Relatório minoritário - TVI

Relatório minoritário

  • Germano Almeida
  • 27 mar 2019, 16:48
Donald Trump

As expectativas criadas foram tantas que é impossível não sentir frustração. Trump volta a ganhar na “perceção”, mas se tivesse saído tão bem como diz que saiu, porque não exige a publicação integram do Relatório Mueller?

O Relatório Mueller foi fantástico, não podia ter sido melhor

Donald Trump, Presidente dos EUA

O documento não conclui que o Presidente tenha cometido algum crime, mas não o exonera dessa hipótese

William Barr, procurador-geral dos EUA

O Poder sempre foi um obstáculo natural à informação. Mas a apatia é um inimigo mais recente e mais preocupante"

Victor Cunha Rego, citação do livro “Na prática a teoria é outra”

 

O título desta crónica recorda o filme de 2002 de Steven Spielberg, com Tom Cruise no papel principal – mas podia também dar nome à forma como tem sido interpretado, por estes dias, o tão aguardado trabalho final de Robert Mueller sobre as investigações às possíveis interferências russas na eleição presidencial americana de 2016.

Na sociedade das perceções e das aparências, Donald Trump pode cantar vitória depois da entrega do Relatório Mueller ao Departamento de Justiça.

Mas só mesmo por isso.

Só quando tivermos acesso ao documento integral será possível ter uma verdadeira noção do que está em causa.

O que se tem passado em torno do Relatório Mueller mostra como é cada vez mais difícil usar os factos para se criar uma perceção correta junto da opinião pública.

Um procurador independente entregou há dias um relatório que demonstra, com clareza, que a escolha do Presidente dos Estados Unidos, em novembro de 2016, teve interferência russa.

Não declara, é certo, que o candidato que viria a ser beneficiado com isso, Donald Trump, tenha estado diretamente envolvido (embora também não conclua que não esteve).

Que perceção fica? Que “a montanha pariu um rato” e que “afinal Donald Trump se saiu muito bem do Relatório Mueller”.

A sério?

Fim de conversa sobre “impeachment”

Quem achava que o Relatório Mueller seria a base da argumentação para um futuro “impeachment” de Trump, obviamente ficou frustrado.

Mas daí a concluir que Donald Trump sai fortalecido disto vai uma enorme distância. Ou, pelo menos, devia ir.

Entendamo-nos: o que até agora se sabe apenas refere que Mueller “não encontrou evidências claras” para produzir uma acusação contra o Presidente.

Mas Trump mente – mente descaradamente – quando diz que recebeu “total exoneração”. Foi o próprio William Barr, procurador-geral da Administração Trump, a esclarecer por escrito: “O relatório não concluiu que Trump tenha cometido um crime, mas não o exonera dessa hipótese".

Donald atira foguetes, escreve com capitulares "EXONERADO" (em mais uma reação mentirosa, o que Mueller escreve é que não o acusa mas não o exonera).

Bom, mas se o Presidente dos EUA está assim tão inocente em todo este relatório, certamente que está ansioso por torná-lo público e totalmente transparente.

Certo? Errado.

Apesar de já ter havido uma resolução UNÂNIME da Câmara dos Representantes (420-0), no sentido de tornar público o Relatório Mueller, essa (boa) intenção da câmara baixa foi já travada pelo líder do Senado, de maioria republicana, Mitch McConnell.

Porque será?

Porque, como é óbvio, são inúmeras as dúvidas que permanecem.

Convém não esquecer o essencial: nestes 22 meses, 34 pessoas e empresas já foram acusadas por Mueller no âmbito das investigações sobre interferência russa nas eleições 2016.

Entre eles estão pessoas que são ou já foram muito próximas do atual Presidente dos EUA -- incluindo o seu diretor de campanha e o seu advogado pessoal durante uma década.

Em declaração conjunta, os líderes democratas no Congresso -- Nancy Pelosi (speaker da maioria democrata na Câmara dos Representantes) e Chuck Schummer (da minoria democrata no Senado) -- reforçam a necessidade de que se conheça tudo o que está escrito no relatório entregue por Mueller ao procurador-geral William Barr.

E apontam: "Como é óbvio, o facto de o presidente dizer que está completamente exonerado contradiz diretamente as palavras do sr. Mueller e não é, por isso, para levar a sério, ou para encarar com qualquer grau de credibilidade. O Congresso requer acesso total ao relatório e seus documentos anexos e relacionados, de modo a que os comités que mantêm análises sobre o tema possam proceder a um trabalho independente, incluindo supervisão e legislação que responda aos temas levantados pelo Relatório Mueller. O povo americano tem o direito de saber tudo".

Passo em frente ou mudança de página?

Neste momento há vários comités do Congresso americano (sobretudo na Câmara dos Representantes) que analisam diversos aspetos relacionados com as “Russia Probes”.

O Relatório Mueller está longe de terminar com as investigações – é, de resto, a peça mais relevante até hoje produzida sobre o tema.

A grande questão que se coloca, a partir de agora, é se os democratas vão perder gás (inundados na sopa da “frustração” por saberem que Trump não será indiciado) ou se vão aproveitar o Relatório Mueller para carregar no acelerador.

Era suposto que o sistema americano (político, mediático, judicial) sofresse uma fortíssima inquietação ao saber que os russos tiveram uma influência clara na escolha do Presidente dos EUA.

Mas, de facto, não vivemos tempos normais.

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