Juiz sul-africano volta a acreditar no seu país - TVI

Juiz sul-africano volta a acreditar no seu país

  • 18 fev 2018, 10:53
Albie Sachs - jurista sul-africano

Albie Sachs, antigo juiz do Constitucional, acha que futuro da África do Sul "vai ser muito positivo" com Ramaphosa. Em Lisboa, lembrou a inspiração que o 25 de Abril lhe deu para a luta contra o apartheid

O ativista dos direitos humanos Albie Sachs considera que o futuro da África do Sul "vai ser muito positivo" e elogiou o presidente Cyril Ramaphosa, que sucedeu no cargo a Jacob Zuma, colocando um fim na crise política.

Trabalhei com Ramaphosa, um homem de grande conhecimento e capacidade técnica. Ele gosta das outras pessoas, ele tem dinheiro, não é corrupto", afirmou Sachs em declarações à agência Lusa, antigo juiz do Tribunal Constitucional da África do Sul, que lutou toda a vida contra o 'apartheid' e pela democracia e liberdade.

Na qualidade de jurista que interveio na elaboração da Constituição de África do Sul, em 1994, a convite de Nelson Mandela, Albie Sachs vincou que tem "toda a confiança em Ramaphosa" e esclareceu que o Presidente, designado na quinta-feira, "pode fazer dois mandatos depois", cada um de cinco anos, porque "este não conta".

No entender de Sachs, de 83 anos, "o futuro vai ser muito positivo", agora que ficou resolvida a saída de Jacob Zuma da Presidência do país, após pressão do seu partido, o Congresso Nacional Sul-africano (ANC).

Este foi o sentimento da maior parte da população. Não havia alternativa. Se não tinha sido assim. o parlamento poderia ter votado uma moção de censura e seria humilhante para Zuma", observou.

Para Sachs, que se escusou a realizar comentários políticos na entrevista à agência Lusa, "a parte mais importante é que a Constituição da África do Sul dominou a situação".

Na nossa situação constitucional, o Presidente do país responde diretamente ao parlamento, isto implica que o partido que tem poder no parlamento tem o poder de destituir. Ele aceitou, apesar de ter passado algum tempo a sair", vincou o combatente de políticas raciais e de outras causas, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a abolição da pena de morte desde os 21 anos.

Os problemas de ontem não são os de hoje, mas, para Sachs, não significa que o mundo não os tenha.

Há menos golpes de Estado, a democracia avançou muito em África, há uma nova geração de intelectuais, com pensamentos muito refinados, há muito mais liberdade de expressão. Em linhas gerais, o continente está avançando lentamente pelo futuro", considerou.

Moçambique: "grau de desenvolvimento muito positivo"

Moçambique, país onde viveu durante mais de uma década e onde sofreu um atentado à bomba em que quase perdeu a vida, é uma das nações africanas mais querida a Albie Sachs, que destaca a governação do presidente Filipe Nyusi.

Há um certo grau de desenvolvimento muito positivo. O novo Presidente está a tentar criar algumas linhas novas, também com paz com Renamo. Acho é relativamente positivo o futuro de Moçambique", sustentou, aludindo à intenção de revisão constitucional.

A Constituição moçambicana "parece que vai dar mais poder e competência às províncias", o que "seria muito proveitoso fazer isso".

Não acompanhei muito de perto, mas parece que os princípios fundamentais estão já aceites, agora é o problema de implementação", disse, referindo-se também às querelas política entre o partido do poder, Frelimo, e o maior partido da oposição, a Renamo.

"Inspiradora" Revolução dos Cravos

Uma das memórias da passagem por Portugal que o ativista dos direitos humanos Albie Sachs guarda é o 25 de Abril de 1974, uma inspiração para a sua luta contra o 'apartheid' na África do Sul.

As pessoas estavam a dançar e a cantar na rua 'Grândola, Vila Morena'", recordou Albie Sachs, que, anos mais tarde, voltou a Portugal, sem parte do braço direito e sem visão no olho esquerdo, para prosseguir a recuperação do atentado que sofreu em abril de 1988, em Maputo, Moçambique.

No retorno a Lisboa, para um restabelecimento "organizado até ao pormenor mais pequeno", o sul-africano não voltou a experimentar as vivências de abril de 1974.

Voltei após atentado, foi uma recuperação do corpo, de espírito e alma. Foi uma recuperação magnífica. Obrigado, Portugal! Mas o espírito de 'Grândola, Vila Morena', da nossa luta, de amizade, de solidariedade foi muito forte" aquando da Revolução dos Cravos.

Recuperando a memória de quando foi perseguido, torturado, preso e isolado pelo regime sul-africano do 'apartheid', Albie Sachs, considerado terrorista pelo governo da África do Sul, declarou que, como "combatente da liberdade", o 25 de Abril de 1974 o "inspirou".

A quada do regime do 'apartheid' - sistema que perdurou de 1948 a 1994 - permitiu o regresso de Albie Sachs à terra natal, depois de um exílio prolongado - 11 anos em Londres e 12 em Maputo.

Durante esse tempo, que recordou por ter sido "um período ", manteve-se sempre ativo na defesa dos direitos humanos e no trabalho no Congresso Nacional Sul-africano (ANC), tendo trabalhado com Oliver Tambo, presidente daquela força política no exílio.

Nelson Mandela convidou-o para o Tribunal Constitucional da África do Sul em 1994 e Albie Sachs passou de terrorista a legislador, o que, disse, "não foi nada difícil".

Foi uma decisão muito alegre e senti-me muito confortável com a transição" do regime do 'apartheid' para "uma democracia", com um texto constitucional imbuído "do espírito da Constituição portuguesa".

Albie Sachs referiu que, na altura da redação da Constituição da África do Sul, se consultou o texto fundamental da República Portuguesa, que, "depois da ditadura", tinha "um aspeto social muito importante, não só para os ricos e intelectuais, mas para todos".

Olhámos para a Constituição de Portugal e esse foi o elemento da Constituição portuguesa que aproveitámos. As palavras não, mas o espírito", realçando o caráter "abrangente".

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