Ágatha tinha oito anos e foi morta por uma bala perdida - TVI

Ágatha tinha oito anos e foi morta por uma bala perdida

  • Henrique Magalhães
  • 23 set 2019, 19:41

A morte da menina está a provocar uma onda de revolta no Rio de Janeiro. Em média, cinco pessoas morrem por dia no estado brasileiro

Centenas de pessoas assistiram ao velório de Ágatha Vitória Sales Felix, a menina de oito anos que, na sexta-feira, foi morta por uma bala da Polícia Militar, durante uma intervenção na favela da Fazendinha, no Complexo do Alemão, um dos maiores conjuntos de favelas no Rio de Janeiro. 

Testemunhos ouvidos pela plataforma Voz das Comunidades, contam que Ágatha regressava a casa com o avô, numa carrinha, na favela da Fazendinha, onde morava. Foi apanhada no fogo cruzado, quando agentes da Polícia Militar começaram a disparar contra uma mota e atingiram o veículo onde seguia a menina, ferindo-a. A criança que ainda foi transportada para o hospital Getúlio Vargas, mas não conseguiu resistir aos ferimentos.

A versão da Polícia Militar é diferente. Em comunicado citado pela edição brasileira do jornal El País, a PM revela que, por volta das 22:00 da sexta-feira, equipas da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Fazendinha foram atacadas de várias feentes em simultâneo. Os agentes terão respondido com tiros à agressão. A Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) vai abrir uma investigação, para apurar as circunstâncias do tiroteio e da morte de Ágatha.

 "Vai chegar amanhã e [dizer] morreu uma criança num confronto. Que confronto? A mãe dele passou lá e viu que não tinha confronto. Com quem? Porque não tinha ninguém, não tinha ninguém. Atirou por atirar na Kombi. Atirou na Kombi e matou a minha neta. Foi isso. Isso é confronto? A minha neta estava armada por acaso para poder levar um tiro?", disse Airton Félix, avô da criança, numa entrevista ao Jornal Hoje.

 

 “O papel e o lápis eram a arma da Ágatha, uma menina estudiosa que hoje, pela primeira vez, andou na nossa frente e não ao nosso lado. Agora, minha neta está no céu”, afirmou o avô de Ágatha, durante um discurso emocionado no enterro da neta.

Enquanto centenas de pessoas se dirigiam para o cemitério onde Ágatha foi enterrada, o polícia militar, Gabriel Monteiro desferiu um soco contra Felipe Gomes, o organizador do Marcha das Favelas.

Nas redes sociais, Monteiro afirmou que a agressão foi em “legítima defesa” porque Felipe o “xingava e agredia”. Um vídeo do momento da agressão foi publicado pelo polícia e mostra uma discussão acesa sobre a violência no Rio de Janeiro. 

 

Monteiro, além de integrar a polícia militar do Rio de Janeiro, é também youtuber com mais de um milhão de seguidores.

 

A morte de Ágatha Félix inspirou vários movimentos sociais de favelas do Rio de Janeiro a denunciarem, juntamente com a ONG Justiça Global, o governador Wilson Witzel e o Estado Brasileiro ao Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

Na denúncia é possível ler que a “morte de Ágatha é consequência direta da política de abate imposta pelo governador às favelas do Rio”.

A Ordem dos Advogados do Brasil também se manifestou sobre este caso:  “As mortes de inocentes, moradores de comunidades, não podem continuar a ser tratadas pelo governo do Estado como danos colaterais aceitáveis. A morte de Ágatha evidencia mais uma vez que as principais vítimas dessa política de segurança pública, sem inteligência e baseada no confronto, são pessoas negras, pobres e mais desassistidas pelo Poder Público”.

Wilson Witzel defende uma política bélica de combate ao crime organizado e não hesita em reiterar a sua vontade de orientar a polícia do estado a disparar contra qualquer potencial criminoso que esteja armado nas ruas da cidade. Numa entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, publicada a 1 de Novembro de 2018, o governador diz que o “correto é matar o bandido que está de fuzil. A polícia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e… fogo! Para não ter erro”. 

O  jornalista Ricardo Noblat publicou um vídeo em que o governador do Rio de Janeiro é visto a ameaçar matar potenciais criminosos.

 

 

Dados do Instituto de Segurança Pública do Rio indicam que, entre janeiro e agosto deste ano, 1249 pessoas foram mortas por ação direta ou indireta das forças policiais fluminenses. O instituto aponta ainda para uma média de cinco mortes por dia.

Segundo o Observatório de Segurança Pública do Rio, o número de assassinatos aumentou 23% em relação ao mesmo período do ano passado e o número de mortes em ações policiais aumentou 46%. Desde que Witzel assumiu o cargo de governador, a taxa de crianças baleadas aumentou 80%.

Ágatha não foi a criança mais nova, nem a única a ser vítima de uma bala acidental este ano. De acordo com a plataforma Fogo Cruzado, já foram atingidas 16 crianças por balas perdidas este ano. Cinco delas morreram. Ágatha nem sequer foi a vítima mais jovem.

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