Histórias da Casa Branca: guerra estratégica aos media - TVI

Histórias da Casa Branca: guerra estratégica aos media

  • Germano Almeida
  • 26 fev 2017, 15:34
Donald Trump

A “media ban” foi episódio chocante de guerra declarada da Casa Branca aos órgãos de comunicação social. É um conflito estratégico, serve para alimentar a fúria da base de apoio do Presidente. Mas talvez seja curto para garantir quatro anos a Trump

"Não nos enganemos sobre o que se passou. Isto é não-americano. Não é aceitável. É petulante. A Casa Branca mente, o Presidente não aceita críticas e estão a preparar-se para tentar acabar com os "checks and balances" neste país. Esta Casa Branca não respeita a liberdade de imprensa, não respeita a opinião livre".

JAKE TAPPER, apresentador e comentador político

 

"Resistam, persistam, exijam progresso. A mobilização tem que ser todos, tem que passar pelos mais novos e pelos outros. No terreno e online".

HILLARY CLINTON, adversária de Donald Trump eleições de novembro

 

"Não vamos desistir. Donald Trump não vai desistir. Estou muito orgulhoso no Presidente, porque apesar de tantos apelos a que se modere, ele não vai desistir da agenda que o povo americano lhe conferiu. Vamos até ao fim".

STEVE BANNON, estratega-chefe da Casa Branca

 

Pela primeira vez na história da democracia americana, a Casa Branca barrou o acesso a vários media, apesar de estarem credenciados. Entre os órgãos de comunicação social barrados estão a CNN, o New York Times, The Hill, Politico, BBC e Los Angeles Times.

Não pode não haver consequências depois disto.

A guerra aos media é um conflito estratégico da Casa Branca de Trump para alimentar a fúria da base de apoio minoritária do Presidente. Mas talvez seja curto para garantir quatro anos a uma Administração a sofrer contradições internas cada vez mais fortes.

A exclusão de órgãos media, para mais com o alcance e a credibilidade da CNN, do NYT, da BBC ou do LA Times poderia causar um impacto que, a curto prazo, colocaria a presidência Trump sem condições reais de governar.

Nos Estados Unidos, a liberdade de expressão e o poder da “imprensa livre” são pilares fundamentais que até agora ninguém ousou enfrentar de forma clara.

O problema é que a reação de indignação, aparentemente sensata, tem sido muito mais dominante entre nós, europeus e na tal "metade da América" que é liberal, cosmopolita e aberta ao mundo.

Também é verdade que uma parte da direita mais tradicional americana está igualmente chocada com a forma descarada como a Administração Trump mente aos americanos e apresenta os media como "inimigos do povo".

Sim, Donald Trump é um presidente impopular.

Mas calma: tem quase 40% de americanos a aprová-lo. Não são 10 ou 20%. E quatro em cada cinco republicanos continuam a apoiá-lo.

Isso mesmo: 80% dos eleitores republicanos, apesar de tantas mentiras e de tanta agressividade gratuita por parte do Presidente Trump, acha que quem está certo é Donald e não "os media".

Há uma conclusão perturbadora a retirar de tudo isto: para uma fatia muito significativa dos americanos (não a maioria, mas mesmo assim várias dezenas de milhões de pessoas) noções como a "liberdade de expressão", "verificação dos factos", "diversidade de opiniões" ou mesmo "respeito pelos outros" não são coisas assim muito importantes.

Podem, até, ser desprezadas em detrimento de uma suposta "segurança reforçada", mesmo que seja ilusória.

O Autoritarismo está a ganhar à Liberdade. Parece impossível, mas está.

Será passageiro, talvez. Esperemos que seja.

Mas que o episódio Trump sirva de vacina e que o antídoto chegue já em maio com a derrota de Marine Le Pen em França.

Em conferência realizada no sábado passado na Biblioteca Municipal Almeida Garrett, no Porto, Onésimo Teotónio Almeida, escritor e professor catedrático na Universidade de Brown (açoriano que vive nos Estados Unidos há 45 anos), fez esta deliciosa definição sobre Donald Trump: 

“A América tem, neste momento, um parvalhão como presidente. Que mente, manipula e insulta. Mas o problema será mais dele do que do país, sinceramente. A América tem um sistema fortíssimo de 'checks and balances', muito bem pensado e baseado numa Constituição que é respeitada e em instituições que funcionam. Dizem-me que um dos aspetos que melhoraram com este presidente é o humor e as caricaturas. Não acho: até agora ainda não vi uma caricatura de Trump. Só retratos.”

Na mesma conferência, Onésimo lembrou que “há mais bibliotecas do que McDonald's nos Estados Unidos”, uma bela prova de que haverá sempre esperança de que as coisas acabem por correr bem naquele grande e contraditório país.

Mas os riscos são evidentes. "Tudo o que ouviram dizer sobre os EUA, sejam as coisas ótimas ou as péssimas, é verdade. Ou então virá a ser",acrescentou, certeiro, Onésimo Teotónio de Almeida.

Para já, o que se sabe nesta imprevisível Presidência Trump é que fará da guerra aos “media” um dos seus focos de ação.

Donald Trump já anunciou que não estará presente no Jantar Anual dos Correspondentes da Casa Branca, momento fundamental na relação do Presidente com os “media” (ficaram lendárias as piadas de Obama nos oito jantares em participou como Presidente).

Enquanto isso, o New York Times preparou vídeo de resposta a Donald Trump, depois da "media ban". Divulgado durante o intervalo dos óscares, proclama: "A verdade é dura".

Mas Trump e o seu núcleo duro não vão parar. E esta hostilidade dos “media” e de “Hollywood” até reforça parte fundamental da estratégia da Casa Branca (tendência que já se tinha começado a detetar durante a campanha eleitoral).

Na primeira intervenção pública desde a tomada de posse de Trump a 20 de janeiro, Stevr Bannon falou ao “universo republicano”, no CPAC. E avisou: “Não vamos desistir. Donald Trump não vai desistir. Estou muito orgulhoso no Presidente, porque apesar de tantos apelos a que se modere, ele não vai desistir da agenda que o povo americano lhe conferiu. Vamos até ao fim".

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