Venezuela: supermercados venezuelanos limitam vendas - TVI

Venezuela: supermercados venezuelanos limitam vendas

Venezuela

Só clientes que apresentem um cartão de inscrição nos conselhos comunais da zona ou nos recém-criados Comités Locais de Abastecimento e Produção é que podem comprar produtos básicos. Esses comités são uma iniciativa polémica

Os supermercados de Caracas, na Venezuela, estão a exigir aos clientes que apresentem um cartão de inscrição nos conselhos comunais da zona ou nos recém-criados Comités Locais de Abastecimento e Produção (Clap), para poderem comprar produtos básicos que escasseiam no mercado venezuelano.

"Cada vez que nos chegam produtos básicos, há centenas de pessoas a fazer fila para comprar, mas muitas delas não sabemos quem são. A ideia é impedir que quem viva noutra zona compre as coisas que são para os clientes que vivem na nossa área"

A descrição foi feita pelo administrador de um supermercado, João Ferreira, à agência Lusa, que disse ainda que "há produtos que são muito procurados e que escasseiam no mercado local, como a farinha de milho, o óleo, o açúcar, o arroz e a massa, que chegam em camiões protegidos pela Guarda Nacional (polícia militar) e, muitas vezes, as pessoas que sabemos que vivem na zona ficam sem nada".

O processo para "conseguir a acreditação é fácil": basta ir aos conselhos comunais e aos Clap, "levar um documento de identificação, o comprovativo de endereço fiscal ou uma fatura de um serviço público com o endereço da pessoa".

Para os comerciantes, a apresentação de um cartão dos Clap pode ajudar a solucionar a falta de abastecimento e a revenda ilegal de produtos, principalmente nos supermercados onde as autoridades ainda não instalaram um sistema de identificação biométrico, que limita a quantidade de produtos que é vendida semanalmente a um cliente, como acontece nas grandes redes, que mesmo de diferentes empresas estão ligadas entre si e quem comprar arroz ou outro produto numa cadeia está impedido de comprar o mesmo produto noutra.

Mas alguns cidadãos queixam-se de que estão a ter dificuldades para fazer a inscrição e dizem temer que mais tarde os seus dados possam ser usados com fins políticos.

"Na minha zona (Los Cedros), é apenas às terças-feiras, das 17:00 às 19:00 horas, que fazem as inscrições. Eu trabalho longe não posso estar aí a essa hora", disse Diamela Castellanos à Lusa, manifestando-se preocupada porque tem que mais um contratempo: vive num prédio alugado e os serviços públicos estão no nome da proprietária do imóvel.

Fonte do conselho comunal local explicou à mesma agência que, nesses casos, a proprietária do imóvel pode enviar uma carta a explicar a situação e que a acreditação é então emitida.

Uma iniciativa polémica

Os Comités Locais de Abastecimento e Produção foram criados pelo Governo do Presidente Nicolás Maduro, uma iniciativa polémica que o Executivo insiste que vai permitir combater o contrabando e a revenda ilegal de produtos, mas parte da população critica e associa aos sovietes, os conselhos de representantes operários que apareceram pela primeira em 1905 na Rússia, para impulsionar a revolução russa.

No centro da polémica, está ainda o facto de muitas pessoas verem nela uma tentativa de aplicar uma versão moderna da popular caderneta de racionamento alimentar usada em Cuba, numa altura em que a Venezuela atravessa uma prolongada escassez de produtos alimentares básicos e medicamentos, que têm originado, cada vez mais, constantes protestos da população.

No meio da polarização existe um importante número de cidadãos, entre eles alguns portugueses, que estão esperançados de que esta nova medida - criada em abril de 2016 pelo Presidente Nicolás Maduro mas que apenas agora começou a funcionar -, possa ser uma solução "que sirva para aliviar" os constrangimentos diários da população.

"Aqui, o Governo já criou guias de circulação, já fez fiscalizações e muitas outras coisas. O problema (de abastecimento), que inicialmente diziam que era temporário, já lá vai para quase três anos e a situação em vez de melhorar piora, a tal ponto que todos os dias temos que estar preparados para ver o que terá chegado ao supermercado para comprar"

Palavras de uma emigrante portuguesa, Manuela de Agrela, que diz que "qualquer solução que funcione é boa", mas diz ter dúvidas que os Clap possam vir a privilegiar algumas pessoas em detrimento de outras.

"Apesar de saírem notícias na imprensa, no passado houve casos de conselhos comunais que esbanjaram recursos dados pelo Executivo, destinados para obras nas comunidades", acrescentou.

"Será que com os Clap vamos ter acesso real a produtos como a farinha de milho para fazer 'arepas' (tradicional massa de milho achatada que depois de frita ou assada é recheada com queijo, fiambre e outros produtos, substituindo o pão), o óleo, arroz, massa, leite em pó, açúcar, feijão e café, creme dental, papel higiénico e produtos de asseio pessoal", questiona a portuguesa de 60 anos, que diz não ser "politicamente de esquerda nem de direita e que o mundo não pode ser visto apenas por esse prisma (político), mas sim pela qualidade de vida que os governantes são capazes de dar à população".

Com o programa piloto já em funcionamento, estão já ativos alguns milhares de Claps nos mais de trezentos municípios do país.

A alimentar a polémica dos alegados sovietes está o facto de integrarem militantes do Partido Socialista Unido da Venezuela, das Unidades de Batalha Bolívar - Hugo Chávez (Ubch) e de várias frentes criadas pelo regime.

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