A mistura de Xavi e Iniesta que o Barcelona descobriu em Portugal - TVI

A mistura de Xavi e Iniesta que o Barcelona descobriu em Portugal

Gavi

Viagem ao mundo de Gavi, o miúdo que aos 17 anos joga como um velho e que está a deixar a Europa de boca aberta. Tudo começou num Mundialito de infantis em Vila Real de Santo António...

Acabou de completar 17 anos e já é um fenómeno. Mais um, aliás. Tem puro ADN de La Masia, sempre em contacto com a bola, numa forma de jogar de marca registada.

Um jogador à Barcelona, portanto.

Recorda Iniesta, por exemplo, na maneira como sai no drible, como toca, como lê o jogo, como roda para um lado e para o outro, como toca a bola por cima de adversários para a ir buscar do outro lado. Mas também recorda Xavi, na qualidade de passe, no posicionamento, no trabalho defensivo. No fundo não é um nem outro, mas é uma mistura dos dois.

Na terça-feira fez história ao tornar-se o mais jovem internacional de sempre da seleção espanhola. Com 17 anos e 62 dias bateu um recorde com quase 86 anos: ultrapassou Angel Zubieta, que em 1935 tinha vestido a principal camisola da equipa nacional com 17 anos e 284 dias.

Chama-se Pablo Gavira e toda a gente o trata por Gavi. Memorize este nome.

Nasceu em Los Palacios y Villafranca, um município da Andaluzia, filho também de Pablo Gavira, que dedicou toda a vida ao turismo: primeiro como empregado de mesa, depois como empregado de balcão. Só deixou de servir em bares quando o filho se mudou para o Betis e o clube de Sevilha o convidou para trabalhar como roupeiro, oferecendo-lhe melhores condições.

Gavi começou no clube da terra local, o Liara Balompié, fez 96 golos numa temporada e ao fim de um ano apenas deu o salto para o vizinho Betis. No clube de Sevilha teve direito até a ser cromo de coleção. Com apenas dez anos.

«Conduzia a bola com uma facilidade incrível, tinha visão de jogo e fisicamente já era fortíssimo. Quanto mais cansados os ​colegas estavam, mais forte ele se sentia. Já era muito competitivo. E depois, claro, a família. Pessoas humildes e muito boas. Para uma criança ir longe, o ambiente familiar tem de ser muito favorável», referiu Manuel Vasco, treinador no Liara, ao El Mundo.

Com dez anos foi descoberto pelo Barcelona, em Portugal. Segundo contou o pai numa entrevista à Cadena SER, o clube catalão, tal como o Real Madrid e o Atlético Madrid, entraram em contacto com Gavi depois do miúdo ter sido o melhor jogador num torneio de benjamins no Algarve.

Aconteceu no Mundialito de 2014, realizado em Vila Real de Santo António. Naquele que era na altura considerado um dos maiores torneios do mundo para infantis e benjamins, Gavi levou o Bétis à conquista do título, com um triunfo por 5-0 (!) sobre o Barcelona na final. O jovem de Los Palacios fez três desses cinco golos, foi eleito o melhor jogador do Mundialito e chamou a atenção de todos os grandes clubes espanhóis.

«Ele sempre gostou muito do Barcelona. Quando o clube apareceu para falar connosco, ele não quis aceitar o convite para ir conhecer Valdebebas ou o centro de formação do Atlético Madrid. Foi muito claro sobre isso, queria ir para o Barcelona», revelou Pablo Gavira pai.

«Ele disse-me: ‘pai, aqui estão os melhores e eu quero jogar com os melhores’. Tinha onze anos.»

Viajou então para a Catalunha, mas não viajou sozinho: os pais foram com ele. Ficaram todos a viver num apartamento em La Rambla. Mas foi apenas por um ano. Após a primeira época, o jovem Gavi chamou os pais e disse-lhes que estava bom, obrigado. Queria ficar sozinho.

«Não preciso que fiquem aqui presos em Barcelona. Eu vou viver para La Masia», contam os seus formadores no Barcelona que disse aos pais.

