Histórias da Casa Branca: Trump em versão “on message” - TVI

Histórias da Casa Branca: Trump em versão “on message”

  • Germano Almeida
  • 3 mar 2017, 18:50
O primeiro discurso de Donald Trump no Congresso

No discurso ao Congresso, Donald Trump pareceu pela primeira vez um Presidente dos EUA. Mas terá sido exceção instrumental num projeto de rutura, que tem na provocação um dos pilares de ação

O discurso ao Congresso foi uma espécie de exceção positiva a uma regra que se mantém aterradora.

Pela primeira vez, Donald Trump pareceu ser Presidente dos EUA.

Foi, de facto, um ‘turning point’ no comportamento institucional e no vocabulário usado.

Depois de um discurso de posse demasiado ‘dark’ e negativo, falando numa ‘carnificina americana’ que obviamente não existe, Donald Trump terá percebido que foi longe de mais no tom depressivo e alarmista (que não terá caído bem mesmo na própria base conservadora, que olha para a América com orgulho e não com desdém) e apareceu, neste discurso ao Congresso, mais positivo e a falar na “grandeza americana”, o que contrasta claramente com a tese do “pesadelo americano” que vendeu durante a campanha.

Na tomada de posse, Trump insultou a História Americana.

No seu primeiro discurso no Congresso, em ‘joint session’ que substituiu o habitual State of The Union (que em anos de tomada de posse não se realiza), Donald escolheu visão muito mais positiva dos EUA, apelando aos seus melhores valores e recordando alguns dos episódios que marcam a história daquele grande país.

Foi um discurso muito mais inscrito na grande tradição americana, que citou antecessores como Lincoln e Eisenhower.

Resultado: pela primeira vez que se candidatou à presidência, Trump conseguiu ter um momento de algum consenso e união: 70% dos americanos inquiridos disseram aprovar o discurso.

Apontará isto para uma nova etapa na presidência Trump? Pode ser que sim, mas ainda é cedo para saber.

O que é certo é que os primeiros 40 dias da presidência Trump foram falhados: caóticos, incoerentes, inconsistentes.

O Presidente, que enquanto homem de negócios gosta de apresentar resultados, terá dado um sinal de que é tempo de começar a encontrar algum tipo de soluções com aliados e adversários.

A estratégia de agressão, da mentira e do insulto pode ajudar a energizar a base dos “furiosos”, mas a partir de certo ponto é curta.

Não chega dizer que os “os media são desonestos”. O Presidente dos EUA tem que puxar por consensos e apelar aos melhores valores.

Pela primeira vez desde que chegou à Casa Branca, Trump pôs a política de “terra queimada” do seu conselheiro-chefe Steve Bannon para segundo plano e mostrou que quer ser, também ele, uma figura do sistema, mesmo tendo chegado lá por fora.

Se no tom e no estilo houve enorme mudança para um discurso mais positivo, nas políticas as prioridades mantêm-se essencialmente as mesmas: protecionismo económico, reforço de fronteiras, «America First», contratem e comprem americano.

Trump lembrou que não é presidente do mundo, é só da América e, como tal, tem como objetivo proteger e defender os interesses dos americanos. Outras medidas: reforço do orçamento de Defesa em 54 mil milhões de dólares (noção de “América voltar a ser forte, voltar a demonstrar poder”), revogação do ObamaCare com “transição estável” para outro sistema que permita escolha privada; ISIS como inimigo a abater para “travar o terrorismo islâmico radical”, a maior ameaça aos EUA na visão de Trump; defesa clara do Estado de Israel.

Na questão de imigração, e apesar dos sinais dados nas horas anteriores que o Presidente se prepara para propor “Immigration Bill” bipartidária -- que aponte caminho para a legalização de milhões de imigrantes ilegais, a verdade é que, ao Congresso, reforçou a ideia de que “ser duro na política de imigração protege os trabalhadores americanos”.

Foi um Trump estranhamente “on message”, sem sair do texto, a ler um discurso estruturado durante uma hora -- e não a improvisar de forma provocadora ou, como fez na tomada de posse, a ler discurso bizarramente alarmista e negativa, fraco em citações e demagógico nos termos.

O que ganha em mostrar que pode ser institucional? Dá sinal claro de que, se chegar a uma situação em que corra mesmo o risco de se ver apeado do seu cargo, terá sempre formas de pôr um travão.

O radicalismo agressivo de Trump é estratégico. Não é ideológico (pelo menos nele) e muito menos aponta limitação intelectual do Presidente.

Faz parte do plano.

Outra vez a «Russia Connection»

Mas convém não anunciar um “novo Trump” só por causa do que se passou no Congresso.

A questão russa continua a provar que a Administração Trump corre risco permanente de perturbação.

Jeff Sessions, procurador-geral dos EUA, uma das figuras mais próximas do Presidente Trump, mentiu ao Congresso, durante o processo de confirmação, dizendo que não tinha tido contatos com responsáveis russos (e, afinal, teve).

Os senadores republicanos Lindsey Graham e John McCain exigem respostas imediatas de Sessions -- e outros congressistas dos dois partidos falam já na demissão do detentor do cargo equivalente a ministro da Justiça.

O procurador-geral já garantiu que não interferirá em eventuais investigações que se realizem sobre o tema. E Trump, que no mesmo assunto se manteve do lado do general Flynn, já saiu em defesa de Sessions e garante que não o vai demitir.

Será uma posição inteligente do Presidente?

A «Russia Connection» (que no primeiro mês já tinha provocado a queda do general Flynn do cargo de Conselheiro de Segurança Nacional) é, claramente, o maior problema e a maior ameaça para a Administração Trump.

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