O homem que levou o salto com vara para as capas dos jornais retirou-se há vinte anos - TVI

O homem que levou o salto com vara para as capas dos jornais retirou-se há vinte anos

Sergei Bubka

Sergei Bubka foi o primeiro desportista a saltar acima dos seis metros, bateu 34 vezes o recorde mundial e foi dez vezes campeão do mundo. Hoje está nos altares do desporto.

3 de fevereiro de 2021.

Fez esta quarta-feira precisamente vinte anos que um dos maiores ícones do desporto se despediu oficialmente das pistas: um homem que pôs uma geração inteira de jovens a vibrar com o salto com vara, enquanto crescia a acompanhar as grandes competições internacionais.

Esse homem foi Sergei Bubka, um soviético perfeitamente normal que encarnou como poucos o espírito desportivo: a vontade de se superar dia após dia, após dia, após dia.

Sergei Bubka nasceu em Lugansk, na agora muito castigada região de Donbass, na fronteira com a Rússia, quando não havia Rússia, nem Ucrânia: era tudo União Soviética.

Começou por fazer 100 metros e salto em comprimento, até que aos nove anos descobriu o salto com vara, por influência de um vizinho que começara a praticar a modalidade. Juntamente com o irmão mais velho, Vladimir, mudou-se na adolescência para Donetsk, para treinar com o mítico Vitaly Petrov, que foi o responsável pelo sucesso também de Yelena Isinbayeva.

Apesar de tudo, o início Sergei Bubka no salto com vara não foi fácil. No campeonato mundial de juniores, em 1981, por exemplo, não foi além de um sétimo lugar. O que o deixava claramente longe dos holofotes. O sucesso demorou a chegar, sim.

Ora por isso, era completamente um desconhecido quando foi disputar os Mundiais de seniores, em 1983, em Helsínquia, com apenas 19 anos. A maior parte dos especialistas não o conheciam e quem o conhecia não dava muito por ele. Contra todas as apostas, porém, Sergei Bubka conquistou o ouro, tornou-se campeão do mundo e ficou a um centímetro do recorde, que na altura pertencia a outro soviético, Vladimir Polyakov, que tinha saltado a 5,81 metros.

Helsínquia marcou o início do fenómeno. A partir daqui Bubka não parou mais. Perfecionista, rigoroso e exigente, foi melhorando todos os dias, até se tornar uma máquina. Com Vitaly Petrov criou métodos de treino e de abordagem ao salto inovadores, que mudaram a modalidade.

Bubka tinha duas vantagens que lhe vinham da infância: a velocidade dos cem metros e o impulso do salto em comprimento. A isso juntou uma técnica diferente de agarrar na vara, colocando a segunda mão mais em baixo, de forma a fazer mais força e dar um impulso superior.

«Eu amo o salto com vara, porque é um desporto muito completo. É preciso não só correr e saltar, mas é preciso pensar. Que vara utilizar, a que altura saltar, que estratégia escolher. Eu adoro isso, porque os resultados são imediatos e o mais forte vence. Sempre. Toda a gente sabe que, na vida, nem sempre é assim», diria mais tarde o soviético.

Logo em 1984 bateu quatro vezes o recorde mundial de pista aberta e três vezes o recorde de pista coberta. Venceu seis vezes consecutivas o título mundial, foi dez vezes campeão mundial e esteve praticamente quinze anos consecutivos no topo.

A renúncia da União Soviética aos Jogos Olímpicos de 1984, em Los Angeles, roubou-lhe a possibilidade de pintar um ano fantástico com o ouro olímpico, mas não deixa de ser curioso que enquanto o francês Pierre Quinon ganhava o ouro com 5,79 metros... Sergei Bubka estabelecia um novo recorde mundial com 5,88 metros. Só para mostrar ao mundo quem era afinal o número um.

Os Jogos Olímpicos são aliás o calcanhar de Aquiles de um super-atleta, um dos grandes ícones mundiais do desporto. Em 84 não pôde participar, como já se disse, mas vingou-se quatro anos depois, em Seul. Em 1988 venceu o único ouro olímpico que conseguiu na carreira, sem fazer uma participação sublime: saltou a 5,90 metros.

O saltou que deu o ouro olímpico em Seul:

Em 1992 chegou a Barcelona como favorito indiscutível, mas teve dois nulos a 5,70 metros e um terceiro nulo a 5,75. Saiu de Espanha sem ouro, sem medalha e sem glória, naquela que ainda é recordada como uma das maiores derrotas da história do desporto olímpico.

Depois disso falhou Atlanta, em 1996, devido a lesão, numa altura em que até voltava a prometer depois de mais dois títulos mundiais, e apresentou-se em Sidney, em 2000, já no ponto final da carreira e sem ambições, pelo que esta última participação nem deve contar para a estatística.

Feitas as contas, entre azares vários e uma derrota histórica, só conseguiu uma vez o ouro olímpico, o que não chega para manchar a carreira de um desportista que foi o primeiro homem a saltar acima de seis metros, ainda em 1985, que bateu 34 vezes o recorde mundial, a esmagadora maioria das vezes recordes que ele próprio tinha estabelecido, e que conquistou dez vezes o título mundial.

Só para os mais novos terem uma ideia do que Sergei Bubka foi, em 1994, em Sestriere, em Itália, estabeleceu o recorde mundial de pista aberta nos 6,14 metros. Em 1997, em Atenas, depois de conquistar mais um título mundial, mandou colocar a trave a 6,15 metros... mas acabou por desistir.

Decidiu não saltar, e o recorde de 1994 sobreviveu 26 anos (sim, vinte e seis anos). Só em setembro passado, do ano de 2020, sueco Armand Duplantis conseguiu fazer melhor e saltou a 6,15 metros.

A 3 de fevereiro de 2001, em Donetsk, colocou um ponto final oficial numa das carreiras mais gordas e bem sucedidas que o mundo do desporto já teve.

«Deixei o atletismo depois dos Jogos Olímpicos de Sydney, mas queria despedir-me oficialmente do meu público em Donetsk, onde comecei a minha carreira e onde todos me conhecem», disse emocionado, perante um estádio cheio de adeptos que o amavam.

Foi há vinte que anos que Sergei Bubka saltou definitivamente para os altares do desporto, ele que tantas vezes levou o salto com vara para as capas dos jornais.

O recorde mundial de Bubka que durou 26 anos:

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