Eusébio: um filme para voltar a «estar com ele 90 minutos» - TVI

Eusébio: um filme para voltar a «estar com ele 90 minutos»

Eusebio

É Eusébio na primeira pessoa, a história contada por ele, com depoimentos de quem o conheceu. E por trás tem a história da cumplicidade improvável entre Eusébio e um jovem luso-francês aspirante a realizador de cinema.

«Eusébio, história de uma lenda» é o filme que quer fazer-nos voltar a «estar 90 minutos» com Eusébio. Estreia a 23 de março e o trailer foi agora apresentado, a coincidir com a data em que o «King» faria 75 anos, nesta quarta-feira. É Eusébio na primeira pessoa, a história contada por ele, com depoimentos de quem o conheceu. E por trás tem a história da cumplicidade improvável entre Eusébio e um jovem luso-francês aspirante a realizador de cinema.

Filipe Ascensão tem 34 anos, nasceu e foi criado em Paris, filho de pais portugueses, «com dupla nacionalidade». Gostava de cinema e gostava de Eusébio, mesmo estando longe de Portugal e sem nunca o ter visto jogar. É ele quem conta como nasceu esta história. «O meu interesse por Eusébio nem veio do meu pai, que não liga a futebol. Não sei, gostava muito de futebol e em termos de futebol tive sempre uma grande ligação a Portugal. Quando me perguntavam se era mais francês ou português respondia: «O que digo é que sei que sou da seleção de futebol portuguesa. E o Eusébio era o expoente máximo do futebol português», conta Filipe Ascensão ao Maisfutebol.

«A imagem que me marcou mais de Eusébio foi a de 1968, da final da Taça dos Campeões entre o Manchester United e o Benfica, quando o guarda-redes do Manchester United pára a bola e ele vira-se para ele e aplaude-o.» Fala daquela defesa de Stepney e de um dos gestos que imortalizou Eusébio.

«Foi a imagem que mais me marcou, é de uma enorme nobreza», diz Filipe Ascensão. «Gosto dessa noção de fair play que ele tinha. Infelizmente hoje já não se vê, mas o desporto devia ser isso. Ele encarnou esses valores. O senhor Bobby Charlton quando fala disso fica emocionado. É a razão pela qual ele ia a qualquer lado passados 20 anos e toda a gente o aclamava.»

Desde cedo Filipe quis juntar Eusébio e cinema. «A ideia surgiu pela primeira vez há mais de dez anos. Eu era muito novo e quando comecei a estudar cinema meti na cabeça que queria fazer um filme com o Eusébio. Um dia, através de um contacto consegui falar com o Eusébio. E ele disse-me: «Conheces Lisboa? Vem almoçar comigo. Apanhei o avião e fui. Isto foi em 2002 ou 2003.»

«Ele foi super fácil. Começámos a falar, descobri a pessoa. Ele contou-me histórias de 66, com a forma dele apaixonada de contar», recorda. Mas as coisas ficaram por ali. «Na altura não se fez por minha culpa, não tinha experiência nenhuma. Naquela idade fala-se muito mas não se faz...»

Mas, conta Filipe, a ideia acompanhou-o sempre. «Fui fazer a minha vida, fui para a escola de cinema, e um dia disse: «Tenho de conseguir fazer isto.» Mudei-me para Lisboa. Ao início fazia idas e voltas, tinha a família lá. Além disso não falava português como falo hoje, não estava à vontade. Depois tive a sorte de ele me apadrinhar mesmo. Almoçava com ele todos os dias, começámos a trabalhar em conjunto. Gravámos muitas horas.»

Viajaram juntos às raízes de Eusébio. «Fomos a Moçambique, à Mafalala, estivemos lá uma semana. Mas não andámos pelas ruas porque ele já tinha dificuldades com o joelho.»

Filipe Ascensão não sabe explicar essa empatia espontânea de Eusébio para consigo. «Não sei bem. Eu não cheguei com essa admiração que via nas pessoas aqui. Não cresci aqui, não tinha a mesma noção. Abordei diretamente a pessoa, não numa lógica de fã e ídolo, acho que isso pode ter contribuído. Acho que ele também gostou do facto de eu não saber falar bem português, como ele.»

