Histórias da Casa Branca: sinais saudáveis no meio do caos - TVI

Histórias da Casa Branca: sinais saudáveis no meio do caos

  • Germano Almeida
  • 10 fev 2017, 21:57
O juramento de Donald Trump

Donald Trump tomou posse como Presidente dos EUA faz hoje três semanas. E, sim, estes 21 dias pareceram uns 21 meses. Mas as decisões judiciais contrárias à "Immigration Ban" são a prova de que o sistema tem saúde suficiente para se proteger

"A democracia não é só o voto. É o voto e é o primado da Lei"

Pacheco Pereira

 

 

"Dêem-me os cansados, 
os pobres, suas massas apinhadas, 
que anseiam por respirar em liberdade.
A recusa desventurada de seu porto abundante 
envia a mim esses desabrigados assolados pela tempestade.
Ergo a minha tocha ao lado do Portão Dourado."

(excerto final do poema da autoria da poetisa Emma Lazarus, inscrito na base da Estátua da Liberdade)

 

"No tribunal não manda quem fala mais alto - prevalece a Constituição"

Bob Ferguson, procurador-geral do estado de Washington, a pessoa que colocou a ação que levaria à decisão do juiz federal de Seattle, James Robart, de suspender a "Immigration Ban" da Administração Trump

 

"Algumas coisas são a Lei e outras são senso comum. Eu percebo que existam leis mas acredito ainda mais no senso comum"

Donald Trump (sim, o Presidente dos EUA disse mesmo isto…)

 

"Putin é um bandido e os EUA são excecionais"

Mitch McConnell, líder da maioria republicana no Senado, contrapondo à visão do Presidente Trump na entrevista à Fox de que “há muitos assassinos por aí, não é só Putin, e os EUA não são inocentes“

 

"Vladimir Putin preferiu a incerteza e inconsistência de Donald Trump à certeza de que as políticas de Hillary Clinton não seriam favoráveis aos interesses da Rússia"

Edward Snowden, em entrevista a Katie Couric

 

O voto deu, por força de um sistema eleitoral obsoleto, a eleição de Donald Trump.

A outra parte está agora a prevalecer. Os EUA são e continuarão a ser um grande país.

O Tribunal de Apelo de São Francisco manteve a suspensão à “Immigration Ban” e tudo indica que a Administração Trump vai recorrer para o Supremo.

Donald Trump foi encostado às cordas, depois de três decisões judiciais desfavoráveis à mais relevante ordem executiva que deu desde que, faz hoje três semanas, prestou juramento como Presidente dos EUA.

Mesmo que a questão suba ao Supremo, é já quase certo que a questão seja apreciada ainda antes da entrada do juiz Neil Gorsuch, que precisa ainda de percorrer um longo caminho (uns dois ou três meses) até ser confirmado.

Teremos, assim, uma das mais importantes decisões políticas das últimas décadas nos EUA a ser avaliada por oito juízes (quatro de tendência conservadora, quatro de tendência liberal, embora dois dos quatro conservadores tenham um registo de votações equilibrado).

Tendo em conta o historial de decisões de juízes em relação à Immigration Ban até esta poder chegar ao Supremo, não é de excluir, de resto, que alguns republicanos votem contra a medida do Presidente, pelas diversas dúvidas relativamente a garantias constitucionais que a mesma levanta.

Ou seja: Donald Trump ainda nem um mês completou na Casa Branca e já se encontra numa posição de grande conturbação com os outros poderes: o judicial, o mediático e, obviamente, o político (quase todos os membros da sua Administração tiveram dificuldades em ser aprovados no Senado, com destaque para Rex Tillerson, que passou a ser o Secretário de Estado com mais votos contra de sempre, 43, e Betsy DeVos, Secretária da Educação, que precisou do voto de desempate do Vice-Presidente dos EUA e líder do Senado por inerência, Mike Pence, após um inédito 50-50 decorrente dos chumbos das senadoras republicanas Lisa Murkowski, do Alasca, e Susan Collins, do Maine).

Muito dificilmente Donald Trump se sairá bem desta primeira grande batalha com o sistema judicial.

Trump entrou a matar num tema particularmente sensível para a América. Sim, pode ter alguns milhões de simpatizantes nessa cruzada simplista e sem critério contra “a entrada de quem põe a segurança dos EUA em risco”.

Mas a diversidade e a capacidade de integração do Outro fazem parte da génese daquele grande país. E o pouco sustentado sucessor de Barack Obama parece não ter avaliado devidamente o problema em que se meteu.

