Mudar mentalidades: a história da primeira equipa gay de râguebi - TVI

Mudar mentalidades: a história da primeira equipa gay de râguebi

Kings Cross Steelers

Mais do que um clube é um projeto de integração social que ajudou a mudar mentalidades no desporto e fora dele

Foi num bar da zona norte de Londres que tudo começou. Um grupo de homens unidos pelo gosto pelo râguebi, ao mesmo tempo que, ainda, marginalizados no plano desportivo pela orientação sexual. De uma conversa nasceu uma equipa. De uma equipa nasceu um autêntico projeto de integração social e um baluarte da comunidade LGBT.

Desde aquela noite em que seis amigos, num pub, o fizeram nascer, muito mudou no percurso do Kings Cross Steelers RFC, a equipa em questão. O projeto deu frutos, estabeleceu-se e comemora, agora, vinte anos de existência.

Foi a primeira equipa assumidamente homossexual de um universo que contempla, agora, 56 só em Inglaterra. Tempos muito diferentes, claro está.

Aliás, mesmo tendo sido fundada naquela noite de 1995 e tendo os primeiros treinos começado em janeiro do ano seguinte, com meia dúzia de jogadores que apenas desejavam manter a forma, a inscrição na Federação inglesa de Râguebi apenas aconteceu em 1999. Foi a primeira grande vitória.

Um dos fundadores, Rob Hayward, acredita que o conforto fez a diferença e ajudou a fazer crescer a equipa até aos 120 atletas que conta na data do 20º aniversário.

«Inicialmente, atraímos jogadores porque estes não ficavam confortáveis noutros lugares, sabendo que iam ter de viver uma vida social diferente. Hoje não é assim, embora ainda haja quem venha para cá porque se sente mais confortável. Como em todos os clubes, vamos para bares e pubs no final socializar. Não vamos é aos mesmos», afirma Hayward, em entrevista ao canal «London Live».

A revelação da homossexualidade no desporto ainda não é um tema «pacífico». Rob Hayward sonha com o dia em que a orientação sexual de um atleta não seja notícia, como já acontece em várias outras áreas da sociedade.

Contudo, há duas décadas o cenário era ainda mais fechado. «Naquela altura só queríamos fundar uma equipa onde gays pudessem jogar e que a comunidade de rugby nos aceitasse e nos visse como uma proposta séria. Agora, os nossos jogadores podem, legalmente, casar, se assim o entenderem e há muitas outras equipas como nós», lembrou, ao jornal «The Independent».

Apesar disso, há algo que deixam bem claro: «Nunca iniciamos uma espécie de cruzada. Só queríamos jogar.»



Raros casos de homofobia numa história de sucesso

Alex Smith é o atual treinador e presidente. Tem 43 anos e, não sendo um dos fundadores do projeto, encontrou nele o espaço que pretendia para levar um pouco mais a sério a paixão pelo râguebi. Uma paixão que esteve muito perto de ser engavetada.

«Se, quando eu tinha 23 anos, me dissessem que seria um jogador e, depois, treinador de râguebi homossexual assumido, diria que era impossível. E em parte por minha causa. Eu excluía-me. Deixei de jogar pelos meus 20 anos por causa disso mesmo. Não sentia que era eu próprio», explicou, também ao «The Independent».

A maioria dos atletas do clube têm passado no râguebi e procuram nos Steelers um local confortável para dar continuidade à carreira. Ou seja, é um juntar o útil ao agradável e não descobrir no râguebi, após assumida a homossexualidade, uma opção viável para praticar desporto.

Muitos fizeram parte de equipas escolares, passaram por outros clubes mas nunca com o conforto que encontram nos Steelers, sobretudo depois de assumirem a sua orientação sexual.

Ollie, secretário e atleta, contou a sua experiência à revista online «Vice». Já tinha passado por outra equipa, os Cardiff Lions, uma equipa que, não sendo exclusivamente homossexual, aceita-os sem reservas.

«Fui para lá porque já me sentia razoavelmente confortável naquele ponto da minha vida. Poderia entrar uma equipa heterossexual. Mas aqui é diferente. É muito melhor estarmos numa equipa em que não precisamos de nos assumir. Além disso, achei que esta seria uma boa oportunidade de conhecer gente que pensa como eu»
, explicou.



Alex Smith garante que, ao contrário do que se possa pensar, não há grande historial de episódios homofóbicos envolvendo a equipa. O que não significa que, a título individual, os jogadores não tenham passado por momentos difíceis. Normalmente não relacionados com outros clubes mas com outros jogadores.

«Na universidade nunca tive problemas porque estava envolvido em muitas organizações e em voluntariado, mas tive problemas quando experimentei uma equipa de futebol. Eles detestavam-me e portaram-se muito mal comigo. Vinham ter comigo só para me insultar», contou.

Estes 20 anos serão celebrados a preceito no Kings Cross Steelers. Há várias iniciativas planeadas, com a participação na Bingham Cup, nos EUA, uma competição mundial que promove o desporto não discriminatória, a ser o ponto mais alto.

A validade do projeto da equipa, essa, é atestada pelo compromisso que os cerca de 120 jogadores das equipas A e B, veteranos e formação assumem. Um dos mais jovens, Casper Swanston, de 20 anos, os mesmos da equipa, dá a mensagem final: «O mais importante é que continua a ser uma história positiva que inspira pessoas.»
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