O projeto estava no final quando chegou 5 de janeiro de 2014, o dia da morte de Eusébio. «Pelo caminho houve o que toda a gente sabe. Íamos começar a montagem.» Filipe Ascensão descreve no seu português com sotaque e voz sentida aqueles dias. «Foi muito difícil para mim pessoalmente, antes de mais. Eu estava em Paris, fui lá passar as festas de Natal. Naquele dia tinha bilhete para regressar às 16h. Tínhamos combinado almoçar na segunda-feira, tinha falado com ele ao telefone. Cheguei às 16h, à hora a que ele estava a chegar ao Estádio da Luz.»

A morte de Eusébio mudou o filme. Se bem que pouco depois, no final de janeiro, ainda tivesse sido anunciado que a estreia estaria para breve. Filipe Ascensão explica assim esse processo: «O Eusébio e eu queríamos anunciar naquela data, que era o aniversário dele. Eu quis cumprir essa promessa, mas foi uma atitude emocional.»

Não estava pronto. E acaba por ver a luz do dia apenas três anos depois da morte de Eusébio. Foi um processo complicado, diz Filipe Ascensão. «Senti uma pressão muito grande em querer fazer algo de muito bonito para ele. Isso bloqueou-me durante muito tempo. Depois pensei que precisava de levar o tempo que fosse preciso para contar a história da melhor maneira.»

«Emocionalmente foi muito difícil», insiste. Além disso, explica, «houve outras complicações» mais práticas. «As instâncias do futebol complicaram as coisas para termos acesso aos arquivos, pediam montantes exorbitantes. Foi extremamente complicado, levou muito tempo.»

O que mudou no filme entre a versão que tinha Eusébio presente e a versão final? « Acabou por permitir que tivesse mais recuo, outra maturidade. Mudou muita coisa. Eu originalmente tinha a ideia de fazer uma narrativa com uma criança (que retrataria o jovem Eusébio). Teria ficado muito mal», ri-se agora.

O trailer do filme

 

«O filme não tem voz off. É ele, 80 por cento é ele a falar com a paixão que ele tinha. As pessoas vão poder descobrir o jogador que era, quem não o conheceu, ou recordar. Poder estar com ele durante 90 minutos. Era esse o meu objetivo.»

Filipe Ascensão prefere não se deter muito na classificação formal, entre documentário ou filme. «Para ser honesto não me interessa a parte documental. O meu ângulo foi como se passou, como se se viveu, como aconteceu. Para mim este filme era um exercício que me permitia ter uma boa mistura dos dois. Optei por uma narrativa de filme, não de documentário. Ele foi um herói, tem essa trajetória de herói que se encontra em qualquer filme.»

«Ele é a pessoa mais presente, é ele mesmo a falar com o espectador. Apoiado por momentos muito épicos, reconstruidos para mostrar o jogador que ele era e a trajetória de um miúdo que não tinha à partida grandes condições para vencer na vida e conquistou o mundo, mantendo-se genuíno de uma forma que poucos conseguiram. Toda a gente reconhece essa faceta de humildade, quando podia ter-se tornado noutra coisa. E ele está a contar a sua história de uma forma muito genuína e direta.»

É Eusébio a falar, com imagens de arquivo a acompanhar. «Retratamo-lo de uma forma épica, num grande trabalho também do ponto de vista da música, para dar impacto às imagens. A música é original, composta por Jorge Quintela, levou muito tempo, um trabalho muito intenso.»

Pelo meio os depoimentos, assim descritos por Filipe Ascensão: «Depois há as pessoas que foram importantes na vida dele. O senhor Hilário, o senhor António Simões, a Dona Flora. E mais recentes, como o Rui Costa, o Cristiano Ronaldo, o Figo, o Chalana, o Sir Bobby Charlton.»

«Retrata a ascensão dele de miúdo até conquistar o mundo, que para mim é aquele momento em 1968», remata o realizador, para deixar uma ressalva: «Não vão ver nenhuma glorificação, porque eu acho que a pessoa torna-se mais bonita na sua naturalidade.»

Eusébio também mudou a vida de Filipe Ascensão. O realizador mudou-se para Lisboa e continua a viver em Portugal. «Não tenho vontade de voltar a França, depois de descobrir Lisboa», sorri. «Mas também gostava de conhecer outras coisas.»

Este é o seu primeiro filme, ainda não sabe o que fará depois, ou que outros filmes: «A minha preferência seria muito provavelmente ficção, mas por enquanto ainda não tenho uma boa história.» 

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