A defesa "50 Sombras": quando os homicidas dizem que elas morrem em sexo violento consentido - TVI

A defesa "50 Sombras": quando os homicidas dizem que elas morrem em sexo violento consentido

  • BC
  • 21 fev 2020, 17:19
Sala de audiências

Estratégia de defesa é cada vez mais utilizada em todo o mundo, inclusivamente em Portugal, denunciam ativistas. Conduta sexual da mulher é tornada pública para justificar o crime e tribunais dão penas mais leves aos agressores

O último caso mediático é o de Grace Millane: a jovem britânica estava em viagem pela Nova Zelândia e foi morta em dezembro de 2018, depois de um encontro combinado através do Tinder. O homicida foi ontem, quinta-feira, condenado a prisão perpétua, apesar de a defesa do arguido - que não pôde ser identificado devido a uma ordem dos tribunais australianos - sempre ter alegado que a morte de Grace se deveu a um acidente, um estrangulamento consensual durante sexo violento. 

A alegação de sexo violento para rebater acusações de homicídio é cada vez mais usada em tribunais de todo o mundo, assinala a CNN. Esta estratégia dos advogados até já tem nome: a defesa "50 Sombras", numa alusão aos livros da saga 50 Sombras de Grey, de E.L. James, adaptada ao cinema em três filmes eróticos, e que conta a história de Anastasia Steele, uma estudante universitária numa relação sadomasoquista com um jovem magnata. 

Os casos sucedem-se em todo o mundo e também em Portugal. Fiona Mackenzie, fundadora do grupo ativista We Can't Consent To This - "não podemos consentir isto", em tradução literal - disse à CNN que obteve uma lista de cerca de 250 mulheres que foram mortas, em diferentes países, por homens que garantem que elas morreram em resultado de uma relação sexual consensual.

Parece ser especialmente comum em locais como Alemanha, Canadá, Estados Unidos, Austrália, Portugal e Espanha", revelou. 

Nestes casos, quando existe a alegação de um acidente durante sexo violento, as mortes não são inicialmente investigadas como crimes e, se forem acusados, os homicidas enfrentam normalmente penas mais leves, nomeadamente por homicídio negligente.

Advogados e peritos dizem que há uma cultura de culpar a vítima que está a obstruir a justiça.

Em todos os casos, a história sexual da vítima, a alegada história sexual, é apresentada em tribunal como parte da justificação do homicídio", explica Fiona Mackenzie. "As mulheres são culpadas pelos seus comportamentos, as vidas sexuais delas são questionadas", reforça Toni Van Pelt, presidente da National Organization for Women, uma organização feminista norte-americana. 

Não existe esta ênfase nos homens e no comportamento masculino. Onde está a história sexual deles, o historial de violência contra mulheres, tinham bebido, estavam a perseguir, já foram presos antes? A ênfase é que ela mereceu, porque gostava ou tinha prazer no sexo", acrescenta Van Pelt.

No caso de Grace Millane, a jovem que morreu na Nova Zelândia, a cobertura mediática do julgamento divulgou pormenores da vida privada da estudante, enquanto o acusado permaneceu anónimo. Durante o julgamento, em novembro de 2019, o Ministério Público desmontou os argumentos da defesa, dizendo que o acusado "erotizara" o homicídio devido a um "interesse sexual mórbido", chegando a tirar fotografias "troféu" do corpo da jovem morta. 

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