Sátira sexual, paródias com figuras religiosas e agradecimentos. O semanário «Charlie Hebdo», atacado há precisamente uma semana, no dia 7 de janeiro, por dois extremistas islâmicos, tem 16 páginas, em vez das habituais oito. Os jornalistas que fizeram esta edição conseguem, mesmo assim, fazer humor com o facto de terem sobrevivido, ironizando com a morte de 10 colegas e com as próprias vendas que a edição especial vai ter.
O profeta do Islão é apenas caricaturado na capa do jornal. Nas páginas interiores da edição há vários desenhos de extremistas, mas Moamé não aparece mais. Num dos desenhos do jornal, o líder do Estado Islâmico, Al-Bagdadi, formula votos de Bom Ano Novo, desejando sobretudo «saúde». É a mesma imagem de Al-Bagdadi divulgada na rede social Twitter, minutos antes do ataque terrorista ao «Charlie Hebdo».
O editorial agradece a todos os que têm mostrado solidariedade para com os 10 jornalistas do «Charlie Hebdo» que acabaram mortos. Mas há também um ataque às «insinuações pseudointelectuais» de que o «Charlie Hebdo» é islamofóbico. Ou seja, há uma condenação das posições que criticam a postura do jornal que, por criticar o Islamismo, estaria a desafiar as reações mais extremas.
No editorial pode também ler-se uma das piadas mais contundentes desta edição do semanário:
A edição é preenchida em grande parte por sátiras sexuais e por paródias de figuras e organizações religiosas. Além da caricatura de uma mulher que revela o corpo nu ao levantar a burca, há também conteúdo satírico relacionado com o Papa, que surge de charuto na boca, como um patrão da Máfia. E é preciso não esquecer a sátira ao Estado Islâmico e às 70 virgens que motivará cada um dos combatentes.«O que nos fez rir mais esta semana foi os sinos de Nôtre Dame tocarem em nossa honra».
No interior da publicação há várias homenagens às vítimas dos atentados sob a forma de caricaturas. Há ainda um desenho dos irmãos Kouachi no céu. Os extremistas islâmicos perguntam:
«Onde estão as 70 virgens?». E respondem-lhes: «Estão com a equipa do Charlie Hebdo».
O médico Patrick Pelloux assina uma crónica cujo título, traduzido, diz: «Eu, tu, ele, nós, vós eles somos Charlie». E deixa algumas palavras ao amigo Charb, o diretor do jornal Stéphane Charbonnier, morto no ataque:
«O jornal teve que fazer um esforço incrível esta semana para ter tamanha cobertura. O Charb vai ficar contente, porque as vendas vão aumentar».
O jornal conta ainda com desenhos assinados pelos cartoonistas mortos: Wolinski, Cabu, Tignous e Charb. Outros desenhos foram feitos por outros cartonistas, mas a emular o estilo de Charb, Wolinski, Cabu e Tignous.
Uma semana depois do ataque terrorista, nunca o «Charlie Hebdo» esteve tão vivo. Em minutos, os 27 mil pontos de venda em França ficaram sem qualquer exemplar do jornal satírico. A forte procura levou o distribuidor a aumentar a tiragem para cinco milhões de exemplares. Tudo nesta edição 1178 do «Charlie Hebdo» é histórico e são muitos que querem guardar o jornal.