A descida aos infernos da mente de Mario Balotelli - TVI

A descida aos infernos da mente de Mario Balotelli

Balotelli é reforço do Monza

Escândalos, bizarrias, histórias do arco da velha. Uma viagem por alguns dos momentos mais hilariantes – e incompreensíveis – de uma carreira em declínio acentuado

Relacionados

Não se sabe se é insanidade ou apenas gozo. O diagnóstico está por fazer. Há quem diga que a loucura não passa de um desprendimento infantil, há quem diga que é desprezo puro e duro pela seriedade e o lado mais sério da vida.

Mario Balotelli vive debaixo das regras peculiares a que se impõe. Não há manual de instruções para percebê-lo, não há um divã de psicólogo capaz de qualificar as vontades, as disposições, as motivações do mais polémico e excêntrico dos ponta-de-lança, com a devida licença de Ibrahimovic.

Aos 30 anos, uma idade de estabilidade e afirmação plena para um futebolista ‘normal’, Balotelli acaba de assinar pelo modesto Monza. Mario parece decidido a representar a sua própria Divina Comédia e desafiar com a mente os nove círculos do inferno de Dante.

Poderá descer mais baixo? Os escândalos, o comportamento insuportável e o desleixo atiraram-no para fora dos grandes campeonatos. A dada altura, todos nós nos esquecemos do extraordinário talento que despontou aos 17 anos no Inter de Milão e que foi campeão europeu com José Mourinho. O mesmo talento que convenceu o Manchester City (2010), o AC Milan (2013) e o Liverpool (2014) a investirem fortunas.

O que esperar ainda do Balotelli futebolista? A partir de agora, jogará ao lado do português Dany Mota, internacional sub21, no clube italiano que é mais conhecido por estar numa cidade celebrizada pela sua pista de automobilismo e corridas de Fórmula Um.

O sermão de 14 minutos de José Mourinho

Mais do que analisar o comportamento de Balotelli, evidentemente pejado pela falta de profissionalismo, importa recuperar algumas das histórias mais loucas que o colocam no centro da ação. É a melhor forma de aceitar que ‘crazy Mario’ é diferente e indomesticável.

José Mourinho treinou-o dois anos em Milão e há uns tempos dizia ter material para escrever «um livro de 200 páginas» sobre o pupilo. «Mas não seria um drama. Seria uma comédia.»

O relato favorito de José Mourinho coloca-nos em Kazan e no intervalo de um jogo entre o Rubin e o Inter. «Todos os avançados estavam lesionados, menos o Mario. Ele levou um amarelo aos 42 minutos, por isso fui para o balneário e passei 14 minutos a falar com ele e a pedir-lhe cuidado», contou o treinador à CNN.

«’Mario, não te posso substituir. Não tenho avançados no banco, por isso não toques em ninguém e limita-te a jogar. Se perderes a bola, não reajas. Se alguém te provocar, não reajas. Se o árbitro cometer um erro, não reajas. Imploro-te Mario!’»

O avançado passou esses 14 minutos em silêncio e a assentir com a cabeça. Aos 60 minutos foi expulso. «Ele é assim, uma criança. Certo dia faltou a uma reunião comigo e no dia a seguir perguntei-lhe o motivo. Disse-me que comigo podia falar todos os dias, mas que a Fórmula Um em Itália só podia ver uma vez para o ano. Nem consegui ficar chateado com ele.»

O próprio Maisfutebol tem uma história passada com Mario Balotelli. No final do Itália-Rep. Irlanda do Euro2012, jogado em Poznan, o nosso jornal abordou o italiano na zona mista. Balotelli marcara um golo e a Itália vencera 2-0, ingredientes perfeitos para fazer uma abordagem e tentar um exclusivo.

De headphones nos ouvidos e rosto fechado, Mario nem parou. Virou ligeiramente a cabeça e esboçou um «Are you talkin’ to me?» à moda do Travis Bickle eternizado por Robert de Niro em Taxi Driver.

O Pai Natal que andou a distribuir dinheiro pela cidade

Do pequeno Lumezzane para o Inter de Milão; do Inter para o Manchester City e daí novamente para Itália, mas para o Milan. Depois Liverpool, novamente Milan e a fase descendente a começar aos 26 anos: dois anos e meio no Nice, meio ano no Marselha, um ano no Brescia e Monza.

