Bruxaria ou esgotamento? Explicações para a queda de Pep Guardiola - TVI

Bruxaria ou esgotamento? Explicações para a queda de Pep Guardiola

Manchester City-Burnley

Maisfutebol analisa a perda do domínio do Manchester City. Quatro hipóteses e as explicações de um treinador português que esteve na Premier League entre 2018 e 2020, Hugo Faria

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A perfeição. Almejada por todos, tocada pelos eleitos. E só em dias de inspiração. No futebol este é, de resto, um conceito em vias de extinção. A caça ao ponto arrasa a fauna, a flora e as notas artísticas. Um dos últimos avistamentos ocorreu em Barcelona, ali entre 2008 e 2012.

Pareciam bandos de génios à solta. Xavi e Iniesta, Messi e Busquets, Pep Guardiola. Quatro anos de futebol total, o tiki taka levado ao expoente da loucura. Perfeição, sim. Três campeonatos de Espanha, duas Ligas dos Campeões e, mais do que isso, o reconhecimento por parte do mundo do futebol. Se alguma equipa se aproximou da unanimidade, essa equipa foi o Barcelona de Pep.

O treinador cultivou a imagem de mente brilhante e descomprometida. Cada palavra, cada conferência de imprensa, passaram a ser um case study de boa comunicação. Eficaz e apelativa. O fim de ciclo na Catalunha levou-o a Munique e ao Bayern.

O City só tem dado dores de cabeça a Pep Guardiola 

Em três anos, Pep ganhou três vezes a Bundesliga, mas falhou sempre na Liga dos Campeões. Contrariando os prognósticos menos otimistas, o treinador injetou um toque de magia e inconsciência latina a uma máquina industrial de bons resultados. O Bayern associou entre 2013 e 2016 o perfume das ideias de Guardiola ao eterno «e no final ganha a Alemanha».

O tempo corre, destravado, e Guardiola já está, entretanto, na quinta temporada consecutiva no Manchester City. Foi campeão inglês na segunda e terceira épocas (2018 e 2019), mantendo o tom de líder dominador e autor de um futebol irrepetível.

O que correu mal, entretanto? Vamos aos números. No passado fim-de-semana, e no 686º jogo como treinador principal, Pep Guardiola viu a sua equipa sofrer cinco golos. Foi também a primeira vez que o Manchester City permitiu cinco golos ao adversário (Leicester) em 438 realizados no majestoso Etihad Stadium.

«Na primeira época estivemos sete pontos atrás deles [Liverpool] e fomos capazes de recuperar a diferença. Fomos campeões. O ano passado estávamos a oito e acho que pensámos todos o mesmo: ‘ok, não há problema, vamos lá recuperar isto outra vez’. O campeão este ano fará novamente mais de 90 pontos», afirmou Guardiola no lançamento da temporada 2020/21.

«Pressão de ser campeão? Não vou morrer se não ganhar a Premier League. A pressão é fazer bem o teu trabalho, fazê-lo o melhor possível. O pior que me pode acontecer é ser despedido, ok. Há tanto sofrimentos nos dias de hoje na sociedade. Não há pressão, não vou morrer.»

A derrocada aparece depois de uma época muito negativa a nível interno e apenas razoável na UEFA. O City foi segundo na Premier League, a 18 pontos do Liverpool de Jurgen Klopp, e na Liga dos Campeões caiu frente ao Lyon nos quartos-de-final.

Pep Guardiola perdeu a fórmula mágica para o sucesso? O Maisfutebol foi atrás de respostas.

Quatro hipóteses que ajudam a perceber os maus resultados

Hipótese 1: o treinador espanhol tem falado de problemas no setor mais defensivo. Eles são evidentes, de facto, mas não pela falta de opções ou, pelo menos, pela falta de nomes escolhidos por Pep Guardiola. Desde a chegada a Manchester, em 2016, Guardiola já investiu cerca de 400 milhões de libras (438 milhões de euros) em defesas – nestas contas já incluímos o valor a ser pago ao Benfica por Rúben Dias.

Os números são claros:

Rúben Dias: 62 milhões de libras
João Cancelo: 60 milhões
Aymeric Laporte: 57 milhões
John Stones: 50 milhões
Kyle Walker: 50 milhões
Benjamin Mendy: 49.2 milhões
Nathan Aké: 41 milhões
Danilo: 26.9 milhões
Angeliño: 5.3 milhões
Issa Kaboré: 4 milhões

TOTAL: 405.4 milhões de libras (443.9 milhões de euros)

Hipótese 2: a perda de Mikel Arteta, o adjunto que o acompanhou nos primeiros três anos e meio no City. Qual a real influência de Arteta na planificação de treino e nas opções táticas e estratégias das equipas de Pep? Ninguém se atreve a responder objetivamente a isto, mas é curioso deixar este número: desde a separação, Pep Guardiola e o City perderam oito jogos, mais dois do que o Arsenal de Mikel Arteta.

Hipótese 3: a bruxaria lançada a partir de África. Este ponto serve para as mentes mais influenciáveis. Expliquemo-nos. No momento em que Pep Guardiola se livrou de Yaya Touré no City, em 2018, as reações da entourage do atleta foram duras.

Dimitriy Seluk, empresário de Touré, chegou a ameaçar Guardiola com bruxaria originária de África.


«Guardiola colocou toda a África contra ele. Os adeptos africanos afastaram-se do City com a saída do Yaya. Tenho a certeza de que muitos xamãs – sacerdotes do sobrenatural – tudo farão para que o Guardiola não volte a ganhar a Liga dos Campeões. Dispensar o Yaya Touré não foi um erro, mas um crime. O boomerang virar-se-á contra o Pep. Vocês verão o poder dos xamãs. Lembrem-se sempre disso.»

Crendices à parte, Pep continua a não ganhar a Liga dos Campeões.

Hipótese 4: as imitações superaram o original. Em Inglaterra escreve-se que as convicções de Pep Guardiola foram imitadas, superadas e, em última análise, anuladas. O futebol levado por Guardiola para Manchester em 2016, sempre baseado numa saída curta e na obsessão pela posse de bola, passou a ser replicada por muitos treinadores. As ideias de Guardiola esgotaram-se?

Mais do que isso, esta forma de o Manchester City jogar começou a ser demasiadas vezes anulada. Em 2019/20, o City desperdiçou 33 pontos na Premier League. Mais do que no total das duas épocas anteriores: 16 pontos em 18/19 e 14 em 17/18, os anos dos títulos.

Treinador português explica ascensão de Klopp e crise de Pep

Hugo Faria foi treinador adjunto do Bournemouth de 2018 a 2020. De regresso ao Algarve, onde teve a possibilidade de assistir em agosto a treinos do Bayern Munique e do PSG, o técnico português apresenta ao Maisfutebol algumas conclusões sobre a subida de Jurgen Klopp e do Liverpool ao poder – e a consequente despromoção de Guardiola e do City.

«A ascensão do Liverpool de Klopp deve-se, essencialmente, a dois aspetos. Primeiro, a consolidação das ideias do treinador em conjunto com a filosofia do clube; Klopp pôde trabalhar com a tranquilidade e a calma necessárias no projeto definido. Segundo, Klopp soube manter sempre a espinha dorsal da equipa e contratou sempre jogadores que entraram no Liverpool para serem influentes; acrescentaram maior qualidade e competitividade dentro dessa mesma consolidação de ideias e processos.»

Faria lembra que o Liverpool, no início da era de Klopp, era «uma equipa muito vertical e sem paciência, quando em posse». «As transições ofensivas eram, maioritariamente, o ponto forte da equipa. Defensivamente, o Liverpool era permeável, muito devido a essa impaciência. Acabavam por ser surpreendidos por estarem desorganizados.»

Hugo Faria esteve dois anos com o Bournemouth na Premier League

Com a adição de jogadores «posições específicas e de acordo com a ideia de Klopp», hoje em dia vemos «um Liverpool muito forte em todos os momento de jogo». «A liderança tanto fora (Klopp) como dentro (Henderson) do campo é um dos pilares para o sucesso.»

Para Hugo Faria, a ultrapassagem do Liverpool ao Manchester City explica-se «em três fatores».

«As transições defensivas e a própria linha defensiva do City não está no mesmo nível; as contratações feitas pelo City, por um ou por outro motivo, não tiveram impacto significativo na equipa; o aumento evidente da qualidade do jogo por parte do Liverpool, e de outras equipas da primeira metade da tabela, não aconteceu no Manchester City, pois a equipa estagnou.»

Para Hugo Faria, o Liverpool teve a capacidade de «melhorar os aspetos menos positivos», ao contrário do Manchester City. «Guardiola tentou isso, quer através de contratações, quer através de adaptações estratégicas. Não funcionou na perfeição, longe disso.»

Faria considera que, no processo ofensivo, «o Liverpool e o City são ambos muito perigosos», mas acrescenta que no processo defensivo «a equipa de Klopp sai a ganhar».

«A linha defensiva do Manchester nunca foi consistente na última época, nem houve estabilidade por culpa das sucessivas mudanças de jogadores, seja por lesões, seja por opções estratégicas. A saída do líder Vincent Kompany, no final da época 2018/19, também não ajudou.»

Hugo Faria treinou Nathan Aké durante dois anos e acredita que o defesa central (ou lateral esquerdo) pode ajudar o City «a melhorar» em alguns aspetos. «Com a entrada do Aké, que conheço muito bem, e do Rúben Dias, o City pode perfeitamente evoluir nas próximas semanas.»

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