Mudou-se para o centro de estágios do clube e foi viver com Juan Larios, lateral esquerdo que atualmente representa os sub-23 do Manchester City, e que se tornou uma espécie de irmão: com tudo o que as relações de irmãos acarretam. Um dia trocavam abraços, no dia a seguir empurrões.

A relação era tão tempestuosa, entre dois miúdos de carácter forte, que após um ano o Barcelona decidiu-se separá-los. Mas continuaram a ser melhores amigos. Até hoje.

Desde miúdo, aliás, que Gavi tem uma personalidade robusta, o que também traz à memória outros produtos de La Masia. Xavi. Puyol. Victor Valdés ou Piqué. Para não falar de Guardiola, claro.

Também ao El Mundo, pessoas do Barcelona contam que quando a equipa foi eliminada no Torneo LaLiga Promises de 2016, pelo Espanhol, e enquanto vários colegas choravam, Gavi gritava: «Isto não nos vai acontecer nunca mais, ouviram?». E insistia: «Nunca mais, ouviram?»

Em dezembro desse mesmo ano, num outro torneio, o Barcelona foi à final com o Atlético Madrid, que uns meses antes tinha vencido e feito chacota dos miúdos catalães. Gavi juntou os colegas e disse-lhes: «Lembrem-se de tudo o que nos disseram. Vamos para cima deles». O Barça saiu para o intervalo a ganhar por 4-0 e no regresso ao campo Gavi gritava: «Mais, mais, mais.»

O temperamento de Gavi era tão forte que o Barcelona teve de fazer um trabalho especial com ele. Dizem que não conseguia digerir os maus resultados e que tinha um feitio demasiado travesso.

Uma vez, juntamente com um colega, roubou um televisor de um armazém do clube e escondeu-o dentro de um teto falso, para poder ver séries à noite. O que o regulamento interno não permitia.

Curiosamente o início da aventura na Catalunha não correu bem. Inicialmente não podia jogar por problemas burocráticos: o Barça estava impedido de registar novos atletas devido a uma sanção da FIFA por inscrição irregular de menores. Teve de esperar meio ano sem jogar.

Quando finalmente se estreou, em 2016, entrou de carrinho para empurrar uma bola para golo, chocou com a cara no joelho de um adversário e fraturou o nariz. Foi obrigado a passar por uma operação... e mais um mês de paragem.

A partir dos 12 anos, porém, nunca mais parou de crescer. Dizem que era doente por futebol e só pensava em jogar. Um dia os responsáveis de La Masia mandaram-no ficar até mais tarde na sala de estudo, porque precisava de fazer um reforço. Ficou sozinho... até que o foram encontrar atrás do campo de treinos número nove a ensaiar livres.

De cadete de primeiro ano passou diretamente para os juvenis e aos 16 anos estreou-se pelo Barcelona B. Três jogos na equipa satélite bastaram para ser chamado por Koeman ao estágio de pré-época, para fazer a estreia na Liga Espanhola, para experimentar a emoção da Liga dos Campeões e para ser chamado à seleção espanhola.

Apesar de todo o sucesso retumbante, continua a viver nos dormitórios de La Masia, a trocar roupa com os amigos de sempre e a deslocar-se aos jogos dos antigos companheiros: agora para ficar na bancada (coisa rara!) só a apoiá-los.

Na vitória em San Siro, de resto, frente à Itália, correu 11,5 quilómetros, realizou 53 passes e acertou 48: uma taxa de sucesso de 91 por cento. O mais curioso é que destes 48 passes, 41 foram de média distância e apenas sete foram passes curtos.

«É anormal que ele jogue assim. É um jogador com personalidade, com condições físicas invejáveis, com o nosso estilo de jogo... O Gavi tem sido enorme, mas não é normal. É algo excecional», elogiou no final da partida Luís Enrique.

Tudo isto ainda antes de chegar à maioridade. E pensar que há dois anos ainda jogava nos iniciados. Ufff.

 

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