Histórias da Casa Branca: a “meia surpresa de outubro” veio do FBI - TVI

Histórias da Casa Branca: a “meia surpresa de outubro” veio do FBI

  • Germano Almeida
  • 1 nov 2016, 00:00
Debate Hillary Clinton vs Donald Trump in St. Louis (Reuters)

A carta de James Comey ao Congresso colocou a campanha de Hillary à beira de um ataque de nervos. Mas terá o eleitorado já feito o seu julgamento sobre a conduta de Clinton em relação aos emails?

Quando, em cima de uma eleição presidencial americana, ocorre um evento dramático e inesperado, capaz de mudar decisivamente a rota de uma corrida, fala-se numa “October Surprise”.

Há quatro anos, por esta altura, foi o Sandy. 

O furacão que devastou a Costa Leste americana, e afetou bastante alguns estados do Midwest, permitiu a Barack Obama mostrar ser um Presidente que era capaz de ter resposta pronta num acontecimento extraordinário e, ao mesmo tempo, sentia as dores de quem tinha perdido tudo em minutos.

Essa perceção levou a que, em poucos dias, uma eleição que estava empatada entre Obama e Romney se transformasse numa vitória clara da reeleição do democrata.

Desta vez, o cenário é bem diferente. 

Quando faltavam 12 dias para a decisão, o duelo Hillary/Trump parecia quase resolvido a favor da democrata (vantagem clara nas sondagens nacionais, ainda maior no Colégio Eleitoral). 

Até que apareceu uma carta que pode alterar fortemente os dados dos últimos dias. Uma carta, literalmente: a missiva escrita por James Comey, diretor do FBI, ao Congresso, dava conta de que haverá motivos para novas investigações na questão dos emails de Hillary enquanto Secretária de Estado.

E é por isso que só se pode falar em “meia surpresa de outubro”: se há tema batido nestas eleições é esse. 

Barbara Boxer, senadora democrata da Califórnia, chamou-lhe a “October Betrayal” (traição de outubro), cometida pelo diretor do FBI: “Não é justo”.

Há mais de um ano que a questão do uso de servidores não protegidos para troca de informação confidencial persegue Hillary Clinton.

Há sinais de que o eleitorado americano já está farto de ouvir falar no assunto – e o julgamento em relação à conduta de Hillary nesse assunto estará feito. Não é, certamente, positivo, mas está feito.

Mesmo assim, a novidade caiu que nem uma bomba na dinâmica da eleição. Deu ânimo ao lado de Trump e colocou o campo de Hillary à beira de um ataque de nervos.

Sobram dúvidas sobre as motivações que levaram Comey a fazer isto agora. Na carta, o próprio diretor do FBI admite que não sabe, sequer, se há matéria relevante para mais tarde acusar. Terá decidido alertar o Congresso para não ser acusado, depois das eleições, de não ter feito nada sobre o assunto. 

A verdade é que, no início de julho, o mesmo James Comey tinha anunciado “não ser razoável avançar para uma acusação contra Hillary”,apesar de reprovar “comportamento descuidado” da então chefe da diplomacia americana em matéria tão sensível.

Hillary reagiu de forma enérgica, considerando “muito estranho” o timing de Comey para esta carta. 

A candidata exigiu que o manto de suspeição seja levantado até dia 8, sendo clara na reivindicação de que “seja revelado tudo o que está em causa”, num sinal de que não teme o que possa vir aí.

Na mira está Huma Abedin, principal assessora de Hillary Clinton há vários anos, que já foi alvo de um autorização judicial para ser investigada.

Do lado democrata, há cada vez maior pressão por parte de apoiantes de Clinton, responsáveis da campanha e senadores democratas a exigir a demissão de Comey, caso o diretor do FBI não esclareça o assunto o mais rapidamente possível.

Trump não perdeu tempo a cavalgar a onda de “isto é mais uma prova de que Hillary é mentirosa, falsa e corrupta”.

E virou, de forma quase desconcertante, a agulha de apontar a tese de “sistema roubado e viciado” para “o FBI, afinal, esteve muito bem nisto”. 

Foi mais um episódio que mostra o cariz quase esquizofrénico desta estranha corrida presidencial americana de 2016.

Quase de um dia para o outro, Hillary passou de clara favorita a candidata em perigo.

Voltou a noção de que a candidata democrata tem feito o percurso político sob um manto de dúvidas, mentiras e encobrimentos. Nos últimos dias, o grau de reprovação de Hillary subiu aos níveis dos de Trump: agora são mesmo os dois políticos mais impopulares da América. 

As sondagens nacionais (e nalguns estados decisivos também) mostram, nos últimos dias, uma aproximação entre os dois contendores, com a vantagem de Hillary a ficar reduzida substancialmente, ainda que os dados sejam um pouco contraditórios: a diferença vai de apenas 1 a 7 pontos (51-44, NBC/SurveyMonkey feita já depois da “FBI Surprise”). 

Ao mesmo tempo dados do “early voting” apontavam para que Clinton tinha 15 pontos de avanço sobre Trump entre os 19 milhões de americanos que tinham votado até sábado (Ipsos/Reuters), com Hillary a ter forte mobilização na Florida, Carolina do Norte, Nevada e Arizona. Donald estará a sair-se bem no Ohio e no Iowa. 

Outros dados indicam, ainda, que os eleitores latinos estão a votar em massa, em valores muito superiores aos de 2012, o que deverá ser bom para Hillary, embora os negros, para já, não mostram grande mobilização, o que aparenta ser animador para Trump. 

Estima-se que até dia 8 votem, de forma antecipada, cerca de 40% dos eleitores. Se tal se confirmar, a capacidade de mobilização no terreno, sobretudo nos estados decisivos, pode determinar o resultado final.

Para os dias finais, contará muito a máquina no terreno. Hillary tem cerca de 160 milhões de dólares para inundar os estados decisivos de anúncios negativos contra Trump nas rádios e TV da Florida, Ohio, Virgínia e Carolina do Norte, sobretudo. Trump só tem 60 milhões e muito menos ligação às estruturas republicanas em cada estado, por culpa do “divórcio” político entre o nomeado presidencial do GOP e o “establishment” do partido.

A exatamente uma semana da decisão, e com o FBI a colocar “a América em suspenso”, os sistemas de probabilidades dão agora três hipóteses em quatro para a eleição de Hillary, uma em quatro para Donald. 

Antes da carta de Comey, Hillary tinha cinco hipóteses em seis de vencer a eleição.

Continue a ler esta notícia