Filho de imigrantes ganeses, Mario Balotelli nasceu em Palermo e foi entregue pelos pais a uma família adotiva na zona de Brescia. Tinha só dois anos. Numa fase inicial, Mario passava a semana em casa dos Balotelli e ao fim-de-semana regressava a casa dos pais biológicos, os Barwah, gente de poucas posses e incapaz de assegurar os mínimos cuidados de saúde e nutrição aos quatro filhos: Mario, Abigail, Enoch e Angel.

Enoch, dois anos mais novo, também é futebolista profissional. Esteve dois anos na formação do City, quando Mario estava nos seniores, e passou depois por inúmeros clubes italianos de escalões secundários. Na temporada 2019/20 jogou no Pavia.

Terá sido na cidade que não se fez num dia, aliás, que Enoch escutou a última história sobre o irmão. A imprensa cor-de-rosa italiana garantiu que o avançado se vestiu de Pai Natal e andou pelas ruas a distribuir prendas e dinheiro, sem revelar a identidade. Verdade ou mentira?

«Why Always Him?»: ninguém sabe

A partir de dada altura, poucos tinham o discernimento de separar fantasia e realidade, mito ou facto, quando o tema era Mario Balotelli. As estórias abundam e vale apenas recuperar algumas delas, quanto mais não seja para acabar o artigo com um sorriso nos lábios.

Em março de 2011, Mario foi multado pelo Manchester City por ter atirado um dardo a um jogador das camadas jovens. O rapaz não ficou ferido, mas não voltou a aproximar-se do italiano.

Meses depois, durante um jogo de qualificação para o Euro2012 contra as Ilhas Faroe, o avançado passou parte do jogo no banco e agarrado a um ipad. Gigi Riva, team manager da Squadra Azzurra à altura dos eventos, colocou água na fervura.

«Não há qualquer motivo para preocupação. São pequenas coisas que podem acontecer. Ele só jogou uns minutos, por isso também não podia fazer muito. Tem treinado bem, está comprometido com a seleção.»

Ainda em 2011, uma fase especialmente agitada na vida de Balotelli, foi notícia a explosão pirotécnica ocorrida na sua casa-de-banho. O jogador desculpou-se com pôde.

«Não mexi com fogo-de-artifício, foi um amigo. Não sabia de nada, até que ouvi os gritos da casa-de-banho. Felizmente ninguém se magoou, e o meu amigo desculpou-se pelos estragos. Foi estúpido da parte dele, pois alguém se podia ter magoado, e por isso fiquei muito zangado mesmo. Estes materiais podem ser muito perigosos, se não forem utilizados de forma correta.»

Apesar de tudo, há quem garanta que Balotelli não passa de uma criança, instável como todas as crianças e com um bom coração. São famosas as dádivas que entrega a instituições de caridade e famosos, também, os ataques de novo-riquismo e falta de noção. Um inimputável genuíno e puro.

Lembram-se do que respondeu há uns anos ao ser mandado parar pela Polícia inglesa e confrontado com as cinco mil libras que levava em notas no bolso? «Porque levo isto? Porque sou rico.»

E célebre ficou também o momento «Why Always Me?». Sabe qual é a história por detrás dessa icónica frase na camisola de Balotelli? Um antigo técnico de equipamentos já a contou, depois de dizer que Balotelli foi das pessoas mais «bizarras e inteligentes» que conheceu na vida.

«Eu era o responsável pela impressão das letras nas camisolas. O Mario veio ter comigo e sugeriu-me duas ou três coisas que eram ofensivas, impublicáveis. Depois saiu-se com essa. ‘Why always me?’ Achei brilhante e decidi avançar com isso. Depois foi o que se sabe. Fomos ao dérbi em Old Trafford e ele marcou dois golos.»

De Milão a Manchester, de Manchester a Liverpool, de Liverpool à Côte d’Azur e agora a Monza. Porquê, Mario? Só ele poderá um dia responder.

Continue a ler esta notícia

Relacionados