Adeus Boleyn Ground: a história nunca mais será a mesma - TVI

Adeus Boleyn Ground: a história nunca mais será a mesma

West Ham vai fazer o último jogo no seu estádio histórico

Esta terça-feira vai ser um dia histórico para o futebol inglês. O West Ham vai fazer o último jogo oficial no Boleyn Ground, o seu estádio, em Upton Park. A partir da próxima época, o clube do East End londrino jogará no renovado estádio das Olimpíadas Londres 2012, no Parque Olímpico Queen Elizabeth, em Stratford, conhecido também apenas como The Stadium (ou ainda Estádio Olímpico).

São os sinais dos tempos, é a modernização de um clube pelos seus dirigentes acompanhando a evolução da realidade. Ou parte dela. Porque outra parte da realidade do West Ham reprova a mudança. Porque o que mudará na vida do clube é, também, o que mudará na vida de muitos sem os quais a história dos «hammers» (adeptos e clube) não seria a mesma.

Do antigo campo de plantação de batata transformado no Boleyn Ground até hoje passaram 112 anos. O West Ham United ainda é mais antigo. O nome foi adotado em 1900, cinco anos depois da fundação do Thames Ironworks, clube de trabalhadores da estiva, nas docas do rio Tamisa. Upton Park, a estação de metro que serve a zona do Boleyn Ground existe desde 1877. O que se tem vido a falar é disto.

Londres é uma cidade rica em muitas coisas e também em clubes de futebol. As rivalidades entre emblemas é uma inevitável consequência e muitas delas quando vividas no mano-a-mano são mais especiais do que outras. A maior rivalidade do West Ham é com o Millwall. E é uma das mais antigas e ferozes do futebol inglês.

A antiguidade também é um posto nestas coisas e a rivalidade entre os dois emblemas data ainda de quando se chamavam Thames Ironworks e Milwall Athletic, ainda no século XIX. A razão é simples. O Milwall também começou com futebolistas vindos da estiva, que trabalhavam em empresas concorrentes na mesma região do East End londrino – os dois clubes estavam a menos de cinco quilómetros de distância.

São também menos de cinco quilómetros os que vão distar entre o condenado Boleyn Ground – Upton Park e o novo estádio. Mas há quem não se conforme porque há coisas que não mudam; ou que não serão as mesmas depois de se mudar. O West Ham foi fazendo no seu estádio de sempre a sua história maior do que a do Milwall.

Os «hammers» ganharam a Taça de Inglaterra três vezes (1964, 1975 e 1980) e venceram uma Taça dos Vencedores das Taças (1965). A década de 1960 foi a mais memorável do clube, de um clube que contou com três campeões do mundo pela Inglaterra em 1966: o defesa e capitão inglês, Bobby Moore, o médio Martin Peters e o goleador Geoff Hurst (o quarto jogador da emblemática escultura inglesa às portas do West Ham é Ray Wilson, do Everton).

Foi esta história centenária que fez o West Ham «Moore than a Club» para os «hammers». Faz parte da vida dos seus adeptos, geração após geração de londrinos do East End que vão ter de mudar de casa, de hábitos, de vida. O Boleyn Ground foi vendido a uma imobiliária num negócio de 35 milhões de libras (cerca de 44,3 milhões de euros) para a construção de mais de 800 apartamentos. O aluguer do Estádio Olímpico custará 2,5 milhões de libras/ano (cerca de 3,1 milhões de euros), amortizadas com receitas de naming e catering.

Muitos já se adaptaram. Não são só os camarotes de empresa que já estão vendidos. Os 50 mil lugares cativos (dos 60 mil de lotação do estádio) também esgotaram nesta segunda-feira. Mas muitos não conseguem, nem poderão, como já se verá. Pelo West Ham passaram  vários portugueses: Vaz Tê, Porfírio, Boa Morte, Paulo Alves e Futre. O primeiro de todos foi Dani, a meio da década de 1990.

É o antigo internacional português que conta ao Maisfutebol como «os adeptos têm uma ligação muito forte ao clube e à zona onde está o estádio, quer pelo metro, pelo comboio» que os levam lá, quer «pelos pubs onde se encontram» no célebre match day em hábitos que «passam de geração para geração».

«É uma coisa que transcende, que para nós não é muito compreensível, mas que, para eles [ingleses], faz todo o sentido: eles trabalham para irem ver o jogo no fim de semana.» Dani sabe que em Portugal os adeptos também se encontram antes dos jogos, mas frisa que, preferencialmente, «nos jogos dos grandes e são as claques». «Lá, são centenas que se encontram nos vários pubs.»

«Eles levantam-se, vestem a camisola do clube e vão beber uma cerveja com os amigos antes do jogo», fruto de uma «cultura muito própria» de quem vive o futebol de tal forma que não deixa o jogo fora do que há para fazer mesmo que seja aniversário de casamento... E com adeptos destes não há jogadores que fiquem indiferentes: «Os jogadores sentem a dedicação dos adeptos, sentem a paixão que eles têm.» «Nunca vivi uma cultura futebolística como em Inglaterra», confessa Dani.

Tudo isto vai mudar um pouco, também para quem vivia da vida que o futebol dava a Upton Park, para quem tem um negócio mesmo em cima do Boleyn Ground e que vai perdê-lo, alguns também depois de várias gerações na família. O comércio das pints para os adultos e das tartes para os miúdos são verdadeiras instituições do antes do jogo.

Os defensores da mudança falam da regeneração de duas zonas de Londres e da criação de 700 postos de trabalho. Não há unanimidade; apenas em que a história do West Ham e, também, do futebol inglês será diferente sem Boleyn Ground.

Agora passa por um novo estádio com capacidade para 60 mil pessoas e que vai ser a cara do novo clube que está a tentar ir à Liga Europa. Já nesta terça-feira, o West Ham defronta o Machester United em jogo da penúltima jornada da Premier League fundamental para as aspirações europeias das duas equipas.

Os «hammers» podem ultrapassar o Southampton e chegar à fase de qualificação paraLiga Europa. O United pode ultrapassar o Manchester City e ficar na qualificação para a Liga dos Campeões. O Upton Park que se prepare, o último jogo no Boleyn Ground vai ser histórico...

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