A Rússia e os Estados Unidos já anunciaram oficialmente o fim do Tratado de Desarmamento Nuclear (INF). O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, disse esta sexta-feira que "o mundo vai perder um incalculável travão à guerra nuclear" com o expirar do acordo de 1987 entre Washington e Moscovo.
A Rússia foi o primeiro país a anunciar o fim do acordo, culpando a “iniciativa” dos Estados Unidos.
A 2 de agosto de 2019, por iniciativa norte-americana, termina a validade do tratado assinado no dia 8 de dezembro de 1987 em Washington pela União Soviética e pelos Estados Unidos sobre o fim dos mísseis de médio alcance”, refere um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo.
Anteriormente, a Rússia revelou que propôs aos Estados Unidos uma moratória sobre o fim do tratado.
“Nós propusemos aos Estados Unidos e a outros membros da Aliança Atlântica considerarem a possibilidade do anúncio de uma moratória sobre as armas de médio alcance”, afirmava o vice-ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguei Riabkov, numa entrevista difundida hoje pela agência TASS.
Os EUA, por sua vez, acusaram a Rússia de violar este pacto bilateral e de ser "a única responsável" pelo seu "fracasso".
A saída dos Estados Unidos, em conformidade com o artigo XV do tratado, entra em vigor hoje porque a Rússia não voltou a respeitar de forma total e verificável o pacto", disse num comunicado o chefe da diplomacia norte-americana, Mike Pompeo, a partir de Banguecoque, onde participa em reuniões regionais.
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) já declarou o “desaparecimento” do tratado de desarmamento nuclear (INF), afirmando que a “Rússia é a única responsável” e prometendo resposta aos mísseis russos.
“A Rússia continua a violar o tratado INF, apesar de anos de envolvimento dos Estados Unidos e dos aliados, incluindo a oportunidade final dada para, em seis meses, cumprirem as suas obrigações” previstas no acordo, refere o Conselho do Atlântico Norte em comunicado de imprensa divulgado em Bruxelas, cidade que acolhe a sede da NATO.
Para a organização, “a Rússia é a única responsável pelo desaparecimento do tratado” por não ter destruído o novo sistema de mísseis.
Por isso, garante, “a NATO responderá de forma ponderada e responsável aos riscos significativos representados pelo míssil russo 9M729 para a segurança aliada”.
Entretanto, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, disse que “o mundo vai perder um incalculável travão” à guerra nuclear com o expirar do acordo de 1987.
Guterres disse aos jornalistas em Nova Iorque que o INF “é um marco que ajudou a estabilizar a Europa e acabar com a Guerra Fria” e que o fim do acordo “vai incrementar e não reduzir” a ameaça sobre mísseis balísticos.
O secretário-geral das Nações Unidas pediu aos dois países para “evitarem os desenvolvimentos destabilizadores” e para encontrarem o caminho para um novo pacto sobre o controlo de armamento.
Por outro lado, Guterres defende que o tratado New START, o mais significativo entre Washington e Moscovo, e que termina em 2021 deve ser prolongado.
Assinado em 1987 por Ronald Reagan e Mikhail Gorbachov, então presidentes dos Estados Unidos e da antiga União Soviética, respetivamente, o tratado INF aboliu o recurso a um conjunto de mísseis de alcance (intermédio) entre os 500 e os 5 mil quilómetros e pôs fim à crise desencadeada na década de 1980 com a instalação dos SS-20 soviéticos, visando capitais ocidentais.
Em finais de outubro de 2018, o presidente norte-americano, Donald Trump, acusou a Rússia de não respeitar os termos do tratado e ameaçou então sair deste acordo histórico.
Após ultimatos, Washington acabaria por decidir sair do INF, afirmando que a Rússia tinha infringido as regras do tratado com o desenvolvimento de um novo sistema de mísseis: o novo míssil terrestre russo 9M729, capaz de transportar uma ogiva nuclear e com um alcance superior a 500 quilómetros.
Em reação, Moscovo replicou e denunciou “acusações imaginárias" por parte dos Estados Unidos para justificar a saída do acordo.
O prazo para a Rússia destruir os mísseis termina hoje.
Fim do tratado é "grave" para europeus
O coronel Nuno Lemos Pires, professor da Academia Militar, disse hoje ser “grave, fundamentalmente para os europeus” o fim do tratado de desarmamento nuclear (INF) entre os Estados Unidos e a Rússia, anunciado pela NATO.
A insegurança aumenta e podemos estar mais próximos do uso de armas nucleares, é verdade, infelizmente”, declarou à agência Lusa o especialista em segurança e defesa e sub-diretor-geral de Política de Defesa Nacional, embora adiantando que “ninguém está interessado numa corrida aos armamentos” e que “o fim dos tratados não quer dizer fim das negociações”.