Histórias da Casa Branca: um Presidente disruptivo - TVI

Histórias da Casa Branca: um Presidente disruptivo

  • Germano Almeida
  • 6 fev 2017, 09:31
Donald Trump

Donald Trump está a provocar o sistema, de modo a alargar os limites do seu poder. A nomeação de Steve Bannon para o Conselho de Segurança Nacional é perturbadora. Mas a suspensão judicial da "travel ban" faz-nos acreditar que os "checks and balances" já estão a funcionar

“A decisão deste pseudo juiz é ridícula. O nosso país vai ficar em risco”

Donald Trump, no Twitter, sobre a decisão de James Robart, juiz federal de Seattle, que deu razão ao pedido dos estados de Washington e Minnesota de suspender a execução da “travel ban”

 

“A Apple não existiria sem a imigração”

Tim Cook, CEO da empresa fundada por Steve Jobs, filho de um sírio

 

“Donald Trump é uma máquina gigante de produzir nevoeiro”

Paul Auster, revista do Expresso

 

Um Presidente dos Estados Unidos, que foi nomeado pelo Partido Republicano, que reage a uma decisão judicial classificando-a de “ridícula” e rotulando o magistrado (que até tinha sido indicado pelo anterior presidente republicano George W. Bush e confirmado no Senado por 99-0), é algo absolutamente novo e perturbador.

Sim, o sistema de “checks and balances” voltou a funcionar – e a aplicação da “travel ban” está suspensa, pelo menos até nova decisão judicial, depois de recurso da Administração Trump.

Depois do choque inicial, prevalecem alguns pontos de esperança. Mesmo com alguém disruptivo, provocador, agressivo (e, por vezes, mal educado) a ocupar o cargo na Casa Branca, os EUA mostram que continuam a ser um país diverso, tolerante e resistente a ameaças aos seus valores fundamentais.

Mas não nos enganemos: a conduta de Donald Trump, a sua agenda revolucionária no pior sentido do termo e a sua estratégia de contra-ataque violento sempre que é criticado, levará a que o mandato do 45.º Presidente dos EUA venha a ser constantemente marcado pela conturbação, pela crise institucional e pelas tensões, quase estado de guerra, entre o poder presidencial e os poderes judicial, mediático e político.

Nas primeiras duas semanas, o poder judicial na América mostrou ter força, agilidade e independência para assegurar o essencial perante as tentações autoritárias de Trump.

O poder mediático também deu sinais positivos, embora com alguns solavancos pelo meio.

O mesmo já não poderemos dizer do poder político.

Basta alguma perspetiva para percebermos que a agenda do Presidente Trump é, em muitos aspetos, bem diferente da agenda do congresso de maioria republicana.

A questão é que, pelo menos até agora, tem sido o Presidente a levar a sua avante – e a nomeação de Neil Gorsuch para o Supremo foi sinal de Trump de querer manter os republicanos no Congresso sob controlo.

Normal e aceitável que um Presidente eleito pela direita queira nomear um juiz muito conservador. A questão é que isso só foi possível porque os republicanos no Congresso andaram um ano a bloquear qualquer audição a Merick Garland, o nome indicado por Barack Obama.

Paul Ryan, speaker do Congresso, não tem tido força nem coragem suficientes para impor algum discernimento político a Trump. E isso é mesmo preocupante.

É claro que tem havido honrosas exceções – e a maior delas é John McCain.

Quase com 80 anos, e após mais uma reeleição garantida, o senador republicano do Arizona tem sido dos poucos a manter a dignidade na bancada da maioria: levantou a voz contra a posição de Trump em relação à tortura (puxando da sua experiência pessoal de torturado), levantou a voz contra a demagogia da “travel ban” (lembrando que a América é melhor do que isto e chamando a atenção para os perigos que uma decisão tão radical contra sete países de maioria muçulmana levanta).

A turbulência gerada pela “travel ban” na sociedade americana é positiva. Mas ainda não chega.

O sentimento de “anti-americanismo” tem, nesta medida provocadora do Presidente dos EUA, um grande campo para crescer no mundo muçulmano – talvez o maior desde a invasão do Iraque, em 2003.

Mas as diatribes de Trump nos últimos dias não se esgotam na questão da barreira de imigração.

A escolha de Steve Bannon, o seu conselheiro-chefe que gosta de se autointitular de “Darth Vader”, para o Conselho de Segurança Nacional é simplesmente inacreditável, sendo a prova final de que Trump quer mesmo seguir a via radical e extremada.

E mostra, ainda, que Trump prefere acreditar nas estratégias da extrema-direita com foros conspirativos e não nos conselhos dos elementos dos Serviços de Informações e da via de “establishment”. Perturbador.

E houve a perturbação externa, clara. Nos últimos dias, Donald Trump falou torto ao telefone com o PM autraliano, em conversa que terminou com ameaças. E foi com um grande aliado dos EUA, imagine-se se tivesse sido com um rival e adversário.

A tensão com o Irão voltou a fases pré-acordo nuclear, algo que Trump desejava, para se demarcar em absoluto do “Iran Deal” feito por Obama (e que Theresa May se viu forçada a lembrar ao Presidente dos EUA que foi assinado por vários países, não apenas pelos americanos).

Para lá das decisões políticas, o que é destruidor no comportamento de Trump é a falta de dimensão institucional, é a primazia à agressividade, é a inconsistência entre o que diz acreditar e o que depois é dito pelo seu secretário da Defesa, é o desrespeito pela dignidade do cargo.  

Com isto tudo, não será de admirar que a taxa de aprovação de Donald Trump seja a mais baixa de um Presidente com duas semanas de mandato.

Este inverno político na América está a ser ainda mais duro do que muitos imaginariam. 

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