Neil Gorsuch, o juiz conservador que Donald Trump apontou para a nona vaga do Supremo Tribunal, considerou "desanimadores" e "desmoralizadores" os ataques do Presidente ao poder judicial, quando considerou ter sido "uma vergonha" a audiência do Tribunal de Recurso sobre a "Immigration Ban".

Trump chegou mesmo a acusar os juízes americanos de serem "demasiado politizados", num sinal de que não percebe na totalidade a dinâmica do sistema que lidera há 20 dias.

Ao insistir na acusação de "os tribunais americanos são demasiado politizados", o Presidente dos EUA, que supostamente tem a obrigação de saber que as nomeações dos juízes nos EUA são políticas, dá sinais de querer mesmo pisar os outros poderes (ou então, mais uma vez, mostra que não tem um conhecimento suficientemente vasto da complexidade do sistema que, desde 20 de janeiro, lidera).

Gorsuch não criticou Trump em público, mas fê-lo "de forma clara e direta" numa reunião com o senador democrata do Connecticut, Richard Blumenthal. Ron Bonjean, membro da equipa do próximo juiz do Supremo Tribunal Federal, confirmou, entretanto, essas declarações de Neil Gorsuch.

Mal se apercebeu da “fuga”, Trump não perdeu tempo a censurar o senador Blumenthal, em mais um episódio que revela a falta de dimensão institucional do atual Presidente dos EUA.

Enquanto isso, Donald Trump apelou aos americanos para denunciarem a existência de imigrantes ilegais, supostamente em nome "da segurança interna e como forma de evitar atentados terroristas".

E, pelo meio, vai insistindo em ter no Twitter um comportamento que não é próprio de um líder de uma grande nação: critica uma empresa privada (Nordstrom) pela opção que tomou de deixar de promover a linha de roupa da filha Ivanka (e mulher do conselheiro sénior do Presidente para Israel/Médio Oriente, Jared Kushner).

A sua conselheira sénior para a Comunicação, Kellyanne Conway, ajudou à festa, dizendo em direto na CNN que “é ótimo comprar roupas da linha da Ivanka”. Os guionistas de humor que elaboram textos sobre a Casa Branca de Trump não terão chegado tão longe na bizarria de tudo isto.

Quando se acha que o fundo não pode ficar ainda mais abaixo, o 45.º Presidente dos EUA consegue provar, dia após dia, que ainda é capaz de fazer pior. Até quando?

Mas houve mais episódios desconcertantes, só nos últimos dias, envolvendo a Presidência Trump.

Um dos mais perturbadores foi o telefonema de Donald com François Hollande. Fonte próxima do Presidente francês conta que “a certo ponto, Trump declarou que os franceses podem continuar a proteger a NATO, mas os EUA querem o dinheiro de volta”.

Assim mesmo, por estas palavras, do Presidente dos EUA para o Presidente da França. “Trump pareceu sempre obcecado com o dinheiro, só falava disso. Não era um discurso muito organizado, pareciam vários slogans seguidos”, acrescentou a fonte do Eliseu, citada pelo Politico.

“Foi uma conversa difícil, porque ele fala em privado da mesma maneira que discursa em público. Não é habitual que chefes de Estado falem uns com os outros assim”.

Muito mau.

Os anos da "Casa Branca dos factos alternativos" terão que ter muitos momentos como o que Jake Tapper, da CNN, protagonizou em direto com Kellyanne Conway.

O jornalista “grelhou” a conselheira do Presidente, confrontando-a com o chorrilho de mentiras e imprecisões que a Casa Branca propagou nestas três semanas. A bem da realidade factual e contra a "pós-verdade".

O bom jornalismo prevalecerá sobre a política da mentira.

Donald Trump acusou os media de serem "muito desonestos" por quererem ocultar "vários atentados terroristas islâmicos".

Ora, que atentados misteriosos e conspirativos terão sido esses?

De acordo com o que a Casa Branca de Trump "revelou"... Donald estaria a referir-se aos atentados de Paris (13 novembro 2015, Bataclan, Stade de France), Nice (julho 2016, o camião contra a multidão), Berlim (camião contra feira de natal) e o ataque a discoteca LGBT em Orlando.

Das duas uma: ou o Presidente dos EUA está mesmo a gozar connosco ou apenas quer falar para uma base de apoio mesmo muito mal informada, que acredita que eventos tão mediatizados como esses terão sido... "encobertos pelos media desonestos".

Os EUA entre um Presidente 'fast and furious' com tiques autoritários e um sistema de "checks and balances" sólido, mas a necessitar de permanente ativação para proteger a sua Liberdade.

Continue a ler esta notícia