futsal em Rosenheim

Munique, o colégio interno e o trabalho na loja do clube

Ao mesmo tempo que se tornava fundamental no TSV Rosenheim, Julian atraía cada vez maior atenção dos observadores locais. Assim, com 15 anos, assinou sem surpresa pelo 1860 Munique. Ainda teve tempo de concluir o nono ano na escola secundária de Bad Aibling e em 2010 mudou radicalmente de vida: novo clube, nova escola, novo lar.

A casa dos pais de Julian ficava a 60 quilómetros de Munique e a família decidiu inscrevê-lo num colégio interno. Weigl passou a dividir o tempo entre os treinos do TSV 1860 e as regras apertadas desse estabelecimento de ensino em Munique.

Julian torna-se internacional alemão jovem, é chamado com 17 anos à equipa principal, torna-se capitão aos 18 e supera com distinção o episódio-Taxi Driver. Sempre sem perder a humildade. Para ajudar a família, o atleta cumpre uns meses como auxiliar de vendas na loja oficial do TSV 1860 Munique.

Weigl (no ar) com a camisola do TSV Rosenheim nos iniciados (Foto Facebook)

O «menino bonito» de Tuchel e o acidente de comboio

Já no Borussia Dortmund, Julian torna-se rapidamente num dos indispensáveis no futebol pensado por Thomas Tuchel: 51 jogos oficiais na primeira época (15/16), mais 43 na segunda (16/17).

A sua influência no 4x1x4x1 de Tuchel é tão grande que em maio de 2016 bate um recorde na Bundesliga: 214 passes feitos durante o jogo contra o Colónia! Para o atual trinador do PSG, Julian Weigl é o «6» perfeito, o médio elegante capaz de distribuir com certeza e sem hesitações o jogo durante 90 minutos. «É uma máquina de passes, não falha», exultou Tuchel.

«Na minha primeira época no Borussia, nunca pensei muito em campo. Sinceramente, jogava apenas com simplicidade, o melhor que sabia. Essa temporada de 15/16 foi fantástica, aproveitei cada momento», afirmou ao canal do clube.

A temporada só não foi completamente perfeita porque a 9 de fevereiro de 2016, Julian Weigl teve de enfrentar uma terrível notícia. Um comboio descarrilou em Bad Aibling, a cidade onde nasceu, matando dez pessoas e ferindo mais 80.

O atleta mostrou-se «profundamente chocado», até por conhecer alguns dos passageiros afetados.

A surpreendente chamada ao Campeonato da Europa de 2016 por Joachim Low serviu para atenuar essa mágoa. Weigl fez quatro jogos nesse ano pela Mannschaft (nenhum no Euro) e mais um em 2017. Soma cinco internacionalizações.

As lesões e o atentado ao autocarro do Borussia

Quando é que as coisas começaram a correr mal para Julian Weigl no Borussia Dortmund? A resposta é fácil: no verão de 2017. Primeiro foi a saída do treinador Thomas Tuchel e a entrada de Peter Bosz; depois foi a lesão no tornozelo direito e a operação em outubro desse ano.

A posse de bola e a estabilidade idealizadas por Tuchel deram lugar a um 4x3x3 que se baseava na rápida recuperação de bola e transições imediatas. Weigl não se adaptou e, ainda por cima, lesionou-se.

A paragem foi breve mas, quando voltou, Julian Weigl não era o mesmo. «Não consegui redescobrir o meu futebol», reconheceu em declarações à Borussia TV. «Estava a passar demasiado tempo com a bola e a optar por decisões incorretas. Passei a querer fazer coisas fantásticas quando elas não eram necessárias.»

Para acentuar o tom negro, Julian Weigl estava dentro do autocarro do Borussia a 11 de abril de 2017, ainda no reinado de Tuchel. Foi nesse dia que a comitiva sofreu um atentado, antes do jogo contra o Mónaco para a Liga dos Campeões.

Para Weigl, a relativa normalidade voltou apenas no início de 2019. Tapado por Witsel e Delaney no 4x2x3x1 de Lucien Favre, o treinador devolveu-o à titularidade numa função que lhe era quase completamente nova: defesa central.

«No início da época 2018/19 tive logo uma inflamação no adutor que acabou por originar uma pubalgia. Depois tive de esperar. Quando o senhor Favre me desafiou a jogar como central [fevereiro de 2019], disse-lhe que tinha dúvidas. Ele insistiu e as coisas não correram mal. Mas, na minha cabeça, não deixei de ser médio.»

Nos primeiros meses da presente temporada, Julian Weigl esteve em 20 dos 26 jogos do Borussia, 19 a titular. A irregularidade da equipa – apenas quarta na Bundesliga – prejudicou o rendimento de quase todos os jogadores. Weigl incluído.

A namorada Sarah e Mason, o cão: inseparáveis

«A época tem sido de muitos altos e baixos, para a mim e para a equipa. Basta ver o meu jogo contra o Paderborn, estive muito mal.»

Dias antes de se despedir de Dortmund, Julian Weigl admitia ao canal dos alemães que nem tudo ia bem.

Na mesma reportagem, Julian falava um pouco sobre si e confessava que a melhor terapia era, e é, passear com Mason. Mason é o seu inseparável labrador. «Passear na floresta com ele, isso sim, faz-me bem para esquecer os dias mais no futebol.»

Isso e, naturalmente, a companhia da namorada Sarah Richmond, uma apresentadora de programas infantis.

E como é Julian Weigl no balneário? «Cómico, amistoso, encaixa bem em qualquer grupo.» As palavras são de Manuel Akanji, um dos melhores amigos no Borussia. O Benfica contratou um excelente jogador e um bom elemento de grupo.

Boas notícias para a Luz: do rapaz que conheceu o Taxi Driver, nem um sinal.

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