A organização Defense Distributed, com sede no Estado norte-americano do Texas, viu gorados os planos de voltar a publicar no seu site, esta quarta-feira, manuais de instruções para pistolas e espingardas de plástico impressas em três dimensões e com capacidade para disparar e matar como qualquer outra arma de fogo. A intenção tinha sido anunciada pela organização depois de ter chegado a um acordo com o Governo federal em Junho, mas no último instante um juiz federal bloqueou temporariamente os códigos que permitem a impressão.
A ordem judicial foi publicada na terça-feira, depois de um grupo de oito procuradores-gerais de oito Estados norte-americanos ter preenchido um pedido para bloquear a medida autorizada pela Administração Trump, que consideram ser uma "séria ameaça à segurança nacional", refere o jornal espanhol El País. O travão judicial tem efeito nacional e traduz-se na suspensão temporária da autorização para a produção de armas letais caseiras através da impressão 3D em todo o país.
Robert S. Lasnik, o juiz responsável pelo bloqueio, explicou que existem "constrangimentos relacionados com a Primeira Emenda" que deverão ser revistos mais tarde em tribunal, mas que, para já, "as instruções de como produzir armas 3D na internet deviam ser suspensas". O caso voltará a ser discutido no tribunal de Seattle a 10 de Agosto.
"As armas imprimidas em 3D são armas funcionais que regra geral não são reconhecidas por detetores de metais, por serem feitas por outros materiais, como o plástico, além de que não é possível rastreá-las, uma vez que não contêm o número da série", lia-se no documento entregue ao juiz e citado pela Associated Press. "Qualquer pessoa com acesso a ficheiros CAD e a uma impressora 3D pode produzir, ter ou vender estas armas."
#BREAKING: Cody Wilson backs down. After NJ takes him to court, Wilson agrees not to post any new dangerous 3D printable guns until our September hearing. Court orders him to keep his word. The fight for public safety continues.
— NJ Attorney General Gurbir Grewal (@NewJerseyOAG) 31 de julho de 2018
Batalha legal
A permissão para imprimir armas em 3D foi a conclusão de uma batalha legal de cinco anos, na qual o Governo do presidente Barack Obama (2009-2017) argumentou perante dois juízes federais que os manuais para fazer essas impressões em três dimensões violavam as leis de exportação de armas de fogo, tendo o Supremo Tribunal recusado ouvir o caso.
Cody Wilson, o fundador do grupo no centro da polémica, disponibilizou em 2012 na Internet os planos e o software necessários para produzir a Liberator, a primeira arma impressa em 3D. O documento foi descarregado mais de 100 mil vezes até que o Governo norte-americano bloqueou o site por infringir as regras sobre exportações internacionais.
Numa decisão abrupta, a Administração de Donald Trump chegou em junho deste ano a acordo com a Defense Distributed para permitir a esse grupo texano voltar a distribuir as instruções de impressão de armas 3D via Internet a partir desta quarta-feira, 1 de Agosto.
O acordo estipulou também que os manuais de impressão estão aprovados "para sua publicação de qualquer forma" e que o Governo norte-americano pagará 40 mil dólares (34,203 euros) para cobrir os honorários legais de Cody Wilson.
A era da arma descarregável começa", pode ler-se no site da empresa.
Embora até agora fosse ilegal fabricar armas de fogo em casa, não era ilegal montá-las, e a Defense Distributed já vendia as peças necessárias para o fazer: peças sem número de série, que portanto impediam as autoridades de seguir o historial de uma arma até à sua origem.
O fundador da Defense Distributed defende que a intenção de publicar os manuais está conforme à Primeira Emenda da Constituição dos EUA, que protege o direito à liberdade de expressão. Em declarações ao The Washington Post, Cody Wilson, considera que o que está em causa é o "acesso à informação" e não o direito de ter armas.
Cody Wilson é uma figura controversa nos EUA desde que a empresa que fundou publicou os manuais de impressão da arma de fogo Liberator em 2013. Wilson considera-se um defensor radical da liberdade do indivíduo e um inimigo da intervenção do Estado. É um admirador de Julian Assange, o cérebro do WikiLeaks e afirma que vai buscar as ideias ao filósofo francês pós-moderno Jean Baudrillard. O Southern Poverty Law Center, uma organização que analisa grupos de ódio nos EUA, define-o como o resultado de "um tipo de pós-libertarianismo extremo".
Acordo “assombroso”
A decisão de imprimir armas em 3D tem sido altamente criticada, com várias entidades a pedirem que as autoridades tomem todas as medidas possíveis para limitar a fabricação doméstica desses aparelhos.
Bob Ferguson, procurador do Estado de Washington, emitiu um comunicado na segunda-feira em que pergunta ao governo de Trump por que razão está a dar "acesso fácil" a essas armas a "criminosos perigosos". O procurador alerta que as pistolas para download não só são rastreáveis porque não têm um número de série, como não seriam reconhecidas por detetores de metal por serem de plástico e estariam ao alcance de qualquer pessoa independentemente de idade, saúde mental ou histórico criminal.
Em carta aberta, cinco senadores democratas disseram que o acordo é "assombroso" e pediram explicações à Administração Trump.
O acordo permitirá que estes manuais sejam publicados na internet para distribuição ilimitada a todos, incluindo criminosos e terroristas, tanto aqui nos Estados Unidos quanto no Exterior", acrescentaram.
Na passada quinta-feira, 42 deputados democratas lamentaram a decisão da Administração Trump, alegando que a mesma "só agravará a epidemia de violência com armas nos Estados Unidos".
A decisão permite a "qualquer residente dos Estados Unidos (...) ter acesso, discutir, usar, reproduzir ou se beneficiar da informação", disponível ao público no site do grupo de Wilson, alertam os deputados.
O senador Edward Markey disse que Trump será "responsável por todas as armas descarregadas na Internet que circulam nas nossas ruas se ele não agir hoje". Na mesma linha, o senador Richard Blumenthal afirmou que se o presidente não intervir, ele acabará "com as mãos manchadas de sangue".
Trump reconhece
Na terça-feira, o presidente norte-americano reconheceu que "não faz muito sentido" a entrada em vigor da autorização para imprimir armas 3D em casa.
A declaração de Trump chegou já depois de depois de a empresa que fornece os códigos para a impressão de armas ter disponibilizado modelos de nove armas diferentes. Entre sexta-feira e domingo foram descarregados mais de mil ficheiros com guias e códigos para produção caseira.
Estou a ver [o tema de] as armas de plástico 3D que se vendem ao público. Já falei com a NRA [Associação Nacional de Espingardas], não parece fazer muito sentido!", escreveu Trump no Twitter.
I am looking into 3-D Plastic Guns being sold to the public. Already spoke to NRA, doesn’t seem to make much sense!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) 31 de julho de 2018