Foi uma decisão esperada mas nem por isso deixa de ser grave e dramática.
A saída americana do Acordo Nuclear do Irão, anunciada terça-feira por Donald Trump na Casa Branca, deita por terra o feito diplomático mais bem conseguido da era Obama.
E desfaz, assim num repente, o fator mais estabilizador de uma região cada vez mais propensa ao conflito e à perturbação – basta ver como, nos dois dias que se seguiram ao anúncio do Presidente americano, no Parlamento em Teerão deputados iranianos queimaram a bandeira americana e entre Irão e Israel escalou a tensão, com envio de rockets de parte a parte.
Entre ser fiel às promessas feitas à sua base e seguir os conselhos avisados dos seus aliados, Trump voltou a escolher o pior lado.
Não fez caso dos apelos lançados, nos últimos dias, pelos aliados tradicionais dos EUA na Europa, ignorando os pedidos dos “3M” de Paris/Berlim/Londres: Macron, Merkel e May bem tentaram demover Trump, sobretudo o jovem presidente francês, mas Donald mostrou-se irredutível na teimosia de cair num erro de proporções difíceis de antever.
Foi como lançar achas sem ter a mínima noção de como irá apagar a fogueira ateada.
O Irão, que em 2015 assinou o acordo a troco do levantamento de sanções, passa a estar menos vinculado a respeitar o comprometimento de não enriquecer urânio a ponto de poder ter armas nucleares.
Rohani, reeleito após o acordo, nunca teve vida fácil em Teerão, por ter escolhido a via da negociação com Washington.
Perante esta saída trumpiana, o clima construtivo entre EUA e Irão, promovido a muito custo durante 20 meses entre a anterior administração americana e o atual presidente iraniano, obviamente, terminou.
Sim, o JCPOA (Joint Comprehensive Plano of Action) é um acordo complexo e multilateral. Não se desmorona imediatamente pela saída de Trump – mas convenhamos que a presença dos EUA era o elemento fundamental.
A partir de agora, sobram as interrogações e escasseiam as garantias: vai o Irão continuar a aceitar as inspeções surpresa dos peritos da Agência Internacional de Energia Atómica?; vão os russos manter alguma imparcialidade neste tema, num ambiente de progressiva tensão entre Moscovo e Washington e cada vez maior aproximação entre Moscovo e Teerão?; vão as potências europeias conseguir assumir uma espécie de ‘liderança estilo Obama’ perante a desistência da América de Trump num tema desta importância?
Acabou, por isso, o clima de desanuviamento com Teerão, que tinha sido a marca dos anos Obama.
Com Trump, a estratégia americana para o Médio Oriente é diabolizar o Irão, acusando-o de estar envolvido na promoção do terrorismo, seja no apoio ao Hezbollah no Líbano seja em outros cenários de “guerra por procuração”, a nova modalidade dominante em sítios como a Síria ou o Iémen.
A Administração Trump, sobretudo nesta fase pós Tillerson e McMaster (com os “ultra falcões” Pompeo e Bolton a ter cada vez mais peso nas decisões do Presidente), tem dois aliados fundamentais no Médio Oriente – e tudo está a fazer para os reforçar: a Arábia Saudita e Israel.
Netanyahu demorou poucos minutos a aplaudir a decisão de Trump de romper o acordo iraniano. Menos apressado, mas igualmente eficaz nos bastidores, o jovem príncipe Mohamed bin Salman também respalda a jogada de Trump).
Da Europa surge uma demarcação tão clara à posição americana que, mesmo nestes tempos de Trump na Casa Branca, ainda soam a estranho.
Derrocada transatlântica
O que é perturbador, se analisarmos a argumentação do presidente americano para rasgar o acordo, é que quase todos os motivos alegados levariam a que se concluísse que os EUA deveriam manter-se, em vez de sair.
Acha Trump que o Irão tem que ser mais vigiado? Então porque não exigiu alterações ao acordo, de modo a ter mais garantias (garantias essas, a propósito, que o próprio secretário da Defesa da Administração Trump, o general Jim Mattis, assumira há poucas semanas no Comité de Forças Armadas do Senado serem “bastante robustas”)?
Quer Trump ter os iranianos sob maior controlo? Mas será mesmo que o Presidente dos EUA acredita que, ao destruir o acordo, haverá condições para se partir para um novo?
A narrativa de Trump na campanha apontou sempre para uma assunção, dita em linguagem quase infantil, de que “Obama e Kerry negociaram um acordo horrível, talvez o pior de sempre”.
Preso à sua hipérbole
Com a capa de Presidente, Trump acabou por ficar preso à sua própria hipérbole.
Para mostrar que rejeita a herança de Obama, acaba de tomar uma decisão que põe em risco o efeito “tampão” que, nos últimos três anos, o acordo tinha feito em relação à ameaça nuclear iraniana para a próxima década e meia.
Donald Trump está a pôr as fichas todas para entrar na História como o primeiro presidente americano a fazer parte de um grande tratado de paz entre as Coreias.
Mesmo estando longe de ter esse momento como certo, convinha que o Presidente dos EUA não tentasse associar o que, simplesmente, não é